17 DE MARÇO DE 2013, DOMINGO Intervenção de Carlos Brito
Meus queridos amigos,
Como não começar por agradecer a companhia solidária de todos vós nesta minha chegada a um dos picos da idade, que ainda são os 80 anos? Durante grande parte da minha vida atribulada nunca considerei que chegar a esta idade... ... fosse coisa ao meu alcance e em alguns momentos até pensei que ia ficar por ali. Talvez por isso me sinto assim tão sensibilizado e tão feliz entre vós e tão agradecido a quem teve a ideia e o trabalho de promover este encontro e a todas e todos que vieram até aqui.
Permitam-me que dirija uma palavra de especial afecto a minha mulher, filhas, genro, netas, sobrinhas e sobrinhos e outros familiares mais próximos que com o seu amor, carinho e permanente solicitude me ajudaram a fazer esta longa caminhada e que ainda hoje disputaram quem seriam os primeiros a dar-me os parabéns. Dos meus grandes amigos de infância ainda alguns me dão a alegria de estar presentes, mas quase todos que não vieram foi porque já partiram (e tantos foram!) como acontece claro com os meus maiores. É-me especialmente cara a presença de tantos camaradas, amigos e companheiros com quem partilho ideais, causas e esperança, com quem no passado me encontrei em diferentes terrenos e momentos de luta, mas também a daqueles com quem só tenho convergido em pensamento ou a quem me ligo pela admiração pessoal e o respeito mutuo. Tomo, é claro, o que há de homenagem neste jantar de amigos como dirigido, mais do que à minha pessoa, aos grandes valores da liberdade, da justiça e do progresso social que abracei na juventude e que através da vida polÃtica, da actividade cultural e cÃvica tenho ajudado a propagar e, se calhar mais ainda, ao jeito como o tenho feito. Quando rememoro o passado acho que tive a felicidade, como muitos da minha geração, de entrelaçar a vida pessoal com a vida polÃtica do paÃs, por isso passámos por trabalhos e provações, mas tivemos a alegria incomparável do 25 de Abril, com a restauração da liberdade e da democracia na nossa terra e a arrancada para a «construção de um paÃs mais livre, mais justo e mais fraterno», nas palavras lapidares do Preâmbulo da Constituição da República. Festejando alegremente na vossa companhia fraternal os meus 80 anos, não deixo de ter presente, com mágoa e indignação, que a situação do paÃs é dramaticamente diferente, quase a oposta, daquele propósito dos constituinte de 1975/76, a que me orgulho de ter pertencido. O medo volta a condicionar a vida dos portugueses, o paÃs está tornar-se menos livre, mais injusto e, o que é especialmente grave, em vez de fraterno fratricida. Não é altura se analisarmos a complexa situação que nos conduziu até aqui. Permitam-me, no entanto, que parafraseando Alexandre O´Neil desabafe este «meu remorso de todos nós». Um remorso que recusa em absoluto a tal balela de que a causa destes dias negros foi termos (os portugueses) vivido acima dos recursos, com a qual se procura atirar para cima do povo as responsabilidades que são dos governantes e apresentar a austeridade como uma espécie de expiação pelos alegados excessos. A meu ver o que envenena e vai matando o pais, tanto no plano material, como cultural e institucional, é o programa de empobrecimento forçado que nos está a ser imposto pela agiotagem internacional, através da «troika», com a colaboração prestimosa do actual governo, que nunca teve qualquer assomo de resistência e tomou à sua conta agravá-lo continuamente com novas e mais violentas medidas de austeridade. Agora já não chega cortar os anunciados 4 mil milhões é preciso cortar mais de 5 mil milhões, atiram o barro à parede as chamadas fontes mais fidedignas, quase todos os dias… Desemprego, recessão, retrocesso, decadência, fome – tornam-se as palavras mais identificadoras da nossa realidade. Se vai tão mal a vida no paÃs em geral vai muito pior no paÃs interior onde praticamente