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06 DE FEVEREIRO DE 2009, SEXTA FEIRA
FONTE: Público de 02/02/09
POR: André Freire
Os massacres de Gaza e as condições necessárias para a paz
"É preciso secundarizar a recusa do Hamas em reconhecer Israel e enfatizar a sua disponibilidade para tréguas", sublinha André Freire, num artigo que transcrevemos e que foi publicado no Público, no dia 2 de Fevereiro.

Os massacres de Gaza e as condições necessárias para a paz

Foi acordado um cessar-fogo em relação ao mais recente conflito israelo-palestiniano um dia antes da tomada de posse de Obama. A coincidência reforça a ideia de que a guerra terá tido não só o beneplácito da Administração cessante, mas também que terá sido precipitada pela mudança iminente na Casa Branca.
O rol de atrocidades associado à "mais violenta guerra dos últimos 40 anos" na região (Visão, 29/1/09), perpetradas fundamentalmente pelos israelitas, não permite dúvidas sobre a existência de massacres: o relatório preliminar da ONU acusa Israel de crimes de guerra.
Primeiro, invocando a necessidade de responder a ataques de rockets do Hamas, que punham em causa a segurança dos seus civis e que alegadamente teriam desencadeado a guerra (mas sabe-se que foi Israel que, em Novembro de 2008, iniciou as hostilidades ao liquidar vários dirigentes do Hamas), Israel lançou uma gigantesca ofensiva militar sobre a região do mundo mais densamente povoada. Dessa forma castigava também os civis, uma prática reiterada. Segundo, foram utilizadas bombas proibidas em zonas civis. Terceiro, em 22 dias, a guerra causou 1334 mortos, 5 mil feridos e 30 mil desalojados, esmagadoramente civis palestinianos.
Mas o problema central nem é de agora nem é apenas um problema humanitário. Pelo contrário, por um lado, as sucessivas atrocidades contra civis palestinianos (embora o reverso também seja verdadeiro, basta lembrar os ataques terroristas) são uma constante na história de Israel, logo desde a sua fundação com os acontecimentos associados à criação de um Estado judaico em 78 por cento do território da Palestina (em vez dos 56 por cento atribuídos pela ONU), quando os árabes representavam cerca de dois terços dos habitantes da região. A catástrofe árabe resultou de um extenso rol de atrocidades (Sumantra Bose, Contested Lands, Harvard University Press, 2007, pp. 237-239), que o professor da universidade de Haifa Ilan Pappé classifica de "limpeza étnica" e "crimes contra a humanidade", as quais originaram a fuga de cerca de cerca de metade da população palestiniana (720 mil refugiados). Em 1967, respondendo a uma ofensiva de Estados árabes que punha em causa a sua segurança e o seu abastecimento de água, Israel ocupou os restantes 22 por cento da Palestina (Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Este). Só em 2005 saiu de Gaza e, além disso, contrariando os acordos de paz, não só não desocupou a maior parte destes territórios como tem continuado com a construção de colonatos.
Para compreender o problema, nomeadamente o ressentimento palestiniano (e as significativas concessões feitas desde Oslo), é preciso relembrar aqueles dados. Mas é preciso também olhar para o futuro, nomeadamente agora que Obama veio abrir um novo horizonte de esperança para a pacificação da região. Na obra citada, Sumantra Bose aponta quatro condições necessárias para a resolução do conflito.
Primeiro, tendo em conta a assimetria de condições entre as duas partes, bem como o lastro de ressentimento e de atrocidades neste conflito (de ambas as partes), só com um "árbitro desapaixonado, justo e imparcial" será possível resolver o problema. Só se os EUA actuarem desta maneira (ou permitirem que uma terceira parte o faça) será possível uma solução justa e duradoura. Há razões para adoptarem essa via, porque, como sublinhava um alto dignitário americano, Dennis Ross, "a resolução do problema israelo-árabe" (...) "acabará com uma causa (de instabilidade e violência) que permanece mais evocativa do que qualquer outra na região e eliminará ou mitigará uma das maiores fontes de ressentimento (...) exploradas pelos radicais islâmicos."
Segundo, os passos a dar pelas partes, nomeadamente Israel, na direcção de uma solução de dois Estados tem que passar pelo reconhecimento inalienável dos direitos dos palestinianos, bem como do carácter "ilegal, moralmente errado e politicamente contraprodutivo" da ocupação israelita (após 1967). Pelo contrário, as movimentações do Estado judaico nessa direcção, nomeadamente com a saída de Gaza em 2005, têm sido "concessões relutantes" alicerçadas apenas na necessidade de proteger os seus cidadãos do terrorismo e preservar a sua maioria demográfica.
Terceiro, os EUA, Israel e a Fatah têm de reconhecer que "uma significativa e inclusiva unidade palestiniana" é necessária para uma paz justa e duradoura: é necessária a cooptação do Hamas (que, em "eleições livres e justas", ganhou em 2006 uma maioria absoluta de lugares no Parlamento palestiniano). Esta estratégia seria não só a mais democrática, mas também a mais produtiva. Bose recomenda, pelo contrário, que se secundarize a recusa (do Hamas) em reconhecer Israel, enfatizando antes a disponibilidade (sob determinadas condições) para "longas tréguas de 50 anos" e a necessidade de fortalecer os mais pragmáticos e moderados do movimento.
Quarto, ao contrário do que se passou em Oslo, as questões nucleares do conflito (o recuo para as fronteiras de 1967, o desmantelamento dos colonatos, a questão dos refugiados, o estatuto de Jerusalém, etc.) têm de ser negociadas logo de início. Muitas destas condições têm sido invocadas ao longo do tempo pelos mais diferentes intervenientes (por exemplo, nas presidenciais de 2007, Ségolène Royal defendia que se reatasse o financiamento da UE à autoridade palestiniana, interrompido como sanção ao Hamas por ter ganho as eleições, mas não reconhecer Israel); resta saber se haverá por parte dos EUA (e da Europa) vontade política para actuarem como árbitros "desapaixonados, justos e imparciais", em vez de penderem mais para o lado de Israel. A nomeação de Mitchell como enviado de Obama, bem como o provável afastamento de Blair de representante do Quarteto permitem alimentar alguma esperança. Mas, considerando o histórico, é preciso esperar para ver.

Politólogo (ISCTE) (andre.freire@meo.pt)





 

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