
23 DE SETEMBRO DE 2007, DOMINGO
Entrevista a Carlos Luís Figueira
Acerca da Política de Unidade
O flagelo que significou a queda dos regimes ditos do socialismo no Leste Europeu, o fim de uma utopia que não chegou a ser, abalou profundamente os Partidos Comunistas, retirando-lhe credibilidade e sobretudo perspectivas para reconstruírem linhas políticas credíveis e mobilizadoras para uma nova sociedade em mudança a que se tinham de dirigir.
Comunistas.info: Achas que a participação de comunistas e da esquerda em coligações faz sentido em pleno capitalismo, e sem que primeiro se opere a grande transformação social, económica e política a que chamamos revolução?
Carlos Luís Figueira:Acho que faz todo o sentido. Foi essa aliás a politica do PCP como representante do único partido com objectivos transformadores na resistência e no combate à ditadura fascista durante mais de meio século. Concebendo, teorizando sempre, que não era contraditório um caminho de combate no qual tornasse possível agregar a maior presença num quadro de ampla unidade de todos quanto se opunham ao regime, (sacrificando em muitas circunstâncias, em benefício dessa unidade, a presença mais notória dos seus principais quadros e protagonistas em benefício da presença de outros) de uma linha politica autónoma, assente numa perspectiva revolucionária de transformação mais profunda das relações de produção e da sua correspondente no exercício do poder. Trata-se no fundo de compreender a natureza do momento, a correlação de forças em presença e a definição do objectivo essencial que no plano táctico urge alcançar.
Comunistas.info: Como comentas as diversas experiências em curso no mundo em que os comunistas e outras formações de esquerda participam em soluções de governo, na Europa e no Mundo?
Carlos Luís Figueira: Antes de mais o Mundo de hoje caracteriza-se por uma enorme diversidade. O flagelo que significou a queda dos regimes ditos do socialismo no Leste Europeu, o fim de uma utopia que não chegou a ser, abalou profundamente os Partidos Comunistas, retirando-lhe credibilidade e sobretudo perspectivas para reconstruírem linhas políticas credíveis e mobilizadoras para uma nova sociedade em mudança a que se tinham de dirigir. O que hoje mobiliza discussões e constituem preocupações centrais nos sectores de esquerda na Amarica Latina, no Extremo Oriente ou na Ásia, pouco tem a ver com as preocupações que ocupam o centro de debate na esquerda europeia. Os próprios partidos de raiz social-democrata apresentam igualmente essa diversidade. A tendência para confundir posições oportunistas, de resposta ao momento e ao que é fácil, sem uma perspectiva de futuro, galvanizadora, de transformação, de rotura, com posições ditas de esquerda é o mais frequente, sobretudo na Europa. O mediatismo tomou conta da vida politica, tornou-se cartilha para todas as formações politicas e a ele se sacrificam posições em muitas circunstâncias ditadas pelo oportunismo ditado pela obrigatória resposta ao momento. Por desprezo pelo aprofundamento da raiz dos problemas, por ignorância, pela confusão ou ausência de discernimento entre elementos tácticos e estratégicos, em suma, pelo reflexo também da desertificação da qualidade humana e da ausência da perspectiva transformadora. Vai durar décadas a recomposição.
As excepções encontram-se, e ainda bem que existem, em alguns agrupamentos e partidos de esquerda europeus que tendem a reajustar-se aos tempos de hoje, porque cedo compreenderam a necessidade de uma politica de unidade com outras forças que embora diferentes, com elas se pode afinal fazer algum caminho, recuperando forças e credibilidade politica. Neste contexto e embora tendo presente as profundas diferenças de desenvolvimento económica e social que marcam as sociedades é importante sublinhar o papel que continua a manter o PCdo B no Brasil em múltiplas alianças com o PT em Governos Federais e Locais, a experiência da recomposição partidária e politica dos comunistas da Alemanha oriental, a posição dos comunistas na Índia, ou na reconstrução de um País, de uma nova economia e de uma novo papel do Partido, nesse mítico País que é o Vietname, em contraponto com as novas expectativas ou desilusões que podem ocorrer no pós “ Castrismo “ nessa também mítica Cuba a última revolução popular e socialista do século XX.
Comunistas.info: Como aprecias a esta luz as peripécias na formação de uma vereação de coligação em Lisboa? E quais as implicações que a participação ou recusa poderão ter para as fases seguintes do processo político português, nomeadamente quanto à competição das legislativas daqui a dois anos?
Carlos Luís Figueira: Tenho uma opinião favorável, de princípio, ao acordo de coligação estabelecido entre a candidatura de Ricardo Sá Fernandes e a maioria socialista na Câmara de Lisboa. Porque mantendo-se os distanciamentos a que nos obrigam os valores que defendemos, só os podemos defender de uma melhor forma, se participarmos activamente nas decisões de poder. Percebo as criticas e contradições ( que não vale a pena ignorar ) que existem sobre esta matéria no interior do Bloco. Assim sendo, também mantenho a opinião que a própria candidatura de Sá Fernandes poderia ter tido um outro protagonismo na concretização de um acordo mais alargado, designadamente com a candidatura de Helena Roseta, ( já que o PCP numa posição isolacionista cedo se pôs de fora ) independentemente dos seu resultado final. Pela circunstância de proteger ( estamos a falar de táctica politica ) mais o acordo feito e também para abrir caminho para uma candidatura mais alargada à esquerda dentro de dois anos. O curto tempo deste mandato acentua dificuldades. A diluição ou o reforço da importância deste acordo dependerá, como para todos é evidente, do grau de autonomia e sobretudo da concretização do que foi aceite materializar em nome desse acordo. Tal significa, pelo menos duas coisas : ( i) centrar na execução do compromisso o fundamental das suas forças nestes dois anos ; ( ii) ter a capacidade para estar contra, quando é necessário, em nome dos princípios que sempre defendeu, sem que tal postura se possa confundir com uma atitude de obstáculo à gestão corrente da Câmara, porque é disso que estamos a falar, durante este período. Por último é fundamental, diria decisivo mesmo, que o vereador, o eleito, não perca, em função de dar despacho a um monte de papeis, o contacto que tem de manter com as pessoas, porque do que estamos a falar é fundamentalmente da execução de uma politica de proximidade.
carlos-figueira@clix.pt
2007-09-23