
04 DE FEVEREIRO DE 2007, DOMINGO
por Eduardo Marques
Questões sobre (Planeamento e ) Orçamento Participativo
Basicamente a proposta de Planeamento e Orçamentação Participativo, procura uma forma de governação e organização da gestão do espaço urbano coerente e democrática.
Aprender fazendo
Basicamente a proposta de Planeamento e Orçamentação Participativo, procura uma forma de governação e organização da gestão do espaço urbano coerente e democrática. Para que tal possa ocorrer, é necessário que os participantes tenham o hábito, ou ao menos queiram adquiri-lo, de planear e reflectir sobre as suas actividades. Igualmente que estejam familiarizados com as questões de orçamentação, e à vontade com as questões de distribuição de recursos limitados por várias áreas, que há que ordenar e priorizar, segundo critérios acordados previamente. É ainda necessário que se tenham ultrapassado as dificuldades de definição de medidas de avaliação da actividade e previsto o modo de correcção de desvios e incapacidades de realização.
Uma realidade feita de desigualdades
Claro que temos a dificuldade duma legislação autárquica anquilosada e incapaz de se adaptar à s mudanças e evoluções do tecido urbano, traduzindo-se na existência a par, tanto de freguesias com escassas centenas de eleitores (340 habs) como com dezenas de milhar (46mil), acentuando mesmo a este nÃvel as profundas desigualdades na sociedade portuguesa, que urge enfrentar e corrigir. Na cidade de Lisboa, temos uma média de dez mil habitantes de freguesia, apesar de a nÃvel nacional termos uma média de somente 3 mil. Em área, temos uma média por freguesia de 150hct, excluindo os 850hct do Parque Florestal de Monsanto, mas também aqui com gritantes desigualdades, que também urge enfrentar e corrigir, pois encontramos tanto freguesias de 5hct no centro como de 1000hct na periferia.
Começar com vizinhos e fregueses, o nÃvel mais simples
A aprendizagem do planeamento adquire-se a partir de prática de discussão e definição de acções colectivas entre vizinhos e familiares, facilitadas por um urbanismo convivial, propiciador de encontros e de organização das actividades da vida diária à volta duma centralidade.
Temos assim um primeiro espaço formal, conquistado com o 25 de Abril, o das freguesias, que deveriam ser núcleos geo-demográficos, coerentes com identidade, e onde o primeiro nÃvel de Plano e Orçamento Participativo tem de ocorrer, mesmo que só numa área temática ou pelouro.
Quem tem certezas, não gosta de discutir
Sendo uma metodologia participativa, interessa reflectir, a que tipo de pessoas as metodologias participativas interessam, e por outro lado a quem elas não atraem, para sabermos onde não vale a pena investir, ou quem as pode perturbar.
A todo aquele que gosta mais de fazer do que planear, ao que tem certezas e está empenhado num projecto de que aceita as definições e orientações dadas por outrem, é claro que participar em debates é uma perda de tempo. Além disso na sua aceitação incondicional, acha que todas as questões e dúvidas só ocorrem em quem está contra o projecto, estando pronto para afastar todo aquele que as levante. Mas este género de pessoas, activas e submissas não abunda, representando até 10% duma população, dispersos por vários projectos, são os activistas e militantes de múltiplas organizações, os ditos “sim-sinsâ€. Claro que estes não pondo questões, não apontam os aspectos frágeis dum projecto e não lhe acrescentam inovações, que acham desnecessárias, logo têm uma prática conservadora e rotineira, são tecnocratas que entravam ou arrefecem um processo de inovação social, mas claro que importantes para quem quer ter um grande controle duma organização,chegando estes a tornar-se insubstÃtuiveis na sua abnegada dedicação.
Quem só gosta de receber, não dá para debates
Por outro lado existe uma maioria que se preocupa mais com os seus interesses pessoais dos que os colectivos, que não “tem tempo†para discutir, ler, pensar noutros assuntos que não os seus. Estes são uns 60% duma população, que no entanto varia de acordo com as circunstâncias. Se ameaçado pode reagir, mas só no caso de perceber existir uma alternativa com possibilidade de vitória, de contrário prefere submeter-se e fechar-se, em ambiente de tranquilidade. Por outro lado, deixa que outros se preocupem com o interesse geral e portanto com o seu. É a egoÃsta, “maioria silenciosaâ€, a que já Aristóteles apodava de “escravos por natureza†e claro que só pontualmente aparecem a participar, caso sintam estarem em causa os seus interesses. Procura aperceber-se do ambiente geral “por alto†em conversas de vizinhos e amigos, sem grande investimento, e esta é a única forma de os mobilizar. Procurando a estabilidade, a previsibilidade e a consequente formalidade, reage sobretudo contra a sensação de “jogos de bastidoresâ€, de “golpadas†e tudo o que possa alterar o seu “status quo†de forma a que perca o controlo e possa ser prejudicado. Sendo o grande grupo passivo, varia de 40% a 80% e são as circunstâncias que determinam o seu envolvimento pontual em fases “quentesâ€, ou com possibilidade de melhorar nos seus interesses (caso de revoluções favoráveis ou com promessas de melhoria de condições de vida), mas é uma grupo com que não se pode contar de forma continuada.
