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19 DE MARÇO DE 2025, QUARTA-FEIRA
FONTE: RC
POR: Paulo Fidalgo
A paz é urgente na Ucrânia!
Importa debater e avaliar e aprender sempre acerca do significado da guerra na Ucrânia, as suas origens, e como pode evoluir a posição das principais potências imperialistas e como poderá ser a linha comunista para lidar com esta situação em constante mudança. É isso que se tenta fazer no texto seguinte
A aparente divisão da Ucrânia e dos seus recursos, presentemente em discussão entre os EUA e a Rússia, num quadro em que as potências eurocidentais parecem aflitas por não participarem no saque, recorda vivamente a imagem da disputa do mundo pelas potências imperialistas no início do século XX, e que esteve na base das duas guerras mundiais.

O Chauvinismo Grão Russo
Importa sublinhar o papel retrógrado dos nacionalismos, neste caso russo e ucraniano, os quais alimentam o conflito a par, é claro, do nacionalismo hegemónico americano. O nacionalismo russo – Lenine apelidou-o de Chauvinismo Grão-Russo, entendido como uma forma extrema de nacionalismo cultivado pelas classes dominantes russas - acentuou-se depois da queda da URSS, embora a sua origem remonte ao czarismo e ao velho império russo. Este velho atavismo foi apenas interrompido nos primeiros anos da Revolução de Outubro e do seu empenhado internacionalismo, reemergindo paulatinamente após a vitória de Estaline obtida contra a vanguarda bolchevique, nos anos trinta da URSS.

Essa história acerca da origem e percurso do chauvinismo grão russo não é o foco desta reflexão.

É de assinalar que o ressurgimento atual do nacionalismo russo, tem raiz na perda de apoio ao ideal internacionalista na esteira da derrota e extinção da URSS, em 1989, e constitui porventura uma reação inevitável aos humilhantes avanços para leste da NATO e do imperialismo americano sentidos como perigosa ameaça à própria existência da Rússia.

O chauvinismo russo, bem como a generalidade dos nacionalismos, tem na sua base a valorização da nação própria e dos seus supostos méritos excepcionais, mas tem agarrado a ele o inerente desprezo e inferiorização das outras nações.

O nacionalismo é o reflexo superestrutural do individualismo capitalista e da propriedade privada dos meios de produção que idolatra a competição e a luta por anular o outro. Em oposição ao nacionalismo, o internacionalismo sonha com o fim das nações e valoriza a identidade nacional das nações que ainda subsistem e enquanto subsistirem, e favorece o respeito por elas num horizonte de cooperação e de relações entre iguais.

O Estado Nação ucraniano
A segunda questão que importa abordar é a do processo da nação ucraniana já com séculos de existência, porém cheio de peripécias, avanços e recuos. Na sua versão mais atual, a Ucrânia alcança uma definição como nação com a grande Revolução de Outubro. Com Lenine e os bolcheviques, a Ucrânia é instituída como república soviética e a sua demarcação territorial obedeceu, para além da herança histórica, ao propósito de lhe assegurar as melhores condições de sucesso económico pela incorporação nela dos territórios do Donbass historicamente povoados pelos cossacos, um povo com personalidade cultural vincada. A atribuição desse território rico em recursos naturais à Ucrânia, e que desde tempos imemoriais pertencia ao antigo império russo, foi um ato que apenas se explica pelo “milagre†do contexto revolucionário de então e do seu fervor internacionalista e acabou por ajudar a Ucrânia a tornar-se numa das repúblicas soviéticas mais afluentes economicamente e mais avançadas no quadro da URSS, a par das repúblicas soviéticas bálticas.

O nascimento da República soviética da Ucrânia, foi recriminada como acusação por Vladimir Putin que classificou os problemas atuais com sendo supostamente da responsabilidade dos comunistas e de Lenine por terem tão deliberadamente ajudado à afirmação da nação ucraniana. O discurso de Putin no início da invasão russa da Ucrânia em 2022 sublinhou bem a clivagem entre o que é e foi a linha comunista e o neo nacionalismo russo.

