
30 DE ABRIL DE 2023, DOMINGO
FONTE: RC
POR: Carlos Brito
Discurso de Carlos Brito, no dia 25 de Abril de 2023, na sessão solene da Câmara de Alcoutim
Carlos Brito, figura maior da revolução do 25 de Abril, discursou na sessão evocativa da data na Câmara de Alcoutim, onde nos dá um depoimento precioso dos acontecimentos e da sua visão comunista do processo.
Discurso de Carlos Brito, no dia 25 de Abril de 2023, na sessão solene da Câmara de Alcoutim
Começo por agradecer, comovidamente, a homenagem que acaba de me ser prestada pela Câmara de Alcoutim, ao atribuir, neste dia 25 de Abril, o meu nome à Biblioteca Municipal, por proposta da Vereadora da Cultura, D. Rosa Palma.
Nenhuma distinção tocaria de maneira tão profunda o meu coração, tanto pela deferência que representa, como pelo simbolismo de que se reveste. Vejo nela uma alusão à minha ligação aos livros, à leitura, á escrita e à cultura. Mas sinto nela, sobretudo, uma referência à minha participação nas lutas pela liberdade e a justiça social, que antecederam e se seguiram ao 25 de Abril de 1974 e aos acontecimentos desse Dia Memorável, em que a ditadura fascista foi finalmente derrubada.
Em relação a estes acontecimentos, permitam-me que traga aqui uma breve recordação. Tive, com dois dias de antecedência, a informação ultra secreta de que o movimento ia sair a 25, um aviso ao meu partido, para tudo que pudesse acontecer. Entrei, a 24 à noite numa reunião com os quadros clandestinos da direcção da UEC, mas não os podia informar do que sabia. Também não me apetecia debater os temas da agenda. Disse-lhes que a situação estava muitÃssimo tensa e que era melhor ouvirmos a rádio e jogarmos à s cartas. A certa altura todos adormecemos. Acordámos mal o dia clareou.
Tomávamos o pequeno-almoço, à s 7 e 30 da manhã, quando começou a ser lido o Comunicado do Movimento das Forças Armadas. Assim: As Forças Armadas desencadearam na madrugada de hoje uma série de acções com vista à libertação do paÃs do regime que há longo tempo o domina.
A cada palavra do locutor, que era o LuÃs Filipe Costa, começámos a levantarmo-nos instintivamente, quando terminou estávamos todos de pé a abraçarmo-nos. Era a Revolução por que lutávamos e a que tÃnhamos entregue a vida. Era a abertura do caminho da democracia. Era a mudança completa da nossa vida pessoal. Há anos que vivÃamos fugidos, com identidade falsa, disfarçados, sem ver a famÃlia e os amigos. A mim cabia-me ir pôr em acção todos os responsáveis do partido na região de Lisboa e Oeste. Transmitia-lhes duas palavras de ordem: para o Carmo apoiar os capitães até que Caetano se renda, depois para Caxias exigir a libertação dos presos polÃticos. Foi uma longa volta. Ainda encontrei camaradas que me perguntaram: mas isto não será do Kaulza? Falava-se então da possibilidade de um golpe deste general ultra reacionário. Tinha que lhes dizer que não, que até tÃnhamos sido prevenidos do que se ia passar. Marcelo Caetano rendeu-se cerca das 6 da tarde.
A noite, reunimo-nos todos os responsáveis do partido na região de Lisboa e Oeste. Depois de ouvirmos, a declaração da Junta da Salvação Nacional, tornámos público o primeiro comunicado do PCP de saudação e apoio ao Movimento da Forças Armadas e de aplauso ao derrubamento do governo da ditadura.
O Movimento dos Capitães foi um rarÃssimo sucesso de conspiração militar alargada. Iniciado para defender o estatuto profissional, foi-se alargando e politizando, até se propor mudar o regime.. Começado no Exército, abarcou, a partir de certa altura, a Armada e a Força Aérea. Chegou a mobilizar mais de 300 oficiais do quadro permanente. Era um movimento totalmente independente, falava com os partidos e outros sectores polÃticos na atitude de potência a potência. Tudo o que se sabe, indica que o Governo de Caetano e a PIDE não chegaram a aperceber-se da sua expansão e capacidade, a não ser quando foram derrotados.
No entanto, esta força organizada de militares não caiu do céu. Nasceu nas condições da crise adiantada do regime totalitário, desgastado pelas forças democráticas que se lhe opunham e quando já se tornava patente que a Guerra Colonial não tinha solução militar e o seu prolongamento provocava o cansaço crescente e a oposição cada vez maior no paÃs e nas próprias Forças Armadas, que a aguentavam.
O 25 de Abril foi uma obra-prima de estratégia militar, executada com imensa audácia e coragem. Percebeu-se nesses dias e confirma-se plenamente quando hoje se lê a cronologia da Revolução. Recomendo a leitura.
A Vitória Histórica dos Capitães aconteceu no quadro de uma grande intensificação luta popular antifascista, que a precedeu e a envolveu. A campanha polÃtica da Oposição Democrática, aproveitando a mascarada de eleições, em 1973, o 3º Congresso da Oposição, em Aveiro, no mesmo ano, a sucessão de greves e grandes movimentações sociais, nos finais de 1973 e primeiros meses de 1974, o nascimento da CGTP, o ascenso do movimento sindical independente e da sua imprensa que era largamente distribuÃda no paÃs, o surgimento das canções de intervenção de Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e de outros, a acção do movimento semi-legal MDP-CDE, dos partidos clandestinos, (PCP e PS), e das rádios clandestinas, Rádio Portugal Livre e Voz da Liberdade, o advento de outras sectores oposicionistas, como o dos católicos progressistas, tudo isto provocou uma crise revolucionária em que a ditadura já naufragava.
