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21 DE JULHO DE 2017, SEXTA FEIRA
FONTE: RC
POR: Paulo Fidalgo
Pintura Abstracta
Uma parábola do célebre quadro de Reinhart, "Pintura Abstracta", com a situação política portuguesa, só na aparência calma e sem muito importantes disputas na base.
O quadro “Pintura Abstracta” de 1963 por Ad Reinhart e exposto no MoMa (museu de arte moderna de New York) é uma peça perturbadora. Na entrada da sala, deparamos com uma superfície negra a óleo, em destaque. Como se uma superfície negra pudesse alguma vez representar um exercício com relevância. Reagimos com uma certa irritação do género “qualquer um, ou mesmo eu, podia fazer uma coisa assim tão sem graça”. Realmente, nada mais desinteressante do que uma superfície negra – sabemos que o negro é a ausência de luz, um vazio no espectro das cores. O negro evoca o tempo e o espaço vazios antes do tempo, antes do Genesis, antes da separação das trevas e da luz. Pela ausência de significado, esse tempo e esse espaço não parece ter história nem devir, é antes uma estagnação ou quando muito um movimento constante, regular de partículas paralelas na descrição da filosofia do momento de Althusser.

Por nos desafiar, o quadro obriga-nos a olhar com proximidade à procura de uma qualquer aresta ou acidente que nos prenda a atenção naquele deserto absoluto. E deparamos, então, com uma superfície composta de quadrados pequenos, todos negros é certo, mas com diferentes e incrivelmente prodigiosas tonalidades múltiplas de negro. Percebemos surpreendidos que pode haver um negro avermelhado, um negro esverdeado, um negro azulado e por aí em diante. Afinal, debaixo da aparência de uniformidade fervilha um prodigioso mundo de cores, interpelando-nos na nossa superficialidade de análise e mostrando que é um erro fácil tomar a aparência pela essência pois que, se por absurdo, fossem ambas iguais, não haveria lugar à ciência, nas célebres e sábias palavras de Marx (Se a essência fosse igual à aparência não haveria necessidade de ciência.Karl Marx).

A meio do mandato do governo do Partido Socialista, apoiado na Assembleia da República pela esquerda parlamentar, vive o país um clima de aparente calmaria política antes de entrar em campanha autárquica. A calmaria quase digna do célebre quadro de Reinhart não fossem imponderáveis da natureza ou da malandrice, como terá sido o intrigante policial das armas de Tancos, é um resultado na aparência uniforme, porém de origens motivacionais bem díspares como se nota quando se olha mais de perto.

Os trabalhadores, os socialistas e a esquerda conseguiram livrar-se da horrível maioria da direita mais retrógrada de Passos Coelho, e folgam as suas sacrificadas costas do pau do austeritarismo, conseguindo recuperar alguns rendimentos, mas tardam em colocar em cima da mesa os interesses mais estratégicos, próprios, de reforma económica e social.

As camadas intermédias que tinham pressentido o perigo que para elas essa política representava, se bem que muito relutantes em acordos com os debaixo, acabam por respirar e retomar alguns negócios fruto de uma distensão maior no clima económico internacional, cavalgando a onda do turismo e dos negócios do imobiliário, em alta.

As classes dominantes, essas foram para já colocadas em dificuldade por terem sido surpreendidas com a convergência entre o centro-esquerda e a esquerda. Não obstante, a sua capacidade de reagir apresenta várias possibilidades de evolução, depois da incapacidade mostrada por Passos Coelho para conquistar base de apoio. As classes dominantes não enjeitam a possibilidade de avançar para um desafio mais aberto à ordem democrática, afinal um empecilho aos seus desígnios pois quanto mais não seja possibilita surpresas como a formação da presente maioria. Daí alguns afloramentos como a candidatura fascista nas listas do PSD, em Loures, movimentos de militares reacionários e fenómenos de caudilhismo autárquico que, não sendo recentes, parecem outras vez pontificar nas próximas eleições. Há pois uma possibilidade digamos, radical, de direita, em embrião que aqui e ali levanta a cabeça. Mas é claro, outras possibilidades evolutivas existem para a direita e nada impede que o jogo da representação política possa ser jogado em simultâneo em vários tabuleiros. Pode desde logo ser jogado numa mudança de liderança nos partidos tradicionais, porventura inspirados a partir do polo presidencial, na esteira de um resultado autárquico considerado insuficiente e deite Passos Coelho pela borda fora. Pode ainda ser jogado, e aqui importa ter particular atenção, numa reorientação do Partido Socialista se os dados das consultas de opinião mostrarem uma migração de votos da área do PSD para o PS por uma burguesia que deixou de confiar na competência do PSD e procura livrar o PS, supostamente bem posicionado para governar, de depender de acordos com os debaixo. Uma aposta de muitos eleitores, antes votantes na direita, num Partido Socialista que se quer moderado e capaz de captar as boas graças das instituições europeias. Um Partido Socialista que ajude a recuperar os velhos negócios como se não tivesse havido crise e o país não precisasse de mudanças estruturais, absolutamente essenciais para vencer o atraso, ganhar prosperidade e precaver-se melhor contra novas e possíveis ondas de crise.

