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28 DE NOVEMBRO DE 2007, QUARTA-FEIRA
Entrevista com Art Perlo, responsável da Comissão Económica do Partido Comunista dos Estados Unidos
A Crise Hipotecária e a Economia
"A crise da habitação e a situação económica geral no país é quase um caso clássico do que Marx descreveu como crise de super-produção. Marx disse, “A razão última para todas as crises continua a ser a pobreza e a retracção do consumo das massas”, em oposição ao impulso da produção capitalista para desenvolver as forças produtivas como se a capacidade consumidora da sociedade constituísse o seu limite."
Political Affairs Magazine

Nota do Editor: Art Perlo dirige a comissão económica do Partido Comunista dos EUA.

PA: Podes descrever resumidamente algumas das causas estruturais da actual crise hipotecária imobiliária?

Art Perlo: Há duas causas básicas, interrelacionadas: empréstimos/hipotecas com baixa garantia de cumprimento e a bolha sem precedentes nos preços da habitação. Os empréstimos de baixa garantia têm reunido os favores das caixas da grande imprensa. Estes créditos foram uma grande invenção da comunidade financeira, que permitiu às pessoas comprar casas por preços que não podiam pagar. Fizeram-no introduzindo pagamentos iniciais mensais baixos, e após um período de tempo, normalmente dois anos, os pagamentos subiriam. Assim, alguém podia comprar uma casa onde os pagamentos iniciais seriam de por exemplo 1000 € por mês, que estavam no limite da capacidade de cumprimento, e depois, ao fim de dois anos, os pagamentos seriam actualizados da noite para o dia para cerca de 1800 € por mês.

A outra causa da crise, que está estreitamente relacionada, foi a bolha nos preços da habitação. As pessoas não só ficaram atoladas com hipotecas sobre as casas que não podiam pagar, mas ficaram com hipotecas que valiam mais do que o valor realista das casas. Nos últimos 10 anos, os preços das casas subiram 70 % mais depressa do que a inflação, o que criou 8 triliões de dollars de excedente de riqueza em papael dinheiro. O que isto significa é que as pessoas pagavam bastante mais pelas casas do que elas valiam. No último ano, esta bolha bateu numa parede e estoirou. Todas estas hipotecas de baixa garantia foram aumentadas, e as pessoas deixaram de as poder pagar. À medida que as casas eram encerradas, os preços da habitação subiam tão alto que as pessoas deixaram de as pagar. Construtores e vendedores, que ganhavam com os preços altos, continuaram a actuar como se não houvesse um dia seguinte, até o número das casas não vendidas aumentar para dois milhões em 2001 até mais de 4 milhões de casas não vendidas hoje em dia. Teve de haver tantas casas não vendidas no Mercado que se tornou impossível manter os preços altos. De repente, as pessoas ficaram atoladas com dívidas de hipotecas enormes. Podiam dever 250 mil € por uma casa e se a tentassem vender - se chegassem a conseguir vendê-la – apenas conseguiam realizar 150 mil € ou mesmo 100 mil € por ela. Agora têm dívidas sobre a casa muito maiores do que a casa vale.

PA: Quem são as pessoas que estão a ser mais negativamente afectadas pela crise?



AP: As pessoas mais directamente afectadas, são em primeiro lugar pelo menos 2 milhões de famílias que perderam ou vão perder as suas casas, número que pode facilmente chegar a 3 ou 4 milhões de famílias antes de isto acabar. Depois há os milhões que trabalham em dois ou três empregos e sacrificam os seus cuidados de saúde, a educação dos seus filhos, até a sua alimentação, num esforço para assegurar as suas casas. Há pelo menos 100,000 trabalhadores que perderam os seus empregos na construção, nos equipamentos para construção, na actividade de compra e venda de propriedades e no sector financeiro das hipotecas, e os cortes nos empregos só agora começaram a rolar. Haverá provavelmente milhões de empregos perdidos. Alguns governos locais e estaduais enfrentam já défices orçamentais por causa de receitas fiscais inferiors ao previsto. Há ainda uma desacelaração alargada na economia, mas estes são os efeitos resumidos naqueles que saiem mais afectados da crise.

PA: Como avalias a oportunidade da resposta de Bush à crise e o seu conteúdo?

AP: A minha impressão, embora não tenha estudado a sua proposta em detalhe, é que ele propõe fazer 100,000 ou 200,000 propietérios de casas elegíveis para concorrer a hipotecas suportadas pelo governo federal. Significa isto que ele está a oferecer algum alívio a um décimo dos propietários de casas afectados pela crise. E que o grosso do apoio vai para suportar os devedores que fizeram maus empréstimos em primeiro lugar. Os investidores terão o valor completo do empréstimo pago por eles, mesmo que o mercado dos empréstimos não valha o seu quantitativo completo.

PA: Quais são as soluções imediatas para ajudar as pessoas a conseguirem evitar perder as suas casas?

