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03 DE JANEIRO DE 2023, TERÇA FEIRA
POR: Carlos Brito
JOÃO AMARAL
Evocar uma figura central do movimento comunista
Carlos Brito presta aqui um tributo à figura de João Amaral um pioneiro da Renovação Comunista
JOÃO AMARAL

Na passagem do vigésimo aniversário da morte de João Amaral (10 de Janeiro de 2003), a Renovação Comunista vem lembrar e prestar homenagem aquele que foi um dos seus principais fundadores e dinamizador destacado da luta pela adequação do projecto comunista ao nosso país, nas condições da democracia estabilizada.

Foi escrito por João Amaral o primeiro ante-projecto do que viria a ser o «Para um Manifesto da Renovação Comunista». A sua desenvolvida contribuição, depois de reunir muitos e importantes contributos de outros camaradas, foi aprovado no Encontro Nacional de 22 de Março de 2003, dando nascimento ao Movimento da Renovação Comunista.

O texto de João Amaral, que foi publicado no «Expresso» de Janeiro de 2003, justamente apresentado como o seu testamento político, é bem revelador da maturidade da sua reflexão marxista sobre o país e o mundo, muito diferente do «tarefismo» rasteiro em que já então estava mergulhado o PCP.

Escreveu: «Não pode haver construção de uma sociedade de progresso e justiça se não houver escrupuloso respeito pela Carta da democracia, do pluralismo e da liberdade». E noutro passo: « Os comunistas estão convictos da fidelidade profundamente humanista do projecto que acalentam.» Já antes, no seu livro: «Rumo à Mudança» tinha dito: «As mudanças necessárias reclamam, na minha opinião, a participação na construção, no caminho aberto por Marx, de um novo pensamento comunista.»

João Amaral chegou aqui com a experiência de uma vida de intensa militância comunista, que começou nas lutas académicas, em Coimbra, nos finais dos anos 60 e passou pelo desempenho do lugar de secretário jurídico do Sindicato dos Metalúrgicos do Porto, com grande influência na estratégia da vasta movimentação reivindicativa nacional dos metalúrgicos, nos finais da ditadura fascista.

Depois do 25 de Abril, foi escolhido pelo partido para chefe de gabinete do Ministro do Trabalho, Avelino Gonçalves, o primeiro comunista português a desempenhar funções ministeriais, com pasta. Daqui passou para chefe de gabinete do Grupo Parlamentar comunista, com participação direta na direcção do Grupo. Por isso, dizia-se que «o João antes de ser deputado já o era».
Mas a sua eleição como deputado (em 1980) marcou um novo patamar na sua acção e projecção políticas e representou um reforço para o Grupo em área especializadas, como as questões militares e a defesa nacional.

No entanto, teve sempre muito interesse pelo trabalho autárquico, o que o levou também a eleito municipal em Lisboa. Fez parte do acordo PS-PCP que guindou Jorge Sampaio a Presidente da Câmara da capital. Foi eleito Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, quando José Saramago renunciou ao mandato. Chegou a desempenhar este cargo, que ainda exercia quando morreu, em simultâneo com o de Vice-Presidente da Assembleia da República.

No domínio partidário, também foi vendo aumentadas as suas responsabilidades. Foi eleito membro do Comité Central no XII Congresso, em 1988, por aprovação de proposta apresentada por camaradas no próprio Congresso, pois não fazia parte da proposta apresentada pelos organismos executivos.

Nesta qualidade, foi um dos entusiastas da linha do «Novo Impulso», que comportava várias alterações da organização do partido e do seu relacionamento com a sociedade. O Comité Central aprovou estas orientações, por maioria, em Fevereiro de 1998, com a oposição de Álvaro Cunhal e dos chamados «ortodoxos».

A partir daí nunca mais parou na contestação da linha imposta, por forma fraccionária, pelo aparelho burocrático partidário, desde logo contra o boicote do «Novo Impulso». Como denunciou no seu testamento político «o grupo fraccionário não só boicotou onde pôde as decisões em que tinha sido vencido, como organizou um verdadeiro cerco à Direcção que tinha tomado essas decisões, visando alterar a sua composição.»

É perante isto e as sanções que se seguiram contra vários dirigentes defensores do Novo Impulso que, João Amaral sustenta que, os que pensam como ele, «face ao bloqueamento do diálogo e ao sectarismo dominante, consideram não poder ser por mais tempo adiado o cumprimento do dever indeclinável da exposição pública do essencial das posições para a renovação e o fortalecimento da organização comunista, visando a mobilização para a sua concretização.»

É assim que se lança numa intensa actividade de comentador político, com um extenso número de artigos e participação pessoal em programas das televisões e da rádio, ao mesmo tempo que aprofunda com outros camaradas, a reflexão sobre a forma de organizar o combate pela renovação e participa na elaboração de documentos destinados a alargar o âmbito do debate, como entre outros, o intitulado «Do bloqueamento do PCP è Renovação Comunista»:

Em coerência com o seu pensamento, ousou participar nos trabalhos do XVI Congresso do PCP, convocado para esmagar os renovadores e os críticos, e aí atacou com desassombro a linha oficial conservadora, defendeu as concepções renovadoras e, naturalmente, exprimiu o único voto contra a Resolução Política, que consagrou a linha sectária e dogmática, que perdura.

A frontalidade com que lutou pela renovação partidária, acarretou-lhe os ataques mais vis, calúnias abjectas, intrigas infames, da parte do grupo que se apossou da direcção do PCP e de escribas ao seu serviço. João aguentou estoicamente, não é que não fosse acometido por momentos de mau humor e de cepticismo, mas logo recuperava a combatividade, o gosto de viver, a natural alegria e o encanto pessoal. Carlos do Carmo chamava-lhe «um sedutor».

Até ao último momento da sua curta vida, morreu aos 59 anos, lutou pelas suas e nossas ideias e, se mesmo na hora da morte foi mal tratado pelo partido a que dedicou a vida, teve e tem o largo reconhecimento do país.
O seu funeral, com honras de estadista, foi participado por uma multidão solidária e pesarosa, seguiram-se as homenagens e condecorações póstumas: a Ordem da Liberdade, a Medalha de Honra da Cidade de Lisboa, um medalha do Ministério da Defesa, atribuição do seu nome a uma rua de Lisboa e a uma rua de Cabanas de Tavira, onde passou férias durante vários anos.

Não encontramos melhores palavras para terminar esta fraterna evocação, do que as proferidas pelo próprio João Amaral, no Jantar da Fraternidade, organizado em 2002, para protestar contra às sanções decretadas pela direcção do PCP. Disse ele:

«A resposta é pensar livremente, debater sem restrições e agir com inovação. A resposta é não desistir do que é preciso fazer e fazê-lo em quaisquer circunstâncias.»
Era o avanço para a «Renovação» que estava em causa. Cá continuamos!

Janeiro de 2023








 

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