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12 DE MAIO DE 2012, SÃBADO
Paulo Fidalgo
FRANÇA: o que fazer com esta vitória?
Com um potente debate sobre a dualidade nacionalismo vs europeísmo, conduziu a segunda volta das eleições francesas a uma grande vitória do ponto de vista da construção europeia, neste caso incentivada pela frente de esquerda e o PCF e igualmente partilhado pelo candidato vencedor do Partido Socialista.
Todos eles reclamam, no entanto, uma séria reorientação na Europa, em divergência com as imposições do governo Alemão e aliados, nomeadamente a favor de uma renegociação de novo tratado inter-governamental e pela consagração de medidas de crescimento económico.
É sem dúvida o primeiro ponto a reter, na medida em as coisas ficam pela primeira vez, digamos, no plano certo. É a esquerda e o povo que empunham a bandeira da construção internacional, neste caso da União Europeia, e são as forças burguesas que levantam obstáculos e recuperam do baú o nacionalismo obsoleto e a xenofobia perigosa (La France Forte lema de Sarkosy).
Essas precisas forças que, há décadas atrás, tiveram o impulso político e económico para encetar o processo mas que vêem perdendo interesse em levá-lo por diante. Porquê?

A Burguesia passa-se para o lado da reacção
Porque é esse o sentido da história. Pode a burguesia ser progressista e inovadora em certas fases capitalistas. O desmantelamento alfandegário, o desenvolvimento de vias de comunicação e de outros instrumentos supranacionais foram, sem dúvida, exemplos dessa nova fase.
Como sublinhou Nikos Poulantzas (Estado, Poder e Socialismo, 1978), essa foi uma mutação ajustável ao teorema da queda tendencial da taxa de lucro que Marx estabeleceu, visando, portanto, restaurá-la pela via do desenvolvimento da circulação mercantil e do capital para um espaço supranacional.
Porém, quando interesses egoístas ficam ameaçados, logo começa a burguesia a desistir dessas veleidades cosmopolitas e torna-se em força da reacção, ao lado mesmo das mais negras formações da direita.
O recrudescimento dos discursos nacionalistas e do eurocepticismo, um pouco por toda a parte, coincide com as divergências que o directório mostra na (não) condução da Europa e com a inclinação para o proteccionismo nos negócios, em oposição ao aprofundamento da supranacionalidade.
Ora, foi em França que os campos começaram a clarificar-se. Quem é afinal de contas que está contra e pretende o regresso ao passado (ou com ele convive sem incómodo) e os que querem ser agentes na construção de um mundo deveras novo.

O PCF na linha da frente
Sem desvalorizar a acção do PSF, não podemos deixar de saudar a importantíssima afirmação da Frente de Esquerda. E não podemos, é claro, deixar de saudar com o nosso punho erguido, a brilhante condução dos nossos camaradas do PCF, força chave na arquitectura deste resultado e actuais líderes do Partido Europeu da Esquerda. O presidente em funções do PEE é, como se sabe, Pierre Laurent, coordenador nacional do PCF.
O resultado vale em si mesmo. Todavia, o PCF deu uma enorme contribuição político-ideológica para o esclarecimento da sociedade francesa e por toda a Europa, de resto bastante fustigadas pela intoxicação nacionalista e xenófoba que infelizmente não deixa de seduzir e enganar, também, certos sectores de trabalhadores mais atrasados politicamente. O resultado francês ergue-se portanto como pólo de esperança, face às perigosas tendências direitistas no continente.

