06 DE JULHO DE 2012, SEXTA FEIRA
Paulo Fidalgo
Antes da Tempestade
No Conselho Nacional da Renovação Comunista de 1 de Julho de 2012 debateu-se a situação polÃtica e ficaram anotadas as tendências que estão a dominar o contexto nacional.
Anotou-se a rápida deterioração da base de apoio ao governo, sinalizado em sondagens de opinião e no crescendo de conflitualidade sectorial, onde avultam agora, já, os enfrentamentos na saúde.
É bom sublinhar neste caso a relevância do movimento de classe em si que junta, por exemplo, médicos de muito contraditória orientação eleitoral numa frente que une Ordem, e os dois sindicatos, a FNAM, a mais antiga organização sindical unitária nos médicos, e o SIM um movimento presentemente dirigido por uma figura grada do partido do governo. O que porém melhor caracteriza a situação não é a diversidade de pontos de partida, mas o facto absolutamente raro de um ponto de chegada a uma poderosa jornada de luta que questiona frontalmente as polÃticas de governo tornadas em perigo iminente para o acesso à saúde dos portugueses. Existem obviamente motivações de classe, socio-profissionais, neste processo, mas é muito significativo que a questão do desenho do Serviço Nacional de Saúde como instrumento de democracia e bem estar dos portugueses esteja igualmente no fulcro das preocupações do movimento.
A batalha do SNS em curso assume-se nesta altura como trincheira não só de questionamento frontal à polÃtica austeritária em curso, mas como plataforma para se gerarem respostas alternativas que defendam e permitam o relançamento dos mecanismos de solidariedade colectiva que o paÃs não pode deixar de assegurar. Para onde convergem de resto movimentos da própria sociedade onde se nota uma viva noção de que o SNS é peça essencial da sociedade que queremos construir e do qual não se pode prescindir na voragem do experimentalismo neo-liberal.
O mesmo se deve anotar nos novos e muito activos movimentos sociais, como o movimento dos sem emprego uma organização unitária de defesa dos desempregados de caracterÃsticas novas que opera com crescente activismo, capaz, quem sabe, de polarizar uma parte da revolta que grassa surdamente nos bairros e à porta das empresa em lay-off. Sempre se considerou a condição de desempregado, na visão clássica do movimento dos trabalhadores, como dificuldade acrescida para a acção concertada por serem, emprego e empresa, os espaços que, organizando a produção, geram a partir daà as condições da própria organização social e polÃtica e da intervenção colectiva.
Apesar da conhecida desvantagem para a acção que a condição de desempregado comporta, os desempregados ainda assim movem-se em Portugal com mais intenso activismo hoje em dia configurando uma originalidade do momento que os activistas polÃticos devem interpretar e conseguir canalizar para o objectivo da alternativa. Apresentar com urgência o pacote de medidas de relançamento do emprego, credÃvel e agregando apoios que o tornem viável, é um dever incontornável dos que desejam a alternativa sob pena de tão importante activismo perder intencionalidade e ficarem os desempregados à merçê de promessas ilusórias dos que só querem enganar para conseguir uma saÃda abertamente pró-capitalista da situação.
Toda esta conflitualidade evoca a descrição de Marx sobre as escaramuças de classe que antecedem o momento de enfrentamento mais geral das classes. São momentos onde se exercita a acção para depois se passar à acção mais geral.
O problema que se torna porém mais marcante é a contradição entre o rápido amadurecimento das condições para a acção e a rápida deterioração dos apoios ao governo, por um lado, e o enorme atraso no aparecimento de condições propÃcias à alternativa, necessariamente envolvendo as forças mais tradicionais à esquerda, com o PS, PCP e BE, por outro.
Os bloqueios ao diálogo e à concertação parecem no entanto tão intransponÃveis que se nota um certo frenesim apontado à própria remodelação do espaço partidário à esquerda na esperança de conseguir um eixo de propositura que organize e enquadre todo o vasto sector à esquerda do PS desejoso de alcançar uma solução onde possa ditar e intervir nas soluções que tirem o paÃs do atoleiro onde se encontra.
Nem sequer se estão a conseguir quaisquer pontes de concertação na preparação das autárquicas onde seria por demais desejável derrotar a direita e preparar as condições para uma nova maioria no parlamento mais à frente, tais são os afloramentos de sectarismo entre as forças de esquerda mais tradicionais. É bom de notar a este propósito que os esforços unitários na autarquia do Porto tenham para já recebido um rotundo não do PCP e um tÃmido mas ainda assim claro não do BE no que pode ser visto como uma perigosa estreiteza e insensibilidade ao clamor que perpassa na sociedade.
O Conselho Nacional da Renovação Comunista anotou que o elemento que pode nesta altura estar a alimentar a sustentação do governo e a impedir a reclamação imediata da sua substituição e a convocação de novas eleições é precisamente a ausência de soluções de governo alternativo minimamente credÃvel do lado das esquerdas. Este perigoso atraso poderá redundar em intensa conflitualidade social e polÃtica a curto prazo sem que ela se consiga escoar num processo de renovação polÃtica e alternativa.
A Renovação Comunista tem agido para favorecer todas as tentativas de promover a convergência e a busca de soluções desde as iniciativas da Convergência e Alternativa, da Esquerda Livre e agora ao processo do Congresso das Alternativas. Em todos estes aparecem muitos activistas esperançados na construção de uma solução fornecendo claros sinais de que existe uma base para a esquerda à esquerda do PS poder constituir-se em parceiro de discussão de uma polÃtica alternativa e de uma nova maioria.
Porém, essas iniciativas ainda estão muito atrasadas e parece distante o enfrentamento da tarefa mais urgente do momento: conseguir lançar as propostas que polarizem todo o vasto descontentamento que grassa na sociedade e permitam alcançar as condições para Portugal começar a resolver a crise que o capitalismo nacional engendrou a par de conseguir uma nova voz que ajude na mudança de correlação de forças na União Europeia em prol do relançamento económico em novos moldes.
Nota-se a nÃvel europeu uma auspiciosa mudança que pressiona contra os que usam a UE para apenas sustentar o negócio bancário e hostilizam qualquer tentativa de pôr cobro ao horror económico erguido pelas polÃticas do Banco Central Europeu e do governo Alemão e aliados. Foram importantes quer a vitória da esquerda convergente nas presidenciais francesas, quer o avanço eleitoral da esquerda na Grécia que veio, mesmo sem ganhar, gerar enorme pressão sobre a orientação dominante de base governamental alemã imposta à União Europeia.
Na construção de uma alternativa em Portugal, jogará igualmente um papel indispensável um governo à esquerda que erga a voz em prol de União Europeia virada para o relançamento e a coesão, em moldes solidários, para que seja possÃvel defender os nÃveis de civilização que os povos construÃram em gerações precedentes e pretendem agora continuar a desenvolver em moldes renovados.
Em Portugal, a questão mais importante é portanto, a todos os nÃveis, no plano das organizações e movimentos sociais, no plano das iniciativas polÃticas, agir para se gerarem com rapidez as condições subjectivas da alternativa sob pena de se perder na total inacção o enorme capital de luta em acumulação nestes meses.