já não se conta com qualquer investimento do Estado, onde paira a permanente ameaça da retirada de novos serviços públicos; onde se sabe que cada serviço que abandona as nossas vilas e aldeias é mais um largo espaço que se entrega à desertificação com as piores consequências para as populações que restam. Se tivesse sido feita a Regionalização a capacidade de resistência do interior seria outra, julgo eu. Falar de indignação a propósito de tanta insensibilidade social e regional é já pouco porque são focos de raiva e de revolta que se começam a escutar. Quando um banqueiro, ao falar de novos sacrifÃcios, toma como referência os «sem obrigo» fica-se com uma ideia de até onde pensam poder levar o empobrecimento. A mesma perplexidade suscita o Primeiro-Ministro quando no dia em que foi anunciado o aumento do desemprego para os 16,5% e o agravamento da recessão oficialmente prevista (confirmando a espiral recessiva) veio à televisão para dizer sorridente que isto está achegar ao fim, mas ainda não podemos cantar vitória e que o ajustamento tem de continuar (e de maneira, comento eu). No que respeita aos impostos, reparo que as pessoas já se sentem a viver naquilo a que chamo uma tirania fiscal, onde qualquer coisa pode ser taxada, quando menos se espera. São muitos os motivas que levam a esta ideia: o esbulho de reformas e pensões, o duplo imposto sobre os rendimentos, a taxação do subsÃdio de desemprego, as exigências em matéria de facturas até à s micro empresas levando muitas a fechar as portas, a imposição da obrigação de mesmo as pensões mais pequenas apresentarem declaração do IRS, a criminalização das dÃvidas ao Estado, incluÃdo com penas de prisão. É tal o tamanho das inconstitucionalidades nesta área do orçamento de Estado para 2013 que até o Presidente Cavaco Silva manifestou dúvidas, ele que raramente as tinha. Por mim acho que as inconstitucionalidades são tão gordas que o Tribunal Constitucional não poderá deixar de ter certezas. Tão atrabiliários como os impostos são os cortes feitos e os que se anunciam, sobretudo o corte gigantesco de 4 mil milhões de Euros (ou mais) através de uma profunda reforma do Estado, isto é, do desmantelamento do Estado que está inscrito na Constituição da República Como o Ministério das Finanças parece ser o farol ideológico que guia o Governo, o que receio é que esteja em preparação é o alargamento da tirania fiscal a todo o Estado e à s suas funções.É a substituição do Estado Social por um Estado Tirano, o Estado mÃnimo que tira tudo e não dá nada, o Estado que descarta o essencial da suas obrigações sociais e se concentra na cobrança dos impostos de forma coerciva para saciar, «custe o que custar», a ganância dos mercados, com os juros leoninos e nos prazos curtos que nos impuseram. Não é preciso ter a perspectiva do mundo do trabalho, nem ser radical, nem de esquerda, nem de centro esquerda, basta bom senso democrático e republicano para rejeitar este projecto aventureiro concebido por tecnocratas formados na escola do neoliberalismo, ainda por cima com a lição mal aprendida (caso dos impostos), sem experiência da governação e grande desconhecimento do nosso paÃs. Saúdo vivamente a posição dos partidos da esquerda do hemiciclo de S. Bento que recusaram integrar uma pretensa comissão parlamentar para a reforma do Estado, que era uma esperteza saloia para começar a fazê-la à sorrelfa, com a Assembleia da República reduzida a uma assessoria técnica do Governo, uma espécie de atelier de corte e costura, num papel que nada tem a ver com o lugar da instituição parlamentar entre os órgãos do poder polÃtico. Julgo que esta recusa e a consequente inviabilização da comissão por falta de contraditório é um óptimo ponto de partida para acções tendentes a barrar a aventura da pretensa reforma do Estado alavancada pelo corte dos quatro mil milhões. Gostaria aliás de salientar que sempre que a oposição se levanta