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16 DE FEVEREIRO DE 2019, SÁBADO
POR: Paulo Fidalgo
A Venezuela na encruzilhada
Imperialismo com cheiro a naftalina
As ameaças americanas e de parte da Europa à Venezuela á luz do imperialismo recauchutado de Donald Trump e a lastimável posição do governo do partido socialista é que se avalia de seguida.
1. O regresso do velho imperialismo: O slogan “make america great again” com que Trump se guindou à presidência dos EUA, não passa da reedição requentada da velha doutrina de Monroe, “ a América para os americanos”, surgida em 1823 no despontar do imperialismo norte-americano. Em maré regressiva, o aroma vintage estende-se agora à Venezuela com a recuperação dos tiques de polícia contra os recalcitrantes no seu quintal das traseiras.

Foi com o presidente James Monroe, em 1823, que se estabeleceu a teoria de que a América – do norte - é para os americanos e a América do sul é o seu quintal das traseiras, orientada que foi esta doutrina contra o papel imperial da Grã-Bretanha e de outros europeus que colonizavam na altura vastas regiões do continente.

A recente torné sul-americana do secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, é disso ilustração caricatural.

De facto a “nova” política americana é apenas uma receita retirada do armário da naftalina, empobrecida, e sem condição para contrariar o declínio de uma América (do norte) com dificuldades na competição económica mundial e às voltas com uma gigantesca dívida.

A ameaça de intervenção na Venezuela é imperialismo bruto, à antiga, de canhoneira, como se dizia, para impor a apropriação dos imensos recursos naturais desse país (a Venezuela terá uma reserva de petróleo superior à da Arábia Saudita), pois tanto deles precisaria para tentar retomar dinamismo de acumulação, agora que está em recuo face a polos bastante competitivos no resto do mundo.

A geoestratégia sugere de resto que a arrogância de Donald Trump visa reverter a importância da China como aliado estratégico da região. Ultimamente cresceu o intercâmbio comercial entre a China e a América Latina, assim como os investimentos chineses em infraestruturas e programas de cooperação na área tecnológica. Já não é a Gra-Bretanha de outrora, mas a China de hoje que justificará este regresso a Monroe.

Esta repescagem traduz, contudo, os limites e o carácter obsoleto, passadista, das receitas imperialistas largamente desfasadas do mundo atual. A multipolaridade do mundo revela-se contra a posição americana e de alguns seguidores europeus e confronta-os com o isolamento na ONU e na Organização dos Estados Americanos, onde o México lidera a oposição ao cowboy do norte. Se olharmos ao resultado medíocre das intervenções americanas recentes no médio-oriente e Afeganistão podemos justamente duvidar da capacidade real dos EUA, no plano político-militar, para concretizar o requentado e caricatural imperialismo no terreno.

Para além de confrontar a comunidade mundial, será substancialmente inviável afrontar o sentimento nacional venezuelano que une objectivamente classes baixas, populares, e elementos da burguesia, no seu apego ao espaço nacional, livre, para decidir do seu desenvolvimento. Importa é claro que a direcção da revolução bolivariana saiba identificar e corrigir erros e alargar alianças. É aliás ilusório pensar-se, como parecem fazer os decisores imperialistas, que um maior acesso a matérias primas permitiria recuperar a posição dos EUA face aos competidores. É bastante absurdo situar no petróleo o cerne da recuperação da hegemonia quando o mundo anda a desbravar a tecnologia 5G, as células estaminais ou a inteligência artificial.

Podemos portanto pensar que o reaparecimento de um imperialismo fora de moda, caricatural, onde as companhias americanas do norte pretendem impor e regular governos no quintal das traseiras, seja a resposta de sectores do capital à profunda crise de 2008. Esta resposta rompe com a antiga desregulação para se proteger por via aduaneira do dinamismo dos competidores, promove as políticas identitárias, xenófobas e de extrema direita, para iludir uma opinião pública insegura com as ameaças que resultam da devastação social e económica do desenfreado liberalismo anterior. Agir inclusive com ameaças militares a países soberanos e neles impôr soluções políticas da sua conveniência é o corolário desta recuperação disparatada da doutrina Monroe. São incontáveis as intervenções americanas para imposição e em apoio a ditaduras sangrentas, na Venezuela e noutros países na América Latina.

E a consciência e a memória do mundo – e da própria opinião pública americana – acabarão por derrotar esta nostalgia imperial sem qualquer sustentação no mundo atual. O novo/velho imperialismo não pode e não vai passar.

2. O seguidismo do governo: Embora se diga que a social-democracia tem margem para se autonomizar da hegemonia burguesa estrita, por nela se inserirem sectores de trabalhadores, a verdade é que há domínios onde se mostra intransponível a fratura com o resto da esquerda e a incompatibilidade com o apego humano à ideia de solidariedade internacional.

