14 DE NOVEMBRO DE 2008, SEXTA FEIRA
POR: Fernando Almeida Sousa Marques
Missouri e Portugal; Alaska, Minnesota e Georgia; quem ganhou?
Leia mais esta impressionante crónica do estado da democracia americana do nosso amigo nos Estados Unidos, Fernando Almeida Sousa Marques.
Caros amigos,
1
Na noite das eleições costumamos ouvir os discursos de sempre.
Uns cumprimentam os vencedores, esquecendo os nomes que lhes chamaram.
Outros cumprimentam os vencidos e dizem-se representantes de todos.
Os mesmos todos que tecem loas à democracia.
Os jornalistas (quase todos) ajudam à festa.
E preparam-se para partir para outra porque esta já não tem "interesse jornalÃstico".
2
Dos cinquenta Estados Americanos só há 8 com mais população do que Portugal: California (mais de 36 milhões), Texas (>23), New York (>19), Florida (>18), Illinois e Pennsylvania (>12), Ohio (>11) e Michigan (>10).
Portugal seria, em número de habitantes, o nono Estado.
Agora imaginem que, passados nove dias das Eleições Presidenciais em Portugal, ainda não se soubesse quem era o futuro Presidente.
Aconteceu em 2000, entre Gore e Bush, no meio das trapalhadas das eleições na Florida.
Está a acontecer de novo, em 2008, no Estado de Missouri, onde ainda não se sabe quem ganhou!
Pelos vistos ninguém se incomoda. Não tem interesse jornalÃstico...
3
Missouri tem, segundo o último censo, 5 878 415 habitantes. Pouco mais de metade de Portugal. Como não estão contados todos os votos e há dúvidas nos que foram contados, não se sabe quem ganhou! Neste momento, McCain tem mais 4 990 votos do que Obama. Em pouco mais de 2 milhões e oitocentos mil votos contados...
Se isto se passasse em Portugal o que se diria!
Por aqui, aguarda-se a contagem e recontagem e o anúncio do vencedor...
4
O mais grave de tudo isto é que se provou, uma vez mais, que o sistema eleitoral americano não está preparado para resultados equilibrados. A margem de erro do sistema é superior a pequenas diferenças no número de votos. Se Obama não tem ganho claramente na Florida, no Ohio, na VirgÃnia, em Nevada, no Colorado, em New Mexico, na Pennsylvania, etc, estarÃamos de dedo na boca à espera dos resultados.
Acham que é normal?
Aqui é!
5
Mas há mais. No dia 4 de Novembro houve eleições para alguns lugares no Senado, para alguns lugares na House of Representatives (câmara baixa do Congresso), para Sheriffs, para os mais diversos cargos e ainda para referendos às Constituições de vários Estados.
Um dos assuntos referendados era o da proibição de casamentos entre homossexuais, por exemplo.
6
Na Georgia paira um mistério. Parece que terão desaparecido votos! Nada se sabe.
Mas, meus amigos, depois de haver filas para votar, durante semanas, em que os eleitores esperavam mais de 4 ou 5 horas (havendo casos de esperas superiores a 8 horas!), parece que o número de votantes terá sido mais ou menos o mesmo de há 4 anos atrás!
Essa mesma Georgia onde se ergue, orgulhosa, Ã beira da auto-estrada principal que a atravessa, uma enorme bandeira dos Estados do Sul, racistas, do tempo da Guerra Civil...
7
Na Georgia há já, no entanto, uma certeza. No dia 2 de Dezembro vai haver eleições novamente, desta vez para eleger um senador. É que, segundo as leis eleitorais deste Estado, para que um candidato seja eleito tem de ter mais de metade dos votos entrados nas urnas. Como o candidato do Partido Republicano não o conseguiu, haverá uma segunda volta.
Adivinhem quem anda pela Georgia a fazer campanha eleitoral...
McCain, Romney, Giuliani, Huckaby e montes de outras ilustres personalidades do Partido Republicano...
Andam de cabeça perdida...
A equipa de Obama está em força na Georgia, a fazer o trabalho de sapa que andámos, pelo paÃs todo, a fazer durante dois anos.
Essa mesma Georgia onde se ergue, orgulhosa, Ã beira da auto-estrada principal que a atravessa, uma enorme bandeira dos Estados do Sul, racistas, do tempo da Guerra Civil...
Não é engano. Fui eu que repeti a frase. Vocês podem não compreender, mas eu vi, com os meus próprios olhos, a enorme bandeira desafiadora!
8
No Alaska a história é outra.
Foi anunciada a vitória do candidato Republicano ao Senado (aliás, o mais antigo Senador Republicano). Tinha uma vantagem de uns milhares de votos. Mas faltava contar dezenas de milhares de votos...
Eram votos que davam uma maioria a Obama e ao candidato do Partido Democrático e que, a partir de certa altura, deixaram de ser contados.
Por força do controlo democrático houve que recomeçar a contar votos.
Ontem foi anunciado que faltava contar ainda 35 mil votos e que o candidato do Partido Democrático estava com mais 3 votos que o velho Republicano.
Continuamos a aguardar!
9
Aliás há outra história dentro desta história.
O tal velho senador Republicano tem um processo às costas por corrupção e, mesmo que seja eleito, será expulso do Senado!
Se perder as eleições (parece que é o que vai acontecer) o assunto fica arrumado.
Mas se ganhasse e fosse expulso do Senado teria de ser substituÃdo. A mais forte candidata ao lugar seria uma senhora que está em bicos dos pés para o conseguir, depois de afirmar que o cargo de Governadora do Alaska é o melhor emprego do mundo!
Sarah Palin, claro! A Sarah do Alaska, como ela gosta de se chamar!!!
10
Em Minnesota a história é, ainda, outra.
Passa-se o mesmo que na Florida 2000! Há recontagem de votos.
Ontem dizia-se que se saberá o resultado final antes do Natal! Deste ano, penso eu...
O candidato do Partido Democrático está a 205 votos da vitória (votaram mais de 2 milhões e 800 mil pessoas). Ele tem 1 211 359 votos, enquanto o candidato do Partido Republicano tem 1 211 565 e um terceiro candidato tem 437 389.
11
A parte interessante deste romance eleitoral para o Senado é que, se os candidatos do Partido Democrático ganharem estas 3 eleições, passará a haver uma maioria qualificada no Senado (60 Senadores do Partido Democrático e 40 do Partido Republicano). Esta correlação de forças impedirá o Partido Republicano de travar processos legislativos que exijam uma maioria de 2/3 dos votos no Senado!
Aqui está, talvez, uma das explicações para tanta trafulhice...
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12
Por hoje é tudo.
A conversa vai longa e a crise não deixa de se aprofundar.
As previsões da OCDE e do FMI para as economias americana e europeia são dramáticas.
Teremos um próximo ano de recessão.
Sem fim à vista.
E há ainda muita gente que insiste em meter a cabeça na areia e esperar que a tempestade passe. O mais grave é que algumas destas avestruzes estão nos poleiros dos poderes...
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Um abraço,
fernando