em conjunto, dando expressão à vontade da maioria do paÃs, o governo tem recuado. Foi assim com a TSU e com as privatizações da TAP e da RTP. A coligação que nos governa sabe que perdeu grande parte dos apoios que a levaram ao poder e foge do recurso constitucionalÃssimo a eleições antecipadas, como o diabo da cruz. Em contra partida, julgo que a oposição tem razões para estar confiante na sua força e no seu poder de dissuasão e isso justificaria que passasse das posições objectivamente convergentes para as tomadas de posição assumidamente unitárias, por isso mesmo muito mais fortes e influentes. Tenho reparado que a prática oposicionista está a revelar que há um significativo consenso entre os partidos e formações de esquerda relativamente a um conjunto de questões centrais da presente situação do paÃs. Cito alguns exemplos: A defesa do SNS, da escola e da segurança social públicas; a recusa da pretensa reforma do Estado em que o governo se empenha; a oposição à privatização da RTP, da TAP e da água, entre outras; a definição estratégica de que a saÃda da crise se faz pelo crescimento e não com doses cada vez maiores de austeridade; a retomada da aposta no investimento, incluindo o público. Não ignoro as divergências em matéria europeia, mas pergunto-me se estas não podem ser atenuadas pela convicção geral de que a superação da crise (da nossa e a dos outros paÃses em maiores dificuldades) passa por mudanças na Europa e pela solidariedade dos povos europeus e da sua crescente luta comum. Há também a questão da assinatura do «memorando da troika» pelo PS, mas pergunto-me se a importância desta questão não é em certa medida ultrapassada pela oposição efectiva dos socialistas à forma como o «memorando» é interpretado e executado pelo actual executivo. Posto isto, há que dizer que para o cidadão comum se torna muito difÃcil perceber quais são os obstáculos que impedem uma plataforma de convergência. Uma tal plataforma de acção comum a nÃvel dos partidos e das outras formações de esquerda e aberta ao centro, aqueles sectores que não se revêm na polÃtica da coligação que nos governa, constituiria um factor de esperança para os portugueses que estão entalados entre o horizonte cerrado das terrÃveis consequência da austeridade e a falta de uma alternativa credÃvel do lado da oposição. Julgo que quando o Orçamento de Estado entrar plenamente vigor, com a sua esmagadora carga fiscal e os enormes cortes nas despesas sociais, uma grande vaga de descontentamento e indignação vai de novo percorrer o pais e não vai apenas acusar o Governo e a «troka», vai também bater à porta dos partidos de esquerda, especialmente dos representados na AR, reclamando uma saÃda para a situação. A reposta que for dada terá grande repercussão no futuro imediato do paÃs, no próprio futuro da nossa democracia e no futuro dos próprios partidos. Também terão grande importância na evolução do nosso processo interno as próximas eleições autárquicas onde, a par da temática própria, estará em questão, mais do que é habitual a polÃtica geral do paÃs e, com muita força, as alterações introduzidas no Estatuto do Poder Local. Caros amigos Ao longo desta intervenção abordei matérias que têm subjacentes as ideias de resistência, confrontação e luta. É ainda assim nossa condição e a meu ver não há outra maneira de caminharmos para um mundo melhor. Mas permitam-me que termine muito a propósito, julgo, com palavras de Bertolt Brecht, numa tradução de Jorge de Sena. É um trecho onde o autor de «Mãe Coragem» se dirige ao nosso irmão do futuro. E diz assim: «………………………….. Ai de nós Que querendo lançar as fundações fraternas Não podÃamos nós próprios ser fraternos. Mas tu, quando por fim for natural Que o homem seja o salvador do homem Pensa em nós Com piedade.» Obrigado a todos. | 2024 2023 2022 2021 2020 2019 2018 2017 2016 2015 2014 2013 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 | |