Faltava o golpe de misericórdia, este chegou com a valentia dos capitães: o glorioso 25 de Abril!
No próprio dia, o povo de Lisboa veio em massa para as ruas a apoiar e vitoriar os militares revoltosos.
Salgueiro Maia, um dos destacados heróis, escreveu no seu relatório: Foi bastante importante o apoio dado pela população na realização destas operações, pois além de me indicarem todos os locais que dominavam o quartel (do Carmo) e as portas de saÃda deste, abriram portas, varandas e acessos a telhados para que a nossa posição fosse mais dominante e eficaz. Também nesta altura, começaram a surgir populares com alimentos e comida que distribuÃram pelos soldados.
Passados 49 anos, ainda recordamos estes acontecimentos não só com saudade, mas com profunda emoção e encorajamento para continuarmos a lutar pela plena realização dos ideais que se manifestaram nesses dias revolucionários.
Com o 25 de Abril ficou logo estabelecida de facto a liberdade e a Junta de Salvação Nacional, escolhida pelo MFA, poude começar a desmantelar os principais redutos do Estado fascista. Foi preso o Governo, dissolvidas a PIDE, então chamada DGS, a Censura, a Legião, libertados os presos polÃticos, parada a Guerra Colonial. O paÃs começava a ser outro. Tudo isto foi celebrado nas grandes jornadas do 1º de Maio, de 1974, que constituÃram como que a legitimação popular da Revolução.
A legitimação institucional chegou dois anos depois com a aprovação, pelos deputados constituintes, de que fiz parte, do decreto constitucional, a 2 de Abril de 1976, promulgado de imediato pelo Presidente da República, General Costa Gomes que, num acto único, se deslocou a S.Bento, esvaziando a manobra desestabilizadora da direita, que exigia um referendo.
A Constituição da República entrou em vigor, no dia 25 de Abril de 1976. Nessa mesma data realizaram-se as eleições para a Assembleia da República. Seguiram-se, em Junho, as eleições para a Presidência da República e, meses depois, para Autarquias Locais. O Estado democrático ficou assim edificado.
Foi um percurso extremamente acidentado, por vezes à beira do abismo, mas onde prevaleceu o bom senso dos portugueses e o sentido de responsabilidade das suas forças militares e polÃticas.
A Constituição da República consagrou os mais ousados projectos, transformações, reformas e sonhos acalentados nos dias da Revolução, as chamadas «Conquistas da Revolução», mas a sua concretização encontrou a acirrada oposição dos interesses instalados. Várias ficaram pelo caminho, como a «Reforma Agrária». Outrass avançaram e progrediram sempre vencendo a grande resistência desses interesses.
Saliento as mais importantes: o Poder Local Democrático, o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, os Direitos Sociais, o Sistema de Segurança Social, o Salário MÃnimo Nacional, a progressividade Fiscal. Constituem, no conjunto, com as liberdades polÃticas, os partidos e independência das colónias, o verdadeiro Virar de Página, a inauguração do PaÃs Novo.
O poder económico, que mandava na ditadura, sofreu um enorme abalo no processo revolucionário, mas recompôs-se e voltou a sobrepor-se ao poder polÃtico, agora com o sustento ideológico do neoliberalismo. É aqui que reside o nó que impede o desenvolvimento do paÃs e a sua modernização.
O sucesso dos governos não se mede só pela competência dos seus ministros, que em muitos casos tem faltado. Mede-se sobretudo pela forma como a sua polÃtica enfrenta os ditames do poder económico. Estes não se ficam só pela oposição as reformas citadas ou a uma justa polÃtica salarial e a uma mais avançada legislação laboral, interferem em todas as esferas do Estado. Por exemplo, no caso da Regionalização, um comando constitucional por cumprir. O poder económico opõe-se-lhe, porque é mais fácil influenciar um Estado centralizado, do que um Estado regionalizado. É claro a sua propaganda não diz isto, orquestra com a comunicação, que domina, campanhas de desinformação e manipulação, com outros argumentos: diz que o paÃs é pequeno, fala do surgimento caciques locais, de mais funcionários públicos, etc, Assim procede e em todas as demais matérias em que interfere.
È imperioso libertar o poder polÃtico das tutelas do poder económico. O Poder PolÃtico democrático é que deve sobrepor-se ao poder económico e à s suas pressões.
Passados 49 anos sobre o 25 de Abril, o paÃs está mais vivo, com sentido critico mais apurado, com maior determinação reivindicativa, como está patente nas presentes lutas dos professores, enfermeiros, médicos, ferroviários, funcionários públicos e outros sectores.
Mas, ao mesmo tempo, crescem as manobras desestabilizadoras, o populismo, o autoritarismo, o sectarismo nos partidos e nas relações interpartidárias, a linguagem insultuosa entre polÃticos. São todos venenos fatais para a democracia. Para já desencorajam a participação do povo na vida polÃtica, partidária, eleitoral e associativa.
Ora a participação cidadã das massas populares é a maior lição do 25 de Abril, foi ela que operou as grandes transformações e reformas que mudaram o paÃs, é ela que pode assegurar um futuro melhor para os portugueses e para Portugal.
25 DE ABRIL SEMPRE!
VIVA PORTUGAL