24 DE FEVEREIRO DE 2008, DOMINGO
O Neoliberalismo acabou! (ou nunca existiu verdadeiramente)
por Paulo Fidalgo
O austero Finantial Times de 23 de Fevereiro de 2008, acolhe em comentário aquilo que se pode apelidar de manifesto para o novo modelo em desenvolvimento perante a bancarrota do anterior
(lei aqui o artigo do FT). O articulista do FT chama à atenção do que agora deverá ser a intervenção dos governos e dos seus fundos “de soberania” para reforçarem a estabilidade económica e competirem em melhores condições na arena internacional.
Então não é o neoliberalismo a doutrina onde a livre concorrência, a competição sem entraves, deveriam supostamente regular o comportamento económico dos agentes? Se alguém joga na bolsa e perde, não sofre aí uma mais do que justa punição? Se alguém empresta dinheiro sem adequada garantia de retorno, não é uma forma de o mercado e a sociedade descartarem uma actividade e um activista incompetentes, que não merecem sobreviver? Se os bancos entram em crise de liquidez então não deverão arder no seu crepúsculo perante o Estado e a sociedade dada a sua óbvia inépcia? Como poderá então um gestor do capitalismo justificar os seus agora lancinantes pedidos de ajuda?
O pêndulo tem de facto oscilado no capitalismo entre a moda liberal e a moda intervencionista. É bom não esquecer que o capitalismo nos alvores das I e II Guerras Mundiais se tinha tornado num edifício onde negócios monopolistas privados se fundiram abertamente com os governos e a política de Estado, condicionando de resto toda a actividade económica e o cerceamento da livre-empresa.
Depois da era iniciada por Milton Friedman e Ronal Reagan, parecia o neoliberalismo tornar-se largamente dominante. Não só na condução prática dos governos mas sobretudo como arma ideológica de combate a todas as formas de organização social e estatal da economia, obviamente focado este discurso contra aquelas formações estatais que em décadas anteriores pareciam destinadas apenas ao prejuízo, porém indispensáveis à boa operação do capitalismo. A verdade é que o desenvolvimento das forças produtivas trouxeram subitamente uma enorme oportunidade de negócio em várias dessas formações. É que ninguém discordará que a saúde e o ensino e a própria segurança social, se tornaram hoje em dia um campo previlegiado de negócio com espectativa de remuneração elevada quanto aos investimentos, desde que sejam privatizados e adiram à esfera da economia mercantil. Se a oportunidade de novos negócios se perfilaram no horizonte de uma economia antes predominantemente industrial que melhor embrulho teórico, doutrinário e ideológico, do que o argumento liberal para enquadrar a operação privatizadora? As privatizações foram sem dúvida uma motivação para potenciar o argumento liberal, mas igualmente o foi a premente necessidade de navegação transnacional do capital, desejoso de ver eliminadas barreiras ao seu tropismo para as regiões e sectores de lucro máximo. Se bem que, como não podia deixar de ser, essa navegação devesse decorrer num ambiente de segurança através da coerção para que os negócios transnacionais operem com a máxima redução de riscos, face a agentes recalcitrantes ou governos pouco dados a cumprir com as “regras da comunidade internacional”, aplicadas de resto por fortíssimas coligações militares com os EUA em completa dominância. Havia pois desde logo uma agenda bem intervencionista por detrás dos cânticos desreguladores dos epígonos liberais.
A especulação avançou, as operações de risco financeiro elevado aumentaram , o poder de compra das massas de trabalhadores regrediu e, como sempre nos ensinou o velho “homem das barbas”, lá veio a crise agora peculiarmente expressa na incapacidade de sustentar o serviço da dívida das famílias e dos agentes particulares. A borrasca é de grande alcançe, alguns mesmo afirmam que não fossem os diversos dispositivos de intervenção hoje presentes na economia dos diversos países e das instituições de regulação transnacional do capitalismo e estaríamos num caos pior do que a tragédia da grande depressão de 1929. Então que fará um pragmático gestor do capitalismo antes fiel seguidor da cantata liberal? Torna-se num aberto defensor da intervenção estatal. Pragmático é aqui uma expressão bem lisonjeira para o tipo de brusca alteração de discurso que tais gestores impudicamente vêm adoptando.
