04 DE MAIO DE 2016, QUARTA-FEIRA
FONTE: RC
POR: Cipriano Justo
Qual delas é para valer?
Não passou desapercebido a Cipriano Justo o contraste entre o que foi a visão anunciada pelo Ministro da Saúde há meses atrás, para as reformas da saúde, e o recente plano de reformas que o governo apresentou onde inclui o que parece ser o essencial da sua orientação actual para a saúde. Na nova visão reduziu-se o horizonte e focou-se o alvo em ponto estreito em desconformidade com as necessidades de mudança estrutural de que carece a polÃtica de saúde.
O anúncio do Plano Nacional de Reformas, a ser executado durante o mandato do governo, veio causar perplexidade na área da saúde, considerando que poucas semanas depois da tomada posse foi anunciada pela respectiva tutela uma reforma do Serviço Nacional de Saúde. A qual assentava num conjunto de medidas a serem tomadas nos cuidados de saúde primários, nos hospitais e nos cuidados continuados. São, aliás, publicamente conhecidos os termos de referência para cada uma destas valências. O que aquele Plano agora afirma é algo substancialmente diferente das intenções manifestadas pelo ministro da Saúde. Textualmente: “Vão ser injetados 1,3 mil milhões de euros nos hospitais portugueses para ajudar a pagar dÃvidas, e a saúde vai passar a ser um pouco mais leve para muitos utentes. O Governo tem intenção de abolir as taxas moderadoras para doentes referenciados pelo médico de famÃlia, INEM ou centros de atendimento do Serviço Nacional de Saúde, contratar 500 médicos aposentados, aumentar o número de transportes gratuitos e abrir mais unidades de saúde mental e de cuidados paliativosâ€.
Não sendo contraditórios, os dois documentos revelam, no entanto, diferentes concepções do que é prioritário no sector. Do projecto da tutela o governo recupera as medidas que dizem respeito à s taxas moderadoras, à contratação de médicos aposentados e à abertura de mais unidades de cuidados paliativos. Tanto quanto a lógica das decisões polÃticas autorizam perceber, estas serão, portanto, as medidas nas quais o governo vai investir prioritariamente, além dos 1,3 milhões de euros para pagar dÃvidas a fornecedores. O programa de reforma do SNS ficava muito aquém do que é necessário fazer, sobretudo em áreas que actualmente são prioridades noutras latitudes e há muito estão vertidas em recomendações por organizações internacionais, como a OMS – a promoção da saúde e a prevenção da doença. O Plano do governo, por sua vez, dá particular relevo aos aspectos financeiros do sector. Contudo, qualquer que seja o julgamento que se faça dos dois documentos, tanto o Plano do governo como no Programa da tutela são particularmente anémicos no investimento que fazem naquelas medidas.
Porventura a inconsistência e o casualismo de um e outro não deixarão de estar associados à ausência completa de uma polÃtica de saúde. E esse défice autoriza à pior actuação em polÃtica: limitar a acção à reacção aos problemas, os presentes e passados. Quando, ao contrário, estão criadas condições polÃticas para se promoverem e concretizarem mudanças necessárias e exequÃveis, há que ter a ambição suficiente para empreender o que há para fazer. E neste sector, por mais voltas que deem, sem uma infraestrutura intersectorial local, se não se envolverem as comunidades e os actores sociais de proximidade na concretização das decisões que diariamente se tomam, e naquelas que se projectam no médio prazo, a entropia gerada por uma burocracia profissional como o SNS acaba por exigir novas intervenções a curto prazo de maneira a reduzir as tensões e disfuncionalidades constantemente geradas no seu interior.
Pode, por isso, afirmar-se que tão limitado é o Plano do governo como o Programa da tutela porque não respondem à principal questão que uma polÃtica de saúde está obrigada a responder – quanto da sua acção contribui para manter a população saudável. Considerando as lições que trinta e sete anos de SNS proporcionaram a quem durante esse tempo anos esteve atento à sua evolução, será pouco mais do que marginal o resultado das medidas que vão ser aplicadas.