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23 DE SETEMBRO DE 2007, DOMINGO
O Ciclo de Entrevistas em Comunistas.info
Coligações à esquerda: um avanço ou ilusão reformista?
Leia hoje a segunda entrevista, com Carlos Luís Figueira , depois de Luís Fazenda, sobre o papel que a participação da esquerda e dos comunistas em coligações poderá ter no processo de remodelação política que se ambiciona gerar em Portugal e no mundo. Seguir-se-à uma entrevista a Domingos Lopes. Comunistas.info introduz o tema em documentos
Texto de introdução da responsabilidade de Comunistas.info.

Um velho debate recorrente à esquerda é o de saber se a participação de comunistas ou forças de esquerda em soluções de governo, nas instituições no poder local ou central, constituem uma intervenção que faz avançar o processo histórico ou se, pelo contrário, pouco ou nada alteram a correlação de forças.

Para um certo ponto de vista de “esquerda”, jogar em programas intermédios contradiz o objectivo superior de preparar as consciências com vista a uma reversão mais geral do poder burguês. Neste sentido, as participações conjunturais apenas ajudariam as forças sitauacionistas a encontrar novas soluções reorganizadoras do próprio capitalismo.

Para um ponto de vista supostamente mais de “direita”, as participações permitirão conquistar novas posições no Estado e na consciência social e política das massas, de forma a mostrar como ajudam a luta popular e institucional combinadas a aproximar esse mesmo momento de reversão mais geral do poder burguês. Um corolário deste raciocínio é o de considerar que a remissão das contradições que se acumulam no capitalismo para uma grande solução final, a da revolução geral, como defendem os que supostamente se situam à “esquerda”, abandona a gestão dos conflitos conjunturais de classe e a luta por objectivos parciais dos trabalhadores à intervenção de forças oportunistas que assim se assenhoreiam da direcção e da agenda das reivindicações populares expressas em cada momento, amarrando-as à tutela do status quo burguês mesmo que ilusoriamente remodelado.

Uma primeira questão estrutural que esta discussão levanta é a de saber se o Estado burguês é um alvo global da luta histórica dos trabalhadores, qual fortaleza homogénea e quase inexpugnável apenas superável por um combate geral, programado para um grande e único momento histórico, a grande revolução. Ou se, pelo contrário, como tão enfaticamente defendeu Nikos Poulantzas, a grande figura do comunismo grego e mundial do século XX, o Estado burguês é também ele uma arena da luta de classes onde segmentos seus são disputáveis pela luta social e onde, portanto, partes dele poderão ser conquistados por coligações populares ou ambíguas do ponto de vista dos objectivos do socialismo, e serem portanto libertadas da tutela rígida das tais forças burguesas. O que configura igualmente um processo de acumulação de força para a reversão mais geral da correlação de forças.

Uma segunda questão estrutural para este debate prende-se com a tese antiga de que a construção da nova economia apenas pode acontecer depois da reversão de todo o poder político burguês. Uma ideia que justifica, de resto, o ponto de vista de “esquerda” anteriormente enunciado. Segundo o qual, a nova economia nasceria exclusivamente da acção política do poder conquistado pelos trabalhadores, qual criação de cima para baixo segundo um plano mais ou menos consciente, gizado pelos revolucionários (sabemos no entanto que os revolucionários chegaram quase sempre ao poder sem plano económico concreto e que muitas das suas decisões foram manobras de adaptação ditadas muito mais pela táctica revolucionária do que pela construção consciente de uma nova economia). Logo, e se assim fosse, qualquer colaboração da esquerda com soluções ambíguas de poder, em pleno capitalismo, estariam votadas a uma incontornável colaboração de classes. Inaceitável portanto por quem defende com clareza os objectivos socialistas.

Em contradição com esta modelação da história, muitos marxistas vêm advogando a tese de que os modos de produção vigentes, e em concreto o capitalismo, não são de todo construções puras. Pelo contrário, o capitalismo actual convive em graus complexos com sistemas de propriedade, de relações de produção e de contratação que são potencialmente divergentes em relação ao futuro. Uma evidência desta tese é o crescimento astronómico das funções económicas do Estado ao longo do século XX apesar dos esforços das forças reaccionárias que tudo fazem para contrariar esse evolucionismo. O espaço económico do Estado é, em muitos aspectos, uma versão caricatural do próprio capitalismo privado, onde vigoram as categorias chave do capitalismo como o assalariamento, o comando hierárquico, mas sem que outras forças mais convencionais, como o mercado, e a compulsão de valorização, nele operem com tanta evidência. Contudo, para os marxistas o espaço económico do Estado é disputável pela luta de classes e no seu seio pode ser empunhada a bandeira da remodelação das relações de produção, apontada a uma nova economia de produtores livres associados, mesmo antes de se ter operado uma mudança revolucionária global. Neste modelo, o evolucionismo económico, na sua acepção darwinista, exige a luta e a disputa infatigável em torno de objectivos intermédios que necessariamente implicam as coligações e os compromissos conjunturais. Não para contrariar a revolução, mas para chegar a ela com maior eficácia.

Depois da implosão da URSS, porventura com mais força, sucedem-se as experiências de participação comunista e de esquerda em soluções de governo, nacional ou regional, sem que isso tenha até agora merecido reflexão e debate entre os comunistas. Experiências tão diversas como o governo brasileiro ou o Sul-Africano, mas igualmente a participação comunista em maiorias de governo na Suécia, na Finlândia, no land de Berlim, no governo da Catalunha, e o caso talvez mais emblemático, a maioria de governo em Itália. Em todas estas experiências se condensa um experimentalismo político que carece de avaliação.

É visível no nosso país, que as diversas forças de esquerda se posicionam tacitamente neste debate de forma contraditória como se pode constatar no processo de formação de uma maioria na Câmara Municipal de Lisboa. Também aqui há os que apostam em meter o pé, em procurar ao máximo assumir responsabilidades de governo, e desejam gerar condições e credibilidade para novas soluções políticas, à procura de as multiplicar noutras câmaras e, quem sabe, chegar a formar uma nova solução de governo e uma nova política. Outros, recusam assumir compromissos, apesar da ausência de divergência programática relevante para a cidade, a pretexto de procurarem primeiro reverter a maioria absoluta do PS no governo. Apostam concentradamente no derrube do governo de Sócrates o sentido da acção, sem concessões a entendimentos em assuntos supostamente marginais que apenas dispersariam energias. Sacrificando a essa linha geral os interesses e expectativas imediatas dos Lisboetas.

Com o objectivo de lançarmos esta discussão pedimos depoimentos a 3 personalidades da esquerda para se pronunciarem: Luís Fazenda, Carlos Luís Figueira e Domingos Lopes.

Leia as respostas de Luís Fazenda na secção entrevista

Leia as respostas de Carlos Luís Figueira na secção entrevista