06 DE NOVEMBRO DE 2008, QUINTA FEIRA
POR: Guilherme da Fonseca-Statter
A Propósito da Vitória de Barack Obama
"Haverá certamente muito boa gente que estaria à espera que o processo eleitoral que levou à vitória de Barack Obama fosse uma espécie de versão moderna e devidamente actualizada de um mítico “assalto ao Palácio de Inverno”. Só que, como diria Marx, a História não se repete. Os Estados Unidos de 2008 não são nem o regime dos czares da viragem do XIX para o século XX, nem a Alemanha dos primeiros anos a seguir à Primeira Guerra Mundial." Leia este novo artigo de Guilherme da Fonseca-Statter sobre a eleição de Barack Obama para Presidente dos Estados Unidos.
Haverá certamente muito boa gente que estaria à espera que o processo eleitoral que levou à vitória de Barack Obama fosse uma espécie de versão moderna e devidamente actualizada de um mítico “assalto ao Palácio de Inverno”. Só que, como diria Marx, a História não se repete(1). Os Estados Unidos de 2008 não são nem o regime dos czares da viragem do XIX para o século XX, nem a Alemanha dos primeiros anos a seguir à Primeira Guerra Mundial.
Que quisermos ter hipóteses de captar minimamente o sentido da evolução histórica teremos, necessariamente, que adoptar uma visão abrangente e de longo – direi mesmo, de muito longo – prazo. Qualquer análise do significado histórico da eleição de Barack Obama tem assim, também necessariamente, que ser elaborada a partir de uma abordagem “materialista” e “dialéctica” do processo histórico.
Analisar a estrutura social e económica do país em causa, assim como as respectivas tendências de evolução, ultrapassando ou passando para segundo ou terceiro plano, as questões dicotómicas (e anti dialéctica...) dos “bons” e dos “maus”. Procurar ver, não só o movimento de transformação contínua e continuada (em vez da fotografia estática do momento), mas também e sobretudo o sentido desse movimento.
Não sei qual será a capacidade de resposta do sr. Barack Obama, enquanto homem político. Não sei quais são as perspectivas políticas e sociais dos seus principais colaboradores ou dos membros do Partido Democrata que hoje constituem a maioria, quer no Senado, quer na Câmara dos Representantes. A esse respeito chegam-me apenas fragmentos de discursos de uma Srª. Speaker ou de uma representante de um qualquer Estado da Federação. Quer num caso quer noutro, valendo os discursos aquilo que valem, fizeram-me lembrar os tempos do slogan “os ricos que paguem a crise”. Chegaram-me também fragmentos de entrevistas e de espanto nos media porque, se ousava falar publicamente de “Socialismo” e, horror dos horrores, citar Karl Marx... A esse respeito diria, simplesmente, que é preciso deixar assentar a poeira.
Agora aquilo que sei - ou julgo saber – é que a economia norte-americana tem funcionado como uma espécie de “buraco negro” que tem vindo a absorver um grande parte da produção mundial de tudo e mais alguma coisa. Sei que, ao longo das últimas décadas, o neoliberalismo desenfreado levou à deslocalização de centenas de milhares de postos de trabalho industriais nos EUA.
Sei que a polarização da distribuição da riqueza nos EUA aumentou para níveis quase históricos. O mesmo acontecendo com a dívida externa do país e respectiva dívida pública. Como dizia o sr. Barak Obama, os EUA estão reduzidos à situação de terem que pedir dinheiro “emprestado” à China para poderem pagar o petróleo à Arábia Saudita.
Neste contexto, qualquer inflexão nas políticas – internas e externas - por parte do estado norte-americano, pode vir a ter consequências profundas no devir dos outros países. Em particular em países menos desenvolvidos. Desde alterações nos fluxos comerciais, até ao reforço do papel das Nações Unidas...
Do programa anunciado durante a campanha retive apenas estas ideias:
- Reduzir os impostos para a “classe média” (dizem que são 95% da população, conceito estranho para qualquer aprendiz de sociólogo...) e aumentar os impostos para aqueles que têm os mais elevados rendimentos. Exactamente o contrário do que propunha o sr. McCain.
- Proporcionar incentivos fiscais às empresas existentes - que criassem postos de trabalho nos EUA. O candidato republicano propunha “incentivos para a criação de empresas” (presume-se por parte dos “candidatos a empresários” – o tal espírito empreendedor do “cowboy solitário”.
- Reforço da Segurança Social e um novo ou reforçado programa de “serviço nacional de saúde” cobrindo sectores da população que até aqui não beneficiavam dessa cobertura.
- Uma nova política energética, com ênfase em energias “limpas” com o objectivo a longo prazo de garantir a auto-suficiência.
- Aumento substancial dos gastos em infra-estruturas físicas (muito desgastadas ao longo das últimas décadas), sendo esses gastos a serem financiados com “poupanças nas despesas militares” e a partir de “leilões” sobre os direitos de poluição (emissão de CO2).
- Aumento do salário mínimo e sua indexação à taxa de inflação.
No campo da política externa, será desonesto ignorar que foi o único político norte-americano de destaque a condenar publica e inequivocamente a invasão do Iraque. Tem sido também bastante explícito na sua defesa de um mundo de negociações multilaterais. Sem com isso descurar uma natural prioridade à defesa daquilo que concebe como “os interesses dos EUA e do seu papel no mundo”. Só alguns políticos europeus, patetas ou demissionários, é que se recusam a fazer algo de equivalente relativamente aos “interesses e papel da EU (União Europeia) no mundo”.
Claro que tudo isto serão “promessas”, “palavras, palavras”. Claro que só as acções concretas e objectivas virão a confirmar ou a infirmar aquelas “palavras” e “promessas”. Mas aí, não há como ter alguma objectividade na consideração do que se está a passar e aguardar – com algum cuidado q.b. – o próximo desenrolar dos acontecimentos. Muito em particular se tivermos em de linha de conta, o pano de fundo da crise profunda da economia capitalista. E da “herança” de um terreno minado que a actual administração está deixando para a próxima governação democrata.
No meio disto tudo, com ou sem “colossal campanha mediática”, de que é que estariam à espera aqueles que agora parecem menosprezar o significado da vitória de Barack Obama? Que Barack Obama se apresentasse assim como uma espécie de novo Lénine?... O qual aliás, importa lembrar, até procurou levar a cabo uma New Economic Policy de “colaboração com alguns capitalistas”...
(1) Espero não ter que entrar em qualquer debate sobre a exactidão e o significado da “citação”...
6 de Novembro de 2008