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06 DE JULHO DE 2015, SEGUNDA FEIRA
POR: Manuel Oliveira
Quem tem medo da democracia?
A força popular está a determinar a história com os ventos da Grécia. Manuel Oliveira discute neste artigo o processo grego e as suas virtudes.
Escrevi, logo após a primeira ronda de negociações entre o Governo grego e o Euro Grupo (onde se formou um bloco de dezoito países afinados pelo intransigente diapasão da Alemanha, e que deixou claro que iria “fazer a vida negra†ao recente eleito governo do Syriza), que muito mais do que as questões económicas e financeiras decorrentes do segundo programa de resgate, o que estava verdadeiramente em causa era uma questão eminentemente política e ideológica. De facto, face ao pouco relevo da Grécia na macroeconomia da U.E., à sua importância geoestratégica e à incerteza e instabilidade que provocaria a sua eventual saída da zona euro, só razões políticas e ideológicas podiam justificar tão alto nível de confrontação.

Confesso que na altura me interroguei se, influenciado pela minha costela marxista, não estaria a exagerar. Os quatro meses de rondas negociais que se seguiram confirmaram, infelizmente, o meu ponto de vista. De resto, como já o admitiram governantes do PSD português e do SPD alemão ao chamarem a atenção para a “natureza marxista†do Syriza. Usando e abusando do “argumento†de que as regras estabelecidas a todos obrigavam e teriam de ser respeitadas a qualquer custo (como se a sua aplicação não tivesse de ter em conta as condições objectivas e subjectivas existentes, e omitindo que por diversas vezes se abriram excepções que beneficiaram outros países, a começar justamente pela Alemanha!), mesmo que isso implicasse um ainda maior empobrecimento da Grécia e uma afronta à vontade dos gregos expressa democraticamente, então o objectivo das instituições europeias e do FMI passou a ser, claramente, o derrube do Governo grego.

Perante tal estratégia, de nada valeram as cedências que o Governo grego foi fazendo sucessivamente, ultrapassando mesmo as suas “linhas vermelhasâ€, pois nunca eram suficientes, já que o pretendido agora era a sua capitulação. O Governo grego não podia permitir tal humilhação. E num rasgo de lucidez política disse basta! E decidiu realizar de imediato um referendo, devolvendo a palavra ao povo para que, soberanamente, dissesse se aceitava as condições impostas pelas instituições europeias e pelo FMI ou se, pelo contrário, as rejeitava. Num primeiro momento e ainda surpreendidos, os representantes das instituições europeias e do FMI deram sinais de recuo tentando que o referendo fosse cancelado.

Depois, vendo a firmeza do Governo grego passaram à táctica da chantagem, imiscuindo-se sem qualquer pudor na campanha pelo SIM, e associando o NÃO à saída da Grécia da zona euro. O presidente “socialista†do Euro Grupo tem sido o maestro desta campanha.

O Governo grego, pelo contrário, apelando ao NÃO defende, como a maioria dos gregos, a continuidade da Grécia na zona euro. O que pretende com a vitória do NÃO é reforçar a sua legitimidade e o seu poder negocial, como bem se compreende. Se ganhar o SIM, o mais natural é o Governo demitir-se, já que ficaria politicamente fragilizado.

Porém, seja qual for o resultado, paradoxalmente, o Syriza ganha sempre. Se ganhar o NÃO, sai claramente reforçado e o Governo terá melhores condições para obter um acordo decente; se ganhar o SIM, as instituições europeias e o FMI ou revelam a sua duplicidade, ou impõem à Grécia um acordo que terá como consequência o reforço do Syriza nas próximas eleições; e, em última análise, ao devolver a palavra ao povo, tornando-o dono do seu destino, o Syriza está a dar um importante contributo para que a construção europeia se torne mais democrática.

Evidentemente, esta decisão do Governo grego tem custos elevados, em particular decorrentes de um inevitável controlo de capitais.

Como seria de esperar, o Governo PSD/CDS e os seus comentadores encartados dramatizam a situação, vertendo lágrimas de crocodilo ao verem os cidadãos gregos em filas para levantarem 60 euros por dia. Curiosamente, sempre fizeram “vista grossa†às longas filas que há vários anos se formam à porta dos centros de emprego ou à porta das cantinas que distribuem a “sopa dos pobresâ€! Mas já não seria de esperar a ambiguidade revelada pelo secretário geral do PS, António Costa, que entalado entre a retórica neoliberal de Francisco Assis e a retórica progressista de Manuel Alegre, vai dizendo banalidades para alimentar os telejornais da noite. E, santa hipocrisia, uns e outros, sempre de dedo em riste apontado ao “radicalismo†do Syriza, ao mesmo tempo sofrem de uma estranha amnésia que os impede de se lembrarem que foram o PASOK, a Nova Democracia e a defunta Troika os verdadeiros responsáveis pela desgraçada situação a que a Grécia chegou.
Lamentavelmente, os partidos socialistas e social-democratas no poder ou na oposição não estiveram à altura das circunstâncias, e não aproveitaram a oportunidade histórica que a eleição do Syriza representou para corrigir as erradas políticas de combate à crise e para implementar as reformas necessárias, tendo em vista resolver os actuais constrangimentos provocados pela moeda única, e reforçar a coesão e a solidariedade do projecto europeu. E uma vez mais escolheram o lado errado da barricada. É inacreditável como durante cinco meses de negociações os socialistas e os social-democratas em nada de substancial se distinguiram da direita, não manifestando, sequer, qualquer gesto de solidariedade consequente.
Mas tudo isto pesará no referendo do próximo domingo, na Grécia. E também nas eleições legislativas de Setembro ou Outubro próximo, em Portugal.

E só espero que depois de tantos anos de chumbo, o povo acorde. E eu possa dizer, finalmente, como o poeta de Abril: “ . . . quando o povo acorda, é sempre cedo!â€

Porto, 3/7/2015

Manuel Oliveira







 

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