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04 DE AGOSTO DE 2017, SEXTA FEIRA
FONTE: RC
Jantar de Verão da Renovação Comunista
Intervenção política
No dia 3 reuniram-se em convívio político membros da Associação Renovação Comunista para debater a situação política e dar início às celebrações da Revolução de Outubro que este ano perfaz a data redonda de 100 anos! Publicamos a intervenção de Paulo Fidalgo na ocasião.
Camaradas

Avançamos com este encontro por necessidade política óbvia.

É de toda a necessidade falar do projeto comunista quando vivemos a celebração dos 100 anos da revolução de Outubro e estamos a 2 anos de celebrar os 70 anos da Revolução Chinesa e da Fundação da República Popular da China.

Sem exercer força material aparente na arena política, sem dispor de representação nos órgãos de Estado, colocou a Renovação Comunista desde a sua fundação, no centro da agenda, o principal problema do nosso tempo: o problema do comunismo, de construirmos uma terra sem amos, face à barbárie que o capitalismo vem assumindo, às infindáveis crises sísmicas na economia, à chocante alienação da maioria da humanidade dos benefícios da civilização, e do horror dos corpos dos excluídos nas grandes metrópoles capitalistas, uma espécie de Walking deads sociais.

Construir um mundo de produtores livres associados,

,em cooperação,

,com democracia no desenho do projeto e finalidade da produção,

,com democracia na organização do trabalho e com apropriação pelos trabalhadores associados do produto do trabalho comum!

É este o cerne do nosso projeto enunciado há quase 170 anos!

Marx e Engels estabeleceram, no nosso documento fundador que, “desaparecidas no curso de desenvolvimento as diferenças de classes e concentrada toda a produção nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perde o carácter político". O que questiona portanto qualquer centralidade ou relevo do Estado na visão mais abstrata e distante do nosso projeto em oposição à estatolatria vigente em muitos na esquerda.

Também disseram os clássicos que “As proposições teóricas dos comunistas não repousam de modo nenhum em ideias, em princípios, que foram inventados ou descobertos por este ou por aquele melhorador do mundo. São apenas expressões gerais de relações efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico que se processa diante dos nossos olhos.” “ O comunismo é a descoberta e consciencialização do movimento real das coisas” e nisso faz-nos recusar utopias ou sonhos inconsistentes.

Duas reafirmações do nosso ideal insertas precocemente do documento fundador que se aproxima da idade redonda dos 170 anos:

O comunismo é “o livre desenvolvimento de cada um” como “condição para o livre desenvolvimento de todos.” E é este o ethos comunista primeiro no desenho das nossas propostas desde logo colocado em relevo no manifesto da Renovação Comunista!

E o segundo ethos, igualmente formulado com precocidade é que, “no processo de edificação do comunismo”, “por toda a parte os comunistas trabalham na ligação e entendimento dos partidos democráticos de todos os países”.

Os fundadores da nossa associação lutaram e lutam, sem oscilação, pela construção de um compromisso político alargado que abra caminho à transformação da sociedade e da economia.

Foi para aumentarmos a nossa capacidade de intervenção em prol da convergência que nos batemos dentro do PCP pela hegemonia da linha unitária, expoente dos momentos mais exaltantes da história do PCP, e para que fosse impedida uma deriva sectária desligada de um projeto transformador.

Foi nesse sentido que nos empenhámos na construção de uma solução de convergência na Câmara de Lisboa para bater a direita.

Foi nesse sentido que nos batemos por candidaturas presidenciais de convergência e geradoras de novas pontes entre o centro-esquerda e a esquerda.

E criticámos a cegueira das moções de censura que levaram à vitória da direita, e aos governos terríveis de Passos Coelho.

Batemo-nos pela mais larga oposição ao governo da direita e insistimos, sem descanso, numa solução de convergência de governo alternativo cuja mera admissão teria seguramente levado à interrupção muito mais cedo da governação da direita.

Candidatámo-nos em unidade nas últimas legislativas para erguer bem alto a consigna em favor de uma nova maioria de governo no país.

E esse resultado acabou por ser surpreendentemente alcançado, com estrondo, o que nos deu uma imensa alegria. Deu-nos uma imensa alegria que a enorme pressão das circunstâncias, e do povo, fizessem à última da hora vencer velhas querelas, levassem a uma nova maioria e ao virar da página do austeritarismo.

E creio camaradas que a nova situação criada modificou radicalmente os dados e o contexto da nossa intervenção! As circunstâncias mudaram, logo, a nossa ação dever mudar em conformidade.

Creio que estamos a conseguir romper neste quadro muito exigente em que a influência na área da governação exige audácia, exige luta cerrada por mudanças e reformas sem as quais a esquerda e o centro esquerda perderiam energia e deixariam de ser os agentes para a construção de um mundo novo, a sério.