Daí se perceber um clima de imobilismo estratégico na governação, porventura pelas apostas de vários sectores, à direita, mas porventura no PS também, na esperança de conquistar uma maioria absoluta ao virar da esquina. Essa maioria impede acertar novos compromissos com a esquerda e faz não mexer ondas na esperança do poder cair do céu e facilitar transferências de voto perdidos pelo PSD.

Na verdade tem significado bem diverso, o Partido Socialista em convergência com a esquerda alargar e conquistar mais votos e força parlamentar ou, conquistar essa força, por cortar com a esquerda e aproximar-se e imitar as políticas de direita. Nada que o PS não tenha apostado no passado.

Para os protagonistas na luta contra a maioria da direita e do austeritarismo, onde se incluem obviamente os socialistas, não faz sentido deixar inflectir a direção das políticas para a direita abdicando daquilo que tem sido a chave da estabilidade política: a convergência entre a esquerda e o centro-esquerda. E cresce em sectores vários, como os sindicatos e em quadrantes da ação política, a convicção de que o país precisa de ir além das reposições económicas e de rendimentos que juntaram esta maioria e enfrentar sérios desafios de reforma. É cada vez mais claro que a energia para tal, tem de vir dos agentes históricos que antes decidiram caminhar juntos para afastar o governo da direita. Significa isso que, num quadro de disputa de posições como o que estamos e estaremos a viver nos próximos anos, são as tensões e debates no seio do centro-esquerda e da esquerda por onde pode vir a energia e a vitalidade para tornar este país um sítio mais aprazível para se viver.

É exemplar a este propósito a luta que profissionais de saúde, declaradamente apoiantes desta maioria parlamentar, estão a empreender para reorientar a política de saúde com o lançamento de propostas inovadoras que remodelam a política de saúde e se demarcam do continuismo que o atual ministério dá mostras de ser adepto, em quase nada se distinguindo do que foi a anterior governação sectorial da direita.

A atual maioria só sobreviverá e só responderá perante as responsabilidades históricas de que foi investida pelos portugueses, se se renovar e chegar a novos e mais aprofundados compromissos que levem o país para novos patamares de desenvolvimento. Neste sentido , a calmaria aparente da superfície negra do quadro de Reinhart tem de ser vivificada pela energia política das forças convergentes que disputam objectivos, procuram novas resultantes políticas e conseguem deter a iniciativa histórica.

Em escritos antigos, era habitual opor-se reforma à revolução (Rosa De Luxemburgo, Reforma ou Revolução) quando afinal a célebre autora do texto afirma perentoriamente que não era essa a questão. A questão era e é perceber que o país carece de um programa e de uma agenda transformadora pela qual valha a pena lutar em vez de viver no imobilismo e espontaneismo que voga ao sabor do taticismo.


 
Solução de Governo
Enviado por Democrata, em 23-07-2017 às 23:07:26
No dia em que o Partido Socialista abandonar esta solução de governo, perderá todo o apoio que lhe tem sido dado pelos cidadãos.
O Partido Socialista (PS), Bloco de Esquerda (BE), Partido Comunista Português (PCP), Partido Ecologista Os Verdes (PEV) tem de perceber que os cidadãos apoiam e apoiarão no futuro esta frente progressista, que congrega no seu seio objectivos e políticas comuns para o bem-estar dos cidadãos e o revigoramento da República.
O direito ao trabalho, dignidade, bem-estar económico e social, saúde, e educação, são baluartes comuns dos partidos desta solução de governo, que a imensa maioria dos cidadãos apoia, e pretende que a mesma assim continue.
O negro
Enviado por Boaventura de Sousa Santos, em 22-07-2017 às 09:46:25
Gostei muito da sua analise politica com a qual estou de acordo.Só nao gostei do primeiro parágrafo onde fala da cor negra.Punha-se na pele de um jovem negro ou de uma jovem negra e tente imaginar o ataque à sua auto-estima que a leitura do paragrafo representa. Saudaçoes cordiais. Boaventura

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