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24 DE JUNHO DE 2013, SEGUNDA FEIRA
António Mário Lopes dos Santos
Quatro milhões de maus portugueses?
O Ministério das Finanças enviou, segundo a imprensa diária, 4 milhões de cartas a cidadãos automobilizados, a fim de se dirigirem às delegações das finanças respectivas , se não o quiserem fazer pelo portal do ministério, a fim de legalizarem pagamentos em atraso. Em suma, há no mínimo, em relação ao imposto automóvel, 4 milhões de cidadãos que não cumpriram os deveres cívicos e são agora chamados, três, quatro anos depois, a demonstrarem que cumpriram aqueles, ou a ressarcir o Estado com os pagamentos em atraso, incluindo as respectivas coimas.
Espanta, em primeiro lugar, o número de arguidos, quase, se não mais de 40% da população adulta portuguesa. É demasiado estranho que parte significativa dos cidadãos lusos, segundo o critério do Ministério das Finanças, seja considerado arguido, isto é, um elemento desonesto para com o seu país, fugitivo dos deveres essenciais da cidadania, que é o contribuir com parte das suas rendas para o erário publico, de forma que haja dinheiro para o deve e haver da vida da Nação. E ainda mais estranho quando se aplica em 2012 essa devassa sobre anos passados, exigindo-se documentação comprovativa de anos antecedentes, onde ainda havia selo do carro, que se substituía por outro, no ano seguinte, ou, quando deixara de ser válido, se deitava fora por inútil, assim como o comprovativo respectivo. Tal número deixa suspeitas, mais ainda quando a maioria dos casos que fui conhecendo são de situações de troca de carro, de carro abatido, ou entrado em circulação depois da troca, com outro proprietário. Assim foi acontecendo no rol dos meus amigos. Quando, em cavaqueira de café, me queixei de ir pagar um imposto que já pagara, mas não tinha prova do acto, por ser em 2010, logo os dois amigos presentes me contaram que a eles também acontecera o mesmo. E quando um familiar meu se queixou de ter recebido documento em relação a 2009, quando o carro em questão já estava há pelo menos quatro anos na sucata, não deixei de associar toda esta raiva contra o fisco, com o pensamento nos quatro mil milhões de Euros que o governo decidiu ir buscar à má fila para satisfazer os credores agiotas que continuam a sugar uma país sangrado como os porcos nos matadouros. O que se tem passado nos locais das tesourarias da fazenda pública deveria merecer da Presidência da República, do Ministério Público, do Provedor da Justiça, dos partidos políticos, das centrais sindicais, dos movimentos de cidadãos, dos media nacionais, a atenção, a fotografia, o filme necessários. Dum lado, funcionários públicos incapazes duma resposta à avalanche do número de cidadãos que, entre a revolta e o silêncio ofendido, fazem bicha desde madrugada, muito antes da abertura das portas das finanças locais, para conseguirem uma senha que lhe permita despachar o seu problema o mais cedo possível. Por outro um sistema informático que, com tanto pedido de acesso e em sobrecarga, decide de forma continuada simular amnésia, impedindo não só a informação a que o cidadão tem direito, antes de qualquer outra acção – devo, como, quanto? Eu paguei. Porque pago de novo?

Lembro-me que nos casos de corrupção, a legislação impede que sejam conhecidas as contas do suspeito, e em pleno tribunal, o ónus da prova recai sobre quem acusa de suspeita de corrupção e não sobre o acusado. Tal legislação, feita por quem sabe como é difícil ultrapassar as teias e emaranhados dos interesses particulares sob os filtros e malhas entretecidas do direito, permite que, neste país, a corrupção seja endémica, ainda que sem vacina ou combate eficaz, pela justiça portuguesa.

No caso vertente, o ónus da prova tem de ser apresentado pelo infractor, já que o programa informático do Ministério das Finanças atingiu o papel divino – só ele sabe a verdade.

No meu caso, reafirmo que nunca deixei de pagar os meus impostos, incluindo os do automóvel. É estranho que, só a partir do ano em que entreguei o veiculo, por troca, e sem qualquer possibilidade de apresentar o que desapareceu, por já não ser válido, por fora de prazo, me surja e a 4 milhões com exemplos semelhantes, uma pena de incumprimento com coima incluída. Mas, como o programa informático divinizado tem muito pouco de credibilidade, à pergunta se posso ser esclarecido, não há possibilidade é a resposta que obtenho, porque o programa ou bloqueia, ou o funcionário, pressionado até ao limite da sua dignidade profissional, não consegue, ante a avalanche, o ruído, a exasperação, as péssimas condições de atendimento do local, com pessoas horas em pé, independente da idade, estado de saúde, à espera do que há-de vir, dar resposta ao que lhe é, constitucionalmente, solicitado.

Que o Ministério das Finanças arranje formas de receber o mais possível de impostos, não me admira. Admira-me o silêncio sepulcral do 1º magistrado da Nação, o dos partidos políticos da oposição, dos tribunais, do Ministério Publico.

Colocam-se quatro milhões de cidadãos na situação de maus portugueses, por uma situação, na grande maioria dos casos a que tenho assistido, impossível de demonstração, porque os ónus da prova, foram destruídos, devido à sua perda de validade, sendo substituídos por outros. Mas como é possível que durante três, quatro anos, o ministério das finanças não tenha agido conforme a lei, dentro do prazo de validade, e venha agora de forma retroactiva agir sobre um cidadão que só tem por si a certeza do dever cumprido. Mas como a palavra de honra perdeu qualquer valor, num mundo global de rapina e embuste, paguei uma vez mais o imposto dum carro que em 2012 entreguei por troca de outro, de que sempre tirei e paguei os impostos e, das vezes que fui mandado parar pela polícia de viação, para verificação de documentos, nunca me foi levantado nenhum processo por falta de pagamento do mesmo. E ainda não paguei a coima, porque me informaram que ela iria para casa e, quando quis pagar o imposto do ano em curso, no mesmo dia, foi-me exposto que era impossível, porque o programa não respondia. Nada tenho contra o atendimento,que reputo dentro dos limites da cidadania, mas ninguém responde nem me absolve de que o ministério das finanças do meu país me condenou como um mau português, um fugitivo ao dever de contribuir para o estado financeiro da Nação. E fá-lo de forma retroactiva, o que para o homem da história que sou, sabe que nenhum acontecimento se repete e o que se diz dele no presente é parcial interpretação, mesmo que seja dum programa informatizado.

Quem defende estes quatro milhões de maus portugueses?


 

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