Na nova situação, o cerne do processo histórico não é tanto a contradição com a velha direita imobilista, mas no debate de ideias e projetos que possam florescer no seio da esquerda e do centro-esquerda, perceber quem vê mais longe e de forma mais clarividente a necessidade de reformas que levem a um país e a uma Europa novos. Reunir forças para a mudança é a questão e o sentido da nossa ação.

Camaradas, com os nossos pais fundadores dizemos que a corrente comunista não esconde a sua agenda e procura ser clara quanto ao que queremos edificar.

Nós não desistimos de lutar pelo aprofundamento político desta solução e de alcançar um compromisso de maior envolvimento da esquerda com o PS.

Sabemos das grandes dificuldades para isso ser conseguido mas queremos unir, socialistas, comunistas e bloquistas, em projetos que ampliem a base social de apoio a esta solução. Nós não escondemos que queremos um governo com maior e mais clara participação da esquerda com sentido reformador efetivo. Nós compreendemos que a transformação é desejavelmente impulsionada a partir de baixo, mas o sentido transformador só consegue consolidar-se e alargar-se com remodelação política na esfera da governação, essencial para apoiar a energia dos de baixo.

FAÇAMOS POIS UM VIVA AO GOVERNO APOIADO PELAS ESQUERDAS!

É absolutamente extraordinário, camaradas, que a celebração dos 100 anos do grande Outubro esteja a desencadear tanta discussão no mundo, tantas edições e iniciativas de celebração. É muito importante que os comunistas divulguem materiais como os velhinhos “10 dias que abalaram o mundo” desse exemplo máximo de comunista que foi Jack Reed, divulguem a história da revolução de fevereiro e outubro de Trotsky, e façamos igualmente a promoção de textos atuais, mesmo os deste ano, tão extraordinários como a prodigiosa crónica do processo revolucionário russo agora publicada por China Melville.

Tal como os trabalhadores da Andaluzia avançaram em 1917 para a ocupação de terras quando soou a notícia da revolução de outubro, no que foi uma afirmação extraordinária de messianismo e entusiasmo, também as crónicas como a de China Melville 100 depois nos emocionam e impulsionam a nossa ação.

Emociona-nos e mostra como continua a ser a nossa primeira obrigação, perante nós próprios, o sermos absolutamente fiéis ao milagre da revolução, esse acontecimento verdadeiramente singular e luminoso. O sermos fiéis ao milagre do 25 de abril, ao assalto do palácio de inverno, à comuna de paris, à independência das colónias americanas, à revolução francesa e à extraordinária epopeia dos Jacobinos negros no Haiti. A nossa associação é, e procurará ser, fiel ao milagre da revolução e às ideias da transformação social. E hoje, no centésimo aniversário do grande Outubro, nós insistimos com entusiasmo no nosso vínculo a esses milagres.

Bom camaradas, nós somos fiéis ao milagre, para usar a expressão do comunista Alain Badiou, mas não perdemos sentido crítico, bem pelo contrário. Nós avaliamos todos os desastres e desvios que muitos, e muitas vezes em nosso nome, conduziram o movimento ao impasse e à derrota. Nós temos a clara consciência hoje do rigor dos termos e sua significância. Nós percebemos que a mera estatização da propriedade burguesa não pode ser mais do que uma transição para um modo de produção em que os produtores, em democracia, se apropriam dos excedentes e controlam o processo e a finalidade da produção. Estatização nada tem que ver com socialismo e quem continua a confundir as coisas, merece a nossa crítica.

Nós percebemos, também, que o nacionalismo não foi mais do que uma tática para lidar com a luta pela libertação do domínio imperialista mas que esse mesmo nacionalismo perde relevância quando queremos abrir caminho para uma economia avançada socialista. Aí, queridos camaradas, a questão nacional tende a tornar-se um entrave à consciência dos povos e dos trabalhadores. Por alguma razão nunca vocês ouviram aos nossos pais fundadores falar em nacionalismo, Marx, Engels, Lenine, Rosa, qual deles esgrimiu nos seus programas a tecla nacional?

A nossa associação tem sobre os processos supranacionais, neste caso sobre a UE, uma posição clara: nós percebemos que a solução para os problemas do socialismo passa por uma alteração de forças alargada ao continente e que as necessidades de uma economia alternativa, nascente, exigem a mobilização de todos os recursos e inteligência dos povos da Europa.

Para dar a volta isto, temos a clara consciência que temos de ter a esperteza de construir alianças em toda a Europa para conseguirmos dar a volta à própria UE.

Contrariamos todavia o ponto de vista soberanista porque a sua afirmação representaria o fim da União Europeia, sem que nada de bom viesse em substituição. Pela nossa parte poderemos não conseguir evitar a deriva soberanista, mas não seremos nós a impulsioná-la.

Camaradas

Fala-se que o PS está à beira da maioria absoluta e que a esquerda caiu outra vez na asneira de ser uma bomba de ar que enche o balão socialista!