O cidadão de oiro e a clareza dum futuro
Assim os métodos participativos, podem contar com 30% a 50% duma população, envolvendo os activos, e mais criativos, com dúvidas ou visões diversas e são a população de “oiro†duma prática cidadã. Caso consigam manter uma visão bastante coerente de mudança, segura e tranquila, conseguem a anuência da “ maioria silenciosa†e têm por si uma parte importante dos activistas. Caso não consigam um consenso e um plano coerente e claro, e sobretudo, caso deixem desenvolver-se entre si, ambientes agitados e conflituosos, afastam os “tranquilos†da “maioria silenciosa†que se viram para todo aquele que lhes consiga cantar a mais bonita e populista “canção de embalarâ€. Será portanto o objectivo e estratégia destes populistas, acentuar a diferenças e conflitos, reforçar os contra-argumentos e aumentar toda a confusão, de modo a impedir de se dar uma visão clara e de consenso aos observadores passivos. Claro que neste caso as votações da população total, incluindo os participantes e os passivos, pode ter um resultado muito diferente do esperado na reuniões.
Importância dos Media e do Imaginário Épico
Assim é o ambiente geral, dos meios de comunicação, a criação de imaginários ou campanhas simbólicas poderosas, com uma definição clara e segura do modo de concretização dum projecto em beneficio de todos, que arrasta esta maioria não participativa, e acaba por determinar os resultados duma votação.
Mas na medida em que esta maioria passiva, está atenta e dá mais atenção ao que vê à sua volta, do que crédito aos média, caso se consiga uma forte mobilização local e meios alternativos de circulação de informação, sobretudo de pessoa a pessoa, consegue-se a sua aderência. Assim será o trabalho local que pode debilitar e esvaziar as grandes campanhas mediáticas, sobretudo se for sólido e sustentado e apresentado com clareza e transparência. Este trabalho sensÃvel e empático de captação, nunca pode ser feito por aqueles empenhados, dogmáticos que só têm certezas e sobretudo aceitam ou concebem com pragmatismo, procedimentos “pouco formaisâ€, “a bem da causaâ€. É o rigor e o desenvolvimento procedimental, que pode agregar minorias e diversidades, porque não excluÃdas, e que podem criar o ambiente de grande consenso, força, segurança e tranquilidade na mudança, que decidem afinal uma eleição.
Comida feita, companhia desfeita
Claro que sempre que estiverem em causa populações vitimas de grandes desigualdades e injustiças, com pobreza e exclusão, será fácil obter a aderência desta maioria egoÃsta, mas que assim sejam satisfeitas as suas expectativas, estarão prontas a afastar-se para saborear as conquistas, caso no processo não sejam introduzidos factores culturais e de dinâmica social que possam manter e desenvolver o seu discurso e práticas solidárias.
Criar cultura no processo solidário de aprendizagem
Assim nestes processo participativos, temos de ter dois objectivos, por um lado conseguir espaços e disseminar projectos em rede, onde se possam multiplicar as experiências para uma transformação cultural com maior consciência sócio-politica e consequentes práticas redistributivas, que por sua vez arrastem a maioria passiva para posições mais abertas e aderentes a um modificação possÃvel e tranquila, mesmo que limitada, das condições de vida.
É na prática que se revelam os lados perversos do sistema
Por outro lado, esse trabalho, permite ir revelando as resistência e limitações do sistema, ou mesmo sua intolerância a uma real transformação solidária da sociedade e das estruturas de governação, expondo e tornando assim inaceitável o sistema que gera um tal grau de submissão e exploração. Estes circuitos de informação, comunicação e experimentação alternativos, têm no entanto de ir procurando uma clareza, segurança e tranquilidade de apresentação, que possa não afastar as camadas mais passivas, egoÃstas, cautelosas ou temerosas de mudanças, mas pelo contrário têm de demonstrar as vantagens de se ir alargando e ganhando força económica.