Para os trabalhadores, para os comunistas, a Ucrânia só pode ser encarada como projeto republicano soberano apontado ao socialismo. Para as forças dominantes na política russa, a Ucrânia terá um destino, qualquer que ele seja, que lhes é substancialmente indiferente. Tanto pode ser amputada de parte do seu território, como poderá mesmo deixar de existir enquanto Estado autónomo. Neste sentido podemos projetar a ideia de que a Ucrânia só poderá defender-se como autonomia nacional no quadro de uma política comunista das nacionalidades apontada à cooperação com as outras nações do mundo.

Pelo contrário, o nacionalismo ucrananiano anti-russo, mas de facto apostado em entregar o país ao domínio do imperialismo americano e de outros países da NATO, está a destruir o Estado nação ucraniano e a permitir a sua partilha pelas várias potências em disputa.

Este nacionalismo reacionário e anti russo, parece ser a forma que os oligarcas ucranianos encontraram para tentar erradicar os eventuais restos do socialismo porventura ainda presentes na mente de muitos ucranianos. Quem acompanha as imagens da guerra verifica que, nos movimentos de tropas no Donbass, aparecem com frequência bandeiras com a foice e o martelo o que só pode significar o continuado apego de muitas daquelas populações à União Soviética e ao socialismo.

Atitude dos comunistas e da esquerda face ao processo negocial que parece começar
A questão prática do momento é saber como agir face ao processo negocial que parece estar a iniciar-se e que abre a esperança de se alcançar a paz entre russos e ucranianos e de afastar o espectro de um conflito alargado na Europa e no mundo.

Para os trabalhadores e para os comunistas, o que importa é refazer os laços de união entre russos e ucranianos, o que pressupõe reconstruir uma perspetiva de paz, solidariedade, e de combate ao nacionalismo extremista onde quer que ele atue. Neste sentido, a paz deve estar ligada a uma reclamação da soberania da Ucrânia num quadro de democracia, de respeito pelas minorias e pela anulação dos projetos de expansão militar que ameacem terceiros. Este é, de resto, o sentido da atuação da diplomacia chinesa que neste aspeto age de acordo com aquilo que deverá ser uma orientação comunista.

Obviamente que a questão mais bicuda é considerarmos que o mais importante é alcançar a paz, agora, em prioridade em relação ao problema dos atributos territoriais da Ucrânia.

Não é a primeira vez que a dualidade entre a prioridade à paz e a prioridade ao território se coloca na ação comunista.

Recordemos como o problema foi debatido na altura do Grande Outubro naquilo que ficou conhecido como a paz de Brest Litovsk, na 1ª Guerra Mundial, entre Rússia e a Alemanha.

Nessa altura, a URSS assinou a paz com os alemães com perda de território próprio pois considerou que a primeira promessa da revolução de Outubro foi a de alcançar a paz acima de todas as outras considerações. O primeiro decreto do governo de comissários do povo em 1917 foi o decreto da paz que levou à imediata paragem das hostilidades. A Urss, não sem intensa discussão interna, precisamente no seio o Comité Central do partido bolchevique, teve de aceitar a perda de território como moeda de troca para alcançar o seu objetivo maior.

Recordar aquele incidente histórico pode servir para abrir caminho agora, precisamente, para ajudar a vingar a ideia de dar toda a prioridade à paz, acima de qualquer outra consideração. Esta constatação serve para mostrar que todos os outros intervenientes que reclamam fazer depender a paz da satisfação de outras condições a priori, o que realmente querem é continuar a guerra até ao “último ucraniano†ou até à aniquilação da Rússia. Esses intervenientes são os do partido da guerra e estão agora visivelmente entrincheirados no governo britânico e francês e na liderança ucraniana.

Para além da tragédia inaudita que a guerra representa, a paz é a única forma de abrir caminho à solução mais de fundo do problema da segurança coletiva, da conquista da democracia e de se avançar para uma reclamação de desenvolvimento e de coesão social em todo o continente europeu.

Para os comunistas, a reclamação é paz já.

O programa comunista para a paz na Ucrânia envolve conexamente a construção de um sistema de segurança coletiva na Europa, do Cabo da Roca aos Urais, por forma a definir-se o quadro de relações entre países, numa base de igualdade, cooperação e de contenção armamentista.