O austero Finantial Times de 23 de Fevereiro de 2008, acolhe em comentário aquilo que se pode apelidar de manifesto para o novo modelo em desenvolvimento perante a bancarrota do anterior. O articulista do FT chama à atenção do que agora deverá ser a intervenção dos governos e dos seus fundos “de soberania” para reforçarem a estabilidade económica e competirem em melhores condições na arena internacional.
Trata-se portanto de vestir agora uma nova casaca, virando aliás do avesso a casaca anterior.
Porém, no momento presente de crescente mobilização popular e eleitoral - veja-se como hoje prolifera a luta social em países como a Alemanha, a França, a Itália e Portugal, e veja-se como é poderoso o impacto eleitoral de candidaturas de pendor democrático como nos EUA, para não mencionar o aberto “neomercantilismo” das novas democracias sul-americanas- para perceber que a maior ou menor “nacionalização” das questões da economia, poderá trazer para cima dos ombros do inquieto capitalista o espectro da economia ficar afinal sujeita ao jogo da própria democracia, um perigo para o capitalismo é certo, mas um efectivo tributo a Thomas Jefferson, um dos pais fundadores da mais antiga das Repúblicas.
Para o movimento comunista as grandes crises do capitalismo trazem consigo um rol de sofrimento e desespero aos trabalhadores que importa procurar decididamente um remédio alternativo para escapar aos seus efeitos nefastos. Os comunistas encaram não apenas no seu programa a mera quarentena estatal ou intervencionista do Estado para que o tempo ou qualquer intervenção sobrenatural reponha o capitalismo em marcha, mas procuram ganhar pelo contrário a sociedade para a ideia de que uma economia alternativa, nova, é o caminho para não só remediar o mal e a caramunha que os capitalistas andaram a fazer mas para livrar a economia do próprio espectro das crises e relançar efectivamente a expansão económica, a favor de todos.
Na edificação de um tal programa, importa nesta altura fazer o balanço do que tem sido o programa comunista para superar o capitalismo e promover a transformação económica, curiosamente também ele um programa de intervenção estatal predominante. Tanto mais que a visão estatista que ainda hoje predomina à esquerda no elenco de saídas, tarda a em vingar e sobretudo porque as economias de elevadíssima intervenção como a URSS, fracassaram no seu propósito de expandir a economia para além de êxitos iniciais. Quando colocamos em cima da mesa o método dialéctico, importa perguntar como o faria qualquer cientista honestamente à procura de uma resposta, se a aposta intervencionsita e estatista da esquerda não constituiu ou constitui apenas e tão-só um remédio porventura mais extremo para uma dada economia capitalista sarar as suas fridas e produzir mais à frente as condições para a retoma capitalista em velocidade de cruzeiro. Se podemos ou não pensar que o estatismo, qualquer que ela seja, promovido por agentes capitalistas, social-democratas ou bem intencionados comunistas, não é apenas a forma de o capitalismo digerir as suas crises e renascer qual fenix. Importa hoje debater portanto os cenários para uma nova política, e porventura refinar o programa da alternativa de modo a gerar uma saída mais robusta à reorganização capitalista da economia, e geradora portanto de maior impulso de transformação e socialismo.
nota: Neo mercantilismo é uma doutrina em que o Estado desempenha um papel fulcral na dinamização económica, protecção das actividades produtivas nacionais e na oposição às importações através de barreiras alfandegárias dissuasoras. Em Portugal, foram representantes máximos desta corrente o Conde da Ericeira e o Marquês de Pombal.