O paciente processo de maturação e empoderamento
Assim podemos ver que no Brasil, foi o longo e pouco visÃvel trabalho de alfabetização politica e organização associativa, iniciado logo nos anos 60, por humildes militantes “mestre-escolaâ€, junto das camadas mais marginalizadas, sob a designação de “método Paulo freireâ€, que permitiu quando o contexto geral se tornou favorável a uma mudança, experimentar e conseguir com sucesso as formas de governação participativa.
Foi assim um método fruto das pedagogias sócio-culturais libertárias de valorização da cidadania, com uma componente cristã de rejeição da violência e conflituosidade, que ao valorizar e empoderar as camadas pobres e excluÃdas da população, na construção de estruturas organizativas de auto-ajuda, em ambientes plenos de convivialidade e trabalho local, que permitiu um lento acumular de capacidades e saberes fazer, abrindo-lhes o caminho dum envolvimento participativo na gestão do espaço público.
Falemos de mangas arregaçadas
Assim no Planeamento e Orçamento Participativo como processo democrático e linear, o fundamental é iniciar as experimentações e os processos de base, que possam ir concretizando o sonho e amadurecer a vontade, numa forma de governação aberta e inclusiva, com claro objectivo solidário e de lealdade para com os mais carenciados. Podemos conseguir que todos vejam que a metodologia participativa é um processo de planeamento integrado e coerente, que investindo prioritariamente na elevação do nÃvel de vida dos mais desfavorecidos, beneficia igualmente todas as camadas sociais com melhores condições de vida. De facto, a redução das desigualdades e injustiças, e um planeamento urbano em atenção aos que o habitam, é o factor determinante de desenvolvimento económico e duma visão de futuro positiva e comum.
Depois temos a questão do planeamento
Ora esta metodologia é sobretudo uma cultura de planeamento, que inclui a definição dos objectivos e passos a dar, dos aliados e recursos, e finalmente a procura duma avaliação baseada em critérios. Aqui a prática do proposto na Agenda 21 Local, pode permitir a partir de qualquer nÃvel de autarquia, o hábito de discussão e avaliação de planos e sua execução, assim como os problemas postos com a definição de critérios de avaliação. Antes de chegar ao nÃvel de formalismo duma instituição estatal, isto tem de ser praticado em cada associação. Mesmo a partir da definição das actividades em grupos informais, quebrando com o imediatismo e a improvisação, que implica uma “perda de tempoâ€, mas que é um investimento, sem o qual o crescimento para um nÃvel superior de complexidade, de forma consistente, não é possÃvel. De certa maneira, temos de nos tornar menos ambiciosos no imediato, e ganhar confiança e paciência para uma intervenção mediada, por várias fazes de preparação, que parte duma visão do tempo mais linear e racional e não tão centrado no aqui e agora mediático.
E agora vamos às contas
Mas essencialmente a questão do Orçamento Participado, parte da desmistificação das questões da contabilidade, que permite a cada um abordar este tema. Viveremos numa cultura aristocrática e assimétrica, onde todos têm uma filia pela cultura dominante, de libertação dos constrangimentos económicos, manifesta no pudor de abordar as questões económicas, deixadas aos técnicos e circuitos iniciados. Custa-nos despir em público a nossa real e natural necessidade de recursos económicos para fazer face ao dia-a-dia, todos no fundo gostando de nos mostrar superior a esses assuntos, como só o pode fazer quem nada desde o berço em incontáveis cestos de ouro, desvalorizados pela abundância, e resultantes de investimentos à “tio Patinhas†de gerações anteriores. Será um certo “sÃndrome sobrinhos Donaldâ€.
Claro que a proximidade e a necessidade, naturais em quem vive num pais e num mundo à beira da ruptura e pressionados por desigualdades marcantes, perturbam o afastamento necessário, a qualquer análise mais neutra e distante, donde os temas económicos se rodeiam dum tom tenso e emotivo, que se torna penoso ou agressivo com facilidade, mas aqui igualmente é pela prática pouco ambiciosa de calculo de orçamentos e avaliação das dificuldades de concretização ou mobilização de recursos, que podemos dar os passos necessários para controlar os conhecimentos e mecanismos de análise dos orçamentos autárquicos, ou mesmo só dum pelouro numa pequena freguesia.
Que cada um conheça a realidade com dados concretos
Que todos saibam os valores do orçamento de Freguesia, da Autarquia, das Empresas Municipais e do Governo.
Que todos saibam a divisão entre despesas e receitas, correntes e de capital.
Afinal que todos saibam os recursos disponÃveis e o que existe para investir, quais os gastos com pessoal e de manutenção de estruturas e equipamentos.