Esse novo quadro deveria idealmente ser assegurado pela convocação de uma Conferência pan-europeia para a segurança e coexistência pacífica no continente.

Não à corrida aos armamentos na Europa
Esta perspetiva confronta diretamente os fantasiosos projetos das lideranças da UE em intensificar a confrontação militar com a Rússia com o recurso a uma injustificada corrida armamentista, onde a presidente da Comissão Europeia anuncia a atribuição de um financiamento colossal de 800 biliões de euros para mais armamento.

Esta mirabolante verba aparece quando os dados mostram uma aritmética militar, de efetivos e de armamento, dos países da Europa ocidental que já hoje é largamente superior ao quadro militar da Rússia, pelo menos no plano das forças convencionais.

Combater a corrida armamentista e a tentativa de tornar a União Europeia numa aliança militar é uma tarefa inadiável para a toda a esquerda. E a premência desse combate também se prende com inevitável ataque às condições sociais - salários, reformas e prestações públicas - as quais seguramente serão postas em causa para desviar recursos para a corrida armamentista

O afundamento da aliança trans-atlântica
Uma consequência para já evidente da derrota do projeto imperialista do chamado ocidente com os EUA à cabeça, para eliminar a Rússia e porventura dividi-la em 6 fracções segundo o delirante desenho dos neoconservadores que influenciaram a presidência de Biden e influenciam ainda as potências oeste europeias é o do afundamento da aliança transatlântica e da NATO.

A agonia da NATO surge para muitos como inadvertido e surpreendente evento histórico. Contudo, os comunistas, em concreto os comunistas portugueses, sempre reclamaram o fim da NATO como dispositivo de agressão e de dominação imperialista e a sua profunda crise atual vem de certa maneira dar-lhes razão mostrando que a NATO sempre teve uma natureza iníqua de imposição das orientações do imperialismo e que deixou de ter qualquer justificação depois do fim do Pacto de Varsóvia.

A cassete da ameaça russa é o que alimenta os cultores da NATO e de diversos governos da UE. Esta novela com séculos de existência tem sido recurso recorrente para cobrir todas as aspirações expansionistas das potências rivais da Rússia ao longo dos tempos, de Napoleão ao Kaiser e a Hitler.

Não cabe agora analisar os fundamentos que levaram a nova liderança americana a operar uma tal viragem e a dar um tiro porventura fatal na NATO. Essa mudança acontece por razões de interesse próprio, mas não deixa de ter raízes no visível falhanço da operação Ucrânia e constitui um ajustamento ao crescimento das vozes que em todo o mundo – a chamada maioria mundial – reclamam a favor de uma nova regulação supranacional livre do hegemonismo americano.

O que importa relevar aqui é que o quadro da chamada “aliança ocidental†se quebrou e se abre uma perspetiva que poderá originar um mundo multipolar a favor de mais democracia e mais cooperação entre nações iguais.

Por uma conferência pan-europeia para a paz, segurança e cooperação
Para os comunistas, o desejável fim da NATO corresponde à sua visão de como deverá o mundo evoluir. Implica, porém, que os países do continente europeu se entendam para definir um quadro de segurança e de cooperação precisamente por via por exemplo da convocação de uma conferência pan-europeia de segurança e cooperação.

Esse é o quadro que corresponde ao interesse dos trabalhadores em se avançar para um mundo de paz e livre de alianças militares agressivas e hegemonistas.

A geopolítica é um conceito hoje glosado até à náusea nos comentários da comunicação social. Ele define o quadro da afirmação do interesse das nações. Em última análise, a geopolítica tem raízes na luta de classes e entronca, também, no seu contrário, em momentos onde essa luta pode dar lugar a compromissos de colaboração de classes, e que tão frequentemente têm acontecido nas exacerbações do nacionalismo.

Se a geopolítica é a afirmação socialmente contraditória dos interesses dos países e das classes que neles dominam, a alternativa, isto é, a geopolítica comunista, será a busca do interesse da revolução mundial e do socialismo mundial num quadro onde a rivalidade nacional desejavelmente se desvanece. A derrota americana e oeste-europeia na Ucrânia pode abrir um período de avanços para os trabalhadores e os democratas.


 

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