AP: Nacionalmente, eu penso que temos de reconhecer que há milhões de casas que estão sobre-avaliadas e que os propietários devem mais do que as casas valem, e muito mais do que podem pagar. São literalmente triliões de dollars de riqueza, riqueza que agora se provou ser imaginária, e que terão de ser apagados. Esta correcção tem de ser planeada, de forma organizada, e à custa dos credores e das instituições financeiras, não à custa dos propietários de casas. Isso significa que as hipotecas devem ser comercializadas num valor mais baixo, mais realista que o devedor possa pagar. Por exemplo, se uma família tem um rendimento de cerca de $50,000 por ano, eles poderão realisticamente pagar uma hipoteca de cerca de $180,000,com pagamentos mensais de $1,100. Se uma instituição de crédito lhes emprestou $350,000 para comprar uma casa sobre-avaliada, eles tentam agora pagar mais de $2,200 por mês. Eles não podem suportar esse encargo. O banqueiro hipotecário nunca deveria ter feito o empréstimo, e deverá portanto o banqueiro a suportar as consequências da sua má decisão.

É importante organizar ao nível local e comunitário. Isto está já a ser feito ao nível de algumas comunidades em todo o país, quer pelas organizações comunitárias quer pelos governos locais. O primeiro passo é alcançar e encontrar as famílias que estão em perigo de perder as suas casas. Deverão haver audições públicas. Tem de ser reconhecido que isto é um problema da comunidade, que isto não são apenas desastres individuais que cada família tem de enfrentar isoladamente. É possível negociar com os credores melhorias nos termos de pagamento, mas isto sera mais eficaz se for feito tão cedo quanto possível e com o apoio de um grupo organizado. Não há fórmula simples que funcione em todas as comunidades.

Em termos de quadro económico alargado, a crise da habitação parece tornar-se no disparo de uma crise financeira mais geral e provavelmente numa recessão.

PA: Como relacionas este quadro de crise que apresentaste com o sistema capitalista em si?



AP: A crise da habitação e a situação económica geral no país é quase um caso clássico do que Marx descreveu como crise de super-produção. Marx disse, “A razão última para todas as crises continua a ser a pobreza e a retracção do consumo das massas”, em oposição ao impulso da produção capitalista para desenvolver as forças produtivas como se a capacidade consumidora da sociedade constituísse o seu limite.


Isto significa que, no seu impulso para o lucro, o capitalista expande a sua produção sem ter em conta os limites. Faz isso com a sua mão direita. Mas com a sua mão esquerda e também pelo seu impulso á geração de lucros, faz tudo para manter os salários baixos e manter baixa a capacidade de consumo do trabalhador. Produzem assim cada vez mais, mas os trabalhadores só conseguem pagar o que produzem.

A crise económica tem sido adiada desde 2001 preenchendo o hiato com o recurso aos empréstimos. As famílias dos trabalhadores endividaram-se cada vez mais e agora a crise da habitação bateu forte, as pessoas não podem pedir mais dinheiro emprestado dando por garantia as suas casas. Não só temos uma super-produção de casas – falei de 4 milhões de casas não vendidas que as pessoas não conseguem comprar – mas calcula-se em $400 a $900 biliões anuais de poder de compra a ser perdido pelos consumidores, considerando apenas que não vão poder continuar a pedir emprestado com a garantia das suas casas. E assim haverá o perigo real da economia escorregar para uma recessão marcada e prolongada, porque as pessoas vão deixar de conseguir comprar o que precisam.

Eu não tenho um roteiro para como deve o socialismo funcionar. Mas o socialismo é um sistema racional onde a economia é detida e dirigida pelos trabalhadores para seu próprio benefício. O objectivo é preencher as necessidades do povo, e não fazer em primeiro lugar lucros. Como é que isso se aplica ao problema da habitação? Se olharmos para a questão da habitação de maneira global, não é só uma questão de quantas mais casas são construídas e de quanto custam. É também uma questão de onde são construídas e em que condições. E isto liga-se com as questões ambientais.

Uma sociedade socialista olhará para o problema da habitação de forma holística. Por um lado, evitar-se-ão as bolhas. It would be able to look at the demographics and say, over the next 20 years we are going to need this many new units, and we are going to need to refurbish this many apartments. You’d build housing at a steady rate and employ a steady number of workers, and you would not have huge booms and busts, which disrupt the lives of millions of people. On the other side, you would you say, okay this is where the population is. This is where economic development is planned. This is how we can integrate the need for more housing with environmental concerns and with energy efficiency.

O socialismo, como sistema, nem sempre cria a s boas respostas, mas cria as possibilidades para as boas respostas, porque as pessoas, actuando por órgãos eleitos e através das organizações de massas, podem planear e determinar o que precisam.

--Art Perlo preside à Comissão de Economia do Partido Comunista dos Estados Unidos. Envie as suas cartas ao editor para pa-letters@politicalaffairs.net