Para os pessimistas, estamos a repetir o que se passou na França do programe commun, ou o que se passou em Lisboa com a coligação entre PCP e PS no tempo de Jorge Sampaio em que os socialistas cresceram e a esquerda se enfraqueceu.

Nos nossos debates, esta questão é recorrente. Mas já que estamos em maré de evocar o grande Outubro, vejam como resolveram o problema os bolcheviques no seu contexto peculiar, revolucionário.

Eles, em concreto Lenine, nunca transigiram no programa da ação própria. Eles mantiveram intacta a sua visão programática e tudo fizeram para entrar em compromisso com mencheviques e outras forças, nos meses de brasa. Foram afinal os mencheviques que entraram em bancarrota, porque recusaram pôr fim à guerra e recusaram resolver o problema da terra. Isto é, não é a questão do compromisso que enfraquece ou dá força. O que enfraquece ou dá força é o programa de ação política. A esquerda não dá força ao PS por entrar em compromisso com ele. A esquerda ganha força se convencer o país de que as suas propostas são as melhores. É por isso que a ação da esquerda em domínios como a saúde, pressiona uma evolução efetiva e, a todos, a todos mesmo, incluindo os socialistas, disso tirarão vantagem.

É exemplar a este propósito a luta que profissionais de saúde, declaradamente apoiantes desta maioria parlamentar, estão a empreender com propostas inovadoras que remodelam a política de saúde e se demarcam do continuismo de que dá mostras o atual ministério, em nada se distinguindo do que foi a anterior governação da direita.

Camaradas, há que compreender que o PS possa realmente alcançar um grande resultado por atrair anteriores eleitores do PSD e do CDS, tal é a miséria da sua representação tradicional.

Saber captar os apoios de antigos eleitores de direita não é uma coisa má. Oxalá nós aqui conseguíssemos também ser capazes de atrair antigos votantes nos partidos de direita que de resto influenciam sectores de trabalhadores. O problema não está em ter sucesso com antigos eleitores da direita.

O problema está em, para fazê-lo, ser-se tentado a virar à direita.

Se o PS conquistar apoios de antigos eleitores de direita e a esquerda não o conseguir, isso será mérito do PS e demérito da esquerda. Outra coisa, imperdoável, é alguém no PS pensar que o Partido Socialista tem algum futuro se, em vez de procurar acordos à esquerda, decidir antes recuperar os velhos negócios como se não tivesse havido crise, e o país não precisasse de mudanças estruturais, absolutamente essenciais para vencer o atraso, ganhar prosperidade e precaver-se melhor contra novas e possíveis ondas de crise.

Nós percebemos bem como sectores que a nosso ver são minoritários, mas influentes, dentro e fora do PS, favorecem um imobilismo estratégico na governação, na esperança de conquistar uma maioria absoluta para se livrarem da esquerda.

Na verdade, tem significado bem diverso, o Partido Socialista alargar e conquistar mais votos e força parlamentar em convergência com a esquerda ou, conquistar essa força, por cortar com a esquerda e imitar as políticas de direita.

Para os protagonistas na luta contra a maioria da direita e do austeritarismo, onde se incluem obviamente os socialistas, não faz qualquer sentido abdicar daquilo que tem sido a chave da estabilidade política: a convergência entre a esquerda e o centro-esquerda.

A nossa associação tudo tem feito para aumentar a consciência em como é importante passar a uma fase que vá bem mais além das reposições económicas e de rendimentos que juntaram esta maioria. É cada vez mais claro que a energia para tal, tem de vir dos agentes históricos que antes decidiram caminhar juntos para afastar o governo da direita. E temos confiança que os socialistas não se afastarão da única receita que fez deles a força socialista melhor sucedida na Europa: a convergência com a esquerda.

A atual maioria só sobreviverá e só responderá perante as responsabilidades históricas de que foi investida pelos portugueses, se se renovar e chegar a novos e mais aprofundados compromissos que levem o país para novos patamares de desenvolvimento.

Em escritos antigos, era habitual opor-se reforma à revolução (Rosa De Luxemburgo, Reforma ou Revolução) quando afinal a Rosa do Luxemburgo o que defendeu, perentoriamente, foi que não era essa a questão. A questão era, e é, perceber que o país carece de um programa e de uma agenda transformadora pela qual valha a pena lutar em vez de andar ao sabor do taticismo.

Camaradas

Os próximos meses são meses de grande exigência política. A Renovação Comunista age para favorecer um bom resultado autárquico para a esquerda. Daremos a máxima energia à construção de propostas de reforma nos domínios sociais que se revelam cada vez mais uma arena por onde disputam os interesses contraditórios da nossa sociedade e por onde se sente mais a obstrução dos imobilistas que não querem andar para a frente e querem que fique tudo como está. É na edificação de uma verdadeira agenda de reformas, que se vai alimentar a força da convergência entre o centro-esquerda e a esquerda e será por aí que esta solução política poderá ser renovada.

Viva a aliança entre o centro esquerda e a esquerda,
Viva a Renovação Comunista.




 

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