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29 DE OUTUBRO DE 2011, SÁBADO
Paulo Fidalgo
Os Estados Unidos da Europa: quimera ou possibilidade?
“O senhor Dallara (representante da banca privada) aceitou – o perdão da dívida grega em 50% - nas horas madrugadouras de 27 de Outubro, em nome dos banqueiros que emprestaram dinheiro à Grécia na caução antes de Maio de 2010. Em linguagem de Hollywood, o directório europeu podia bem ter-lhe dito: “far-lhe-emos uma proposta que ele não pode recusar” (frase do mafioso no filme de Francis Ford Copolla “o Padrinho” quando ilustrava os seus métodos de chantagem)!” Yannis Varoufakis.
De facto, o que se passou no Conselho Europeu não foi um passo para o relançamento do projecto de unificação mas mais um episódio de substancial eurocepticismo por parte das precisas forças, burguesas, que tanto alimentaram loas à unificação sem no entanto estarem dispostas a montar um efectivo espaço de associação e solidariedade na perspectiva do desenvolvimento. Espaço com que mistificam há décadas afinal o sonho da humanidade em busca da sua natureza verdadeiramente universal, internacionalista. O que pontificou, ao fim e ao cabo, foi o oposto desse passo fundamental para futuro dos povos europeus e do mundo.


O que se passou então?

Os banqueiros foram confrontados com o seguinte dilema, por onde se confunde consentimento à chantagem com uma suposta liberdade de escolha: ou aceitavam voluntariamente um corte de 50% na dívida grega ou os líderes europeus davam luz verde ao governo grego para declarar o incumprimento de 100% da dívida. E mais tinham de aceitar voluntariamente o corte de 50% para que o ISDA (International Swaps and Derivatives Agency, a instituição que securiza empréstimos e os riscos do seu incumprimento) não accionasse o sistema de seguros numa cadeia de catastrófica de indemnizações que fariam tremer o mundo lançando-o na barbárie económica geral.

Os míopes líderes europeus continuam a não querer mexer no estatuto do Banco Central Europeu impedindo-o de cumprir um papel decisivo na superação da situação, reunindo com a sua credibilidade a vontade dos investidores e assumindo a baixo juro parte substancial da dívida soberana dos países em dificuldade. Continua a obstinação na recusa das euro-obrigações (euro-bonds assentes na rede de segurança do BCE) no que poderia configurar um salto no grau de unificação económica e política da UE, e no que é cada vez mais um imperativo que contraria o funcionamento do capitalismo convencional. A verdade é que o BCE pode emprestar por períodos muito alargados de tempo e a muito baixos juros aos países fora de qualquer lógica mercantil do chamado mercado secundário. O mercado secundário é o mercado onde detentores de meios emprestam ao chamado “juro de mercado”, o negócio predador que ameaça os países com a barbárie.

Evoluir para uma lógica de polo financeiro politicamente orientado, exposto portanto às incidências da luta política e da luta de classes, é algo que nem a direcção francesa ou alemã admitem considerar. Assim como a City de Londres nem quer ouvir falar do fim dos off shores, regulação dos hedge funds e das operações a descoberto em bolsa, o short selling e toda a gama de armas de destruição financeira maciça com que o projecto capitalista da Goldman Sachcs e outros agentes da mesma índole fustigam as presas, os países endividados e os trabalhadores atingidos pela recessão.

A utopia alemã e francesa nestes dias é a de querer que os banqueiros desistam de accionar os seguros do incumprimento grego e ao mesmo tempo invistam no futuro próximo em obrigações soberanas dos países com a securização do Fundo Europeu de Estabilidade (FEE). Isto apesar desta securização não estar de modo algum garantida porque o FEE não tem rede de segurança como têm os créditos americanos na Reserva Federal. Como será possível o financiamento aparecer no futuro se há toda a suspeita que não haja garantias de cobrar dívidas porque o dito FEE não assenta em nada de concreto ou sequer no BCE? É esta a pergunta legítima de Varoufakis o economista grego que mais tem denunciado a paralisia da liderança europeia e a sua alergia a fazer o projecto evoluir e aprofundar-se.

Aos países, aos povos, incluindo os mais desenvolvidos, é bem percebida a noção de que não há desenvolvimento nem relançamento sem dar um novo fôlego ao projecto europeu, ao lado dos valores da solidariedade e da coesão, ainda que se invista igualmente na disciplina orçamental e na recuperação das dívidas. O problema é que o que os povos querem é cada vez mais contrário ao encarniçado eurocepticismo das forças burguesas que hegemonizam, hoje mais do que nunca, a liderança da União Europeia. Para evoluir, a Europa precisa mesmo de romper com o status quo económico e isso é uma batalha de longo alcance social e popular.


Voltar a debater a consigna dos Estados Unidos da Europa

Se há discussão bem congelada nos baús do marxismo é a questão primordial acerca da consigna dos “Estados Unidos da Europa”, uma discussão ocorrida nos alvores do século XX, mas nunca realmente resolvida entre os marxistas e que dividiu as correntes revolucionárias e mesmo a direcção do partido Bolchevique. A verdade é que sem rediscutir o problema, os comunistas estarão sistematicamente sem capacidade ofensiva ideológica neste processo porque um passo efectivo político depende sempre de um grande esforço teórico a precedê-lo: “an ounce of action is worths a ton of theory” (F. Engels).

Resumidamente, o projecto internacionalista dos revolucionários do início do século XX colocava o problema da unificação como carecendo previamente da resolução revolucionária do problema do capitalismo. Sem revolução primeiro não haveria lugar a projectos de unificação, supranacionalidade e cosmopolitismo, de montagem de uma ordem supranacional.

Neste campo batalharam Lenine, Bukharine e Rosa de Luxemburgo. O seu argumento estava profundamente influenciado pela atmosfera de crise profunda do capitalismo e de prenúncio iminente de revolução internacional, fruto da 1ª Guerra Mundial e da crise económica. Havia portanto, compreensivelmente de investir tudo no derrube revolucionário da ordem capitalista para então pensar depois no sonho internacional. Outros, intuíram que os capitalistas, apesar das aparentemente irreversíveis querelas intercapitalistas da época, poderiam num passo rodopiante de dança subsequente empreender uma certa cartelização política supranacional e dar azo aos impulsos económicos integradores que derrubam barreiras aduaneiras e estimulam o crescimento do negócio.

Se a ideia mecânica de que se deveria primeiro fazer a revolução e a integração depois, acabou por não estar certa ao longo de todo este tempo, também é verdade que o caminho da integração e da montagem de uma ordem supranacional, designadamente na Europa, não pode ser abandonado exclusivamente ao tricot das forças capitalistas, afinal incapazes de dar cobertura aos impulsos integradores fora do cálculo dos seus egoísmos nacionais.

Isto é, a integração capitalista entra necessariamente em crise se não emergir um processo que conduza à tomada de consciência dos povos a favor de uma efectiva remodelação económica e política. O problema é que os comunistas ainda não estão hoje a pressionar essa necessária evolução mas não há alternativa que permita aos povos escapar à barbárie sem levantar bem alto a bandeira da coesão e da solidariedade.

Por cada hora que passa sem se tomarem as decisões pertinentes são cada vez mais gigantescos os riscos de confrontação aduaneira e de retrocesso político e económico com custos elevadíssimos para os trabalhadores. Mas é igualmente uma verdade que cada relutância ou travagem com que as cada vez mais eurocépticas forças burguesas nos fustigam maior é o espaço para a esquerda progredir. E espera-se que possa progredir já nas próximas eleições na Alemanha e na França.


 

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