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02 DE DEZEMBRO DE 2015, QUARTA-FEIRA
POR: Paulo Fidalgo
Resposta a João Semedo
O que tarda em mudar, no campo da esquerda…
João Semedo, dirigente do BE, interpelou a RC em artigo ao Público de 20-11-15, sob o título "António Costa e a esquerda: o que mudou?". Nele se sublinha a "singularidade" do momento político e a suposta falta de razão dos que há longos anos, como a RC, achariam que a história teria confirmado a bondade dessas posições antigas quanto à necessidade de uma convergência entre o centro-esquerda e a esquerda. Nesta réplica procura-se sustentar a tese alternativa, de que o presente momento tem história e antecedentes e de modo algum pode ser obra do acaso.
João Semedo foi membro da Renovação Comunista da qual se afastou, e foi coordenador do Bloco de Esquerda, partido onde mantém intervenção qualificada.

Interpelou agora a Renovação Comunista acerca da nossa linha de busca constante, há longos anos, por uma saída de convergência entre o centro-esquerda e a esquerda como solução adequada para desbloquear os atrasos em que país se encontra. A nossa contribuição cifrou-se em acção política concreta e na superação de antigas querelas programáticas entre comunistas e socialistas, como é o caso da questão europeia.

Afirma João Semedo que a responsabilidade pela longa noite de desentendimentos entre o PS e o resto da esquerda se deve às escolhas inaceitáveis, precedentes, do PS. E se há alguem com culpas desses desentendimentos é o PS, não quero discordar. Agora, defender que o BE, ao contrário, foi um campeão insistente a favor da convergência não tem fundamento. Cito apenas o caso do governo minoritário de Sócrates e como a ação da esquerda acabou por permitir, na altura, a ascenção da direita de Passos e Portas de má memória.

Nessa altura, em Março de 2011, escrevi: “Ao deitar abaixo um governo atolado nas contradições da crise das dívidas soberanas, minoritário e forçado a constante negociação, a esquerda defendeu é certo os seus puríssimos princípios de intransigência política, o que no fundo quer dizer nenhuma capacidade de negociação nem foco em medidas concretas que aliviem imediatamente as angústias do povo, mas acabou por criar uma oportunidade soberana para a direita mais radical, com o seu vasto programa liberal para arrebatar o poder”[1].

Não foi infelizmente a convergência que norteou a táctica da esquerda, nessa altura, mas sim o desejo eleitoral, os clássicos diriam eleitoralista, para punir o PS e conquistar votos no seu território. Mesmo que para isso o país tivesse de mergulhar nas sevícias do poder da direita.

Privilegiar os interesses eleitorais, de grupo, em detrimento da defesa primeira do interesse popular, é má conduta que parece não mudar, apesar de todo o património teórico e ético na esquerda.

João Semedo ensaia uma explicação com o que designa como singularidade, neste caso feliz, quanto aos resultados eleitorais e à atitude pró-negocial de António Costa, para explicar a viragem para um compromisso. A noção de singularidade define um tempo e um espaço aonde não vigoram as leis da termodinâmica, logo, admite-se no fundo a falta de explicações racionais para o que está acontecer. A teoria da singularidade dá bastante jeito porque torna a política numa sucessão de episódios aonde não consta agenda consciente, conduzindo à absolvição de decisões passadas por não poderem ser sujeitas ao crivo de um critério racional.

Muito pelo contrário, o presente momento de convergência é o resultado de esforços no conjunto da esquerda e centro-esquerda, ao longo dos anos, e culmina precisamente uma tendência que se vinha acentuando, de resto manifestada em crescentes iniciativas de unidade.

Na verdade, ao contrário da ideia de singularidade, do inexplicável, a tendência para a convergência é tudo menos o fruto do acaso.

Não foi o acaso que fez frutificar o desafio de Catarina Martins na campanha ao dizer a António Costa que “esperava poder discutir com ele o futuro governo, no dia 4 de Outubro” e que terá dado um impulso significativo na votação. E não foi seguramente o acaso que fez frutificar o não menos brilhante momento de Jerónimo de Sousa quando, na noite das eleições, afirmou que “o PS só não forma governo se não quiser” mostrando abertura para um compromisso. O efeito viral na sociedade de ambas as declarações, não é nada singular e só pode ser explicado pela aprendizagem política dos últimos anos e pela enorme vontade em jogar fora o governo da direita.

É claro que há também uma decisão tácita subjacente na esquerda que tornou possível este entendimento: a questão da dívida e dos credores não figurou, e bem, como condição prévia a um entendimento imediato. Não que a esquerda, obviamente, tenha deixado de julgar indispensável conquistar posições quanto ao serviço da dívida. Considerou porventura a esquerda que a situação na Europa precisa de ser resolvida no contexto do fortalecimento de alianças anti-austeritárias nos outros países. Estas posições surpreenderam pela lucidez de quem as promoveu, e não podem também ser explicadas sem ter em conta o clamor que vinha de baixo, dos que no povo exigiam o imediato afastamento do governo de direita.

O que se pede agora à esquerda é habilitar-se para desenvolver o compromisso alcançado, dar-lhe maior profundidade, ir além dos pontos concretos e imediatos enunciados, e ganhar dinâmica e agregação de forças para empreender na remodelação que supere os desequilíbrios a que anos de deriva liberal conduziram o país. Tudo isso implica que a esquerda aprenda a governar, a ser parte de soluções de governação e a usar o espaço do Estado como alavanca de mudança. São necessários esforços exigentes, aqui e na UE, para aproveitar o momento governativo e lançar as bases para um Portugal novo.

[1] Governar à Esquerda é o caminho ver aqui.

Paulo Fidalgo, Renovação Comunista


 

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