É absolutamente nauseabundo que o governo de Portugal, e o seu seráfico ministro dos negócios estrangeiros, venham sujeitar-se aos ditames da reação mais obsoleta e ao comando de Donald Trump servilmente reconhecendo a marioneta vende pátrias na Venezuela, meses depois de uma eleição presidencial reconhecida internacionalmente. Outros países europeus recusaram esse seguidismo, com destaque para o Governo grego do Syriza.

O papel do agente americano em Caracas é o de gerar uma encenação que cubra de alguma forma o golpismo em marcha e a insinuada intervenção manu militar americana agora que os EUA regressam e regridem para a linha deja vu de polícia do seu quintal das traseiras.

Não chega aos socialistas o descalabro em que mergulharam em décadas recentes os partidos social-democratas nos vários países da Europa precisamente pelo seu enfeudamento ao “amigo” americano.

Não lhes chega a desonra de Tony Blair a entrar no conselho de guerra que levou ao fiasco da intervenção no Iraque e originar toda a catástrofe subsequente.

Nem parecem compreender o Estado em que está a União Europeia em caminho cego para um desmantelamento por via dos avanços proto-fascistas, na esteira de uma política de direita hegemónica na Comissão Europeia de que são cúmplices e que impede o continente de se tornar num lugar aprazível para a solidariedade dos povos.

Nem sequer param para pensar quando Donald Trump proclama com insistência o seu propósito de ajudar a desmantelar a União Europeia.

Nesta questão, a esquerda que deseja construir uma alternativa de governação, à esquerda, em convergência com o centro-esquerda, não pode deixar de exprimir o seu mais profundo repúdio pelo alinhamento servil do governo de Portugal para com Washington. Só combatendo de forma intransigente a deriva submissa do governo do partido socialista é que se estará precisamente a defender as condições ulteriores para uma convergência.

A América do Sul está sem dúvida confrontada com desafios muito difíceis, o maior dos quais é o de encetar a via do desenvolvimento com vista à coesão e o socialismo. O caminho é difícil porque não há roteiro para a política de transição nem para guiar a constituição de alianças pertinentes que sustentem de forma alargada as reformas e transformações necessárias.

O nosso papel enquanto esquerda apostada na derrota do imperialismo é a de conseguir gerar condições de desenvolvimento progressista em Portugal e apoiar as forças da democracia e do progresso em todo o mundo incluindo neste caso a Venezuela e a América do Sul.



 
a venezuela é de quem?
Enviado por Maria Armandina Maia, em 18-02-2019 às 13:26:08
Concordo plenamente com o teor deste artigo, que articula vários pontos importantes para perceber o que se passa na venezuela.

A posição europeia é profundamente condenável, aliás, configura um ataque (por enquanto desarmado) a maduro, que é ainda o único presidente.
Estranhamente, a abertura de maduro para a realização de eleições legislativas foi literalmente ignorada pelo 2auto proclamado".

É um golpe de Estado que está em curso. Portugal perdeu a face, ao juntar-se às vozes dos golpistas.

A ver vamos.
As verdadeiras forças revolucionárias da Venezuela deviam depor MADURO, por falta de competência política e por ser um "revolucionário" apenas palavroso.
Enviado por Fernando Oliveira, em 17-02-2019 às 19:54:03
Estou, no fundamental, de acordo com a análise do Paulo Fidalgo.
Contudo, e apesar da obrigatória solidariedade internacionalista a um processo revolucionário progressista nos seus fundamentos teóricos, em minha opinião, há que prestar uma atenção detalhada às incoerências e aos erros crassos de Maduro e da sua equipa, para travar o passo à tomada do poder pelo TRUMP e sus muchachos :

1 - Marginalização do PCVenezuela dos centros de decisão política, mas tentando sempre o contrário.

2 - Manter na mão dos contra-revolucionários, desde sempre e mesmos nas condições actuais de contra-revolução activa, o controle político e económicos de todos os sectores básicos da economia, com excepção do petróleo. Eles dominam o comércio externo, a distribuição interna, os preços, grandes órgãos de comunicação social, incluindo TVs.

3 - Estar confiante em relação à fidelidade das altas patentes militares, esquecendo a experiência histórica próxima e dolorosa. ALLENDE, muito mais revolucionário que Maduro, cometeu muitos erros em relação aos militares, de que se destacou a promoção de Pinochet dias ou semanas antes do golpe fascista por ele desferido.

4 - Na decorrência dos erros salientados em 2., mais não tem feito que permitir a miséria e as carências generalizadas que lançaram milhares e milhares de trabalhadores e outros potenciais aliados para os braços da contra-revolução.

5 - Sem substimar o golpismo, as chantagens e os bloqueios dos yanques, algo mais podia ser feito para bem do Povo e nunca facilitar a adesão de massas populares à reacção.

6 - A melhor solução passaria pela acção de um Comité Revolucionário que depusesse Maduro, declarasse o estado de excepção e assumisse o controle total dos sectores estratégicos da economia, comunicação social e Forças Armadas, com resposta imediata às principais carências da população pobre e trabalhadora.

É um caso típico de uma situação de excepção que exige medidas de excepção que julgo viriam a ter o apoio de muitos Povos e Cidadãos de todo o Mundo.

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