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10 DE OUTUBRO DE 2020, SÁBADO
POR: Cipriano Justo
ADVERSÁRIOS E INIMIGOS NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
Conhecer bem o inimigo e lidar com adversários para que estes não se somem àqueles por conduta política inepta à esquerda é o exercício que aqui se propõe. É um esclarecimento que importa relembrar à luz de erros e experiências nefastas ocorridas noutras épocas remotas e que tanto nos custaram.
Pela primeira vez, desde que se realizam eleições para a presidência República que iremos ter adversários e inimigos políticos na disputa pelo lugar de presidente da República. Até 2019, a amplitude do espectro político-partidário começava nos partidos da esquerda e terminava, à direita, no CDS. Era um espectro que, independentemente da ideologia e dos programas das várias formações partidárias, se enquadravam nos valores democráticos, respeitando o principal da Constituição e os restantes órgãos de soberania.

Era no modelo económico e na organização da sociedade que residiam as principais diferenças entre elas e com isso os valores decorrentes dessas visões. Todas as disputas entre as formações partidária tinham como referência principal a linha divisória que a ordem constitucional representa, era ela que balizava o debate político e os resultados que dela resultavam. Até 2019 o parlamento era a sede do debate político, respeitador das regras que desde 1976 os deputados impuseram a si próprios para dirimirem as suas diferenças. Embora frequentemente atingindo os limites do aceitável e útil para quem desejava formar uma opinião sobre a vida política do país, a importância do parlamento tal como estávamos habituados a lidar com ele nunca foi posto em causa, uma vez que era nele que estava representada a escolha política dos eleitores, mesmo que os valores da abstenção não tenham parado de subir.

O que se diz para o parlamento pode-se aplicar à presidência da República, desde Ramalho Eanes a Marcelo Rebelo de Sousa, embora os poderes destes dois órgãos de soberania sejam muito distintos. Mas o que importa para o caso, é que apesar de entre Cavaco Silva e Jorge Sampaio, por exemplo, ter existido uma clara distinção política entre eles, no entanto ambos exerceram os seus mandatos dentro dos limites das disposições constitucionais que dizem respeito aos presidentes da República.

A distinção que se verificou entre todos eles foi o espírito como interpretavam o que a Constituição permitia, que se manifestava pelo poder de influência que cada um exercia, além dos outros poderes constitucionalmente previstos, como o poder de veto. E é essa capacidade de influenciar o rumo dos acontecimentos políticos que torna a figura presidencial particularmente importante no quadro da ordem constitucional. O caso mais exemplar foi o papel de Mário Soares com as iniciativas que promoveu durante o seu mandato, era então primeiro-ministro Cavaco Silva.
Estes considerandos servem para defender a ideia de que é diferente o combate político entre adversários políticos e inimigos políticos, e também para dizer que na vida política portuguesa passou a existir um antes e um depois de 2019. Os primeiros defendem as suas causas dentro de um quadro político pré-definido, a constituição do país, enquanto os inimigos políticos se aproveitam desse quadro para o procurar subverter e impor uma nova ordem social e política.

A eleição do CHEGA para o parlamento é o exemplo típico desse aproveitamento. Os valores que têm vindo a ser defendidos pelo seu líder, tanto no parlamento como fora dele, são exemplo dessa estratégia. Para este partido, o parlamento não passa de um palco privilegiado para difundir a cultura da supremacia dos valores que há muito foram rejeitados pela sociedade pela via democrática. Muitos desses valores começaram por ser minoritários, mas foi o combate político democrático que acabou por os impor e demonstrar a sua justeza e bondade. Espezinhar esses valores em nome de práticas que segmentariam sociedade e a tornavam numa arena onde se promovia a mais feroz das desigualdades e a aniquilação das diferenças é o desígnio do CHEGA. Basta estar-se atento às intervenções do seu líder no parlamento para se antever o que seria o país caso este partido começasse a ganhar influência eleitoral ou alguma vez chegasse ao poder.

Importa ter presente que o surgimento do CHEGA decorreu do aproveitamento que os seus fundadores fizeram da grave crise social por que o país passou durante os anos 2011-2015. Foi durante esses anos que começaram a germinar as condições que o tornaram numa formação política tal como a conhecemos actualmente. Foi nesse vasto sector da população que sofreu os efeitos das decisões socialmente mais brutais tomadas nesse período que este partido foi buscar a base social e eleitoral que o levou a ter um representante no parlamento. Mas foi também o aproveitamento que a extrema-direita fez dessa situação para se implantar em todo o espaço europeu, dando alento, argumentos e recursos para a extrema-direita portuguesa vislumbrar uma oportunidade para pôr a cabeça de fora.

Nas próximas eleições presidenciais, os comunistas portugueses irão ter, por isso, um adversário principal, Marcelo Rebelo de Sousa, e um único inimigo, André Ventura. Porque inimigo político é aquele que já não precisa de vestir a simbólica camisa preta, é aquele que de fato e gravata utiliza todos os instrumentos que a democracia coloca à sua disposição para a liquidar, rasgar a sua história e atear uma fogueira com os direitos conquistados arduamente pelos trabalhadores.
Para que a situação política fique mais desanuviada, não basta, por isso, que este candidato seja simplesmente derrotado, importa que a sua derrota seja humilhante para lhe ser difícil erguer a cabeça, e que qualquer candidato respeitador dos valores constitucionais tenha um resultado que supere o resultado do inimigo. Em Janeiro de 2021 está em jogo impedir que a Constituição e os valores democráticos presentes nas nossas vidas não sejam lançados para o caixote do lixo. Já passámos por vários sobressaltos – políticos, sociais e económicos – mas este, a verificar-se, seria mais do que um sobressalto, seria um terramoto político cujos danos tocaria a vida de muitos milhões de portugueses. É este o desafio que os democratas têm pela frente: fazer frente ao inimigo e derrotá-lo com todos os argumentos que estiverem ao seu alcance.





 
Cipriano Justo
Enviado por Maria Armandina Maia , em 21-10-2020 às 18:05:52
Da maior pertinência, esta pedagogia da história recente, que muito ajuda a uma participação mais fundamentada, com base em factos e movimentos políticos da história recente.
Ao contrário do que é comum pensar-se, o conhecimento da história mais recente permite de modo eficaz perceber a degradação galopante em que o sistema político se encontra. O Chega está onde está precisamente graças ao branqueamento do passado recente, até mesmo já em tempos da democracia.

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