Remodelar a UE
É bom recordar o que está em jogo.
Os vencedores sabem que a construção de uma economia europeia solidária capaz de promover o desenvolvimento e o bem-estar depende do reforço dos mecanismos de cooperação supranacional. Depende da reforma democrática das instituições europeias feridas de opacidade e de eurocracia, e depende de um novo papel para o Banco Central e o Banco Europeu de Investimentos através da emissão de euro-obrigações para o financiamento dos Estados e do desenvolvimento.
Ao mesmo tempo que urgem medidas de restrição ou que ponham fora da lei os movimentos especulativos do capital, com proibição dos off-shores, registo de todos os movimentos de capital, regulação forte da actividade bancária e dos fundos desregulados de investimento. Este é todo um programa de reformas apontadas à ruptura com a linha pró-capitalista e liberal dominante, apontado a mais interdependência e entreajuda entre países para agarrar todas as imensas possibilidades de desenvolvimento que este espaço económico comporta.
Não se constrói o futuro com o regresso ao nacionalismo ou ao egoísmo, algo que queremos relegar para o museu das ideias obsoletas da história.

Consequências políticas
Há porém mais consequências dos acontecimentos em França sobre os quais importa começar a reflectir e que podem repercutir na realidade política de outros países.
Desde logo, há que assinalar como se pode convergir com o PS e ao mesmo tempo conquistar uma assinalável afirmação da esquerda à esquerda do PS.
Nada disso seria possível se a esquerda se deixasse comodamente diluir no campo socialista abdicando por exemplo do seu desígnio de transformação social e económica. Não seria possível se o PCF e aliados não interviessem com firmeza na defesa dos interesses dos trabalhadores e não dispusessem de um acervo programático apontado à transformação da França.
É de realçar a proposta de criação de um pólo financeiro público, seminalmente teorizada pelo camarada Paul Boccara, de resto acolhido, em boa parte, no discurso do candidato vencedor.
A esquerda francesa afirma-se porque contem no seu seio o capital de mudança e se apresenta, ao mesmo tempo, em condições de assumir responsabilidades na condução dos destinos da França arrastando com as dores que uma política de governabilidade necessariamente comporta.
É finalmente portadora de um projecto apontado à transformação da União Europeia de acordo, aliás, com o programa do Partido Europeu da Esquerda. Estas são pois linhas chave para o ressurgimento de um forte pólo de esquerda que deveriam ser assimiladas noutras paragens, como em Portugal.

O Problema da Transição/Transformação
Subsiste, no entanto, um sério problema relativo àquilo que Nikolai Bukharine, em 1919, designou como o problema da economia do período de transição.
É porventura extraordinário que haja tão escasso material para avaliar a experiência de participação comunista em governos em ambiente capitalista, nomeadamente naquele que foi o ensaio mais preparado e percorrido, o do programa comum da esquerda sob a presidência de François Mitterrand, era então secretário geral do PCF George Marchais.
Esta omissão não ajuda em nada a desenhar um plano para as próximas etapas.
Se alguma coisa ajuda é a inibir fortemente os comunistas de discutirem o problema do governo e da assunção de responsabilidades políticas em qualquer domínio do Estado por detrás da afirmação reiterada, pelo esquerdismo, de que essa via apenas conduziu ao recuo das forças de esquerda.
Podemos conceder que a táctica comunista, em França e noutras paragens, não correu bem. E, no entanto, a questão da governabilidade com os comunistas (e socialistas e outros parceiros) continua a mover-se, não havendo qualquer outra actuação viável para desencadear um processo transformador.
Porque terá corrido mal?
Antes disso, convém talvez perguntar como é possível conceber-se uma transição que não aconteça sob a égide de um governo de Transição/transformação, neste caso com comunistas e socialistas? Como pode um tal governo agir sobretudo se for formado por forças diversas necessariamente marcadas pela ambiguidade estratégica.
Não sendo possível neste artigo mais do que levantar questões, tentemos ajudar a abrir a discussão.
Um processo de transição, de transformações e reformas é, por definição, um processo que percorre um tempo alargado. Onde a dinâmica popular na base deverá jogar um papel fulcral impulsionador. E onde momentos de séria divergência, de passos atrás e de reorganização de compromissos irão pontuar uma realidade política complexa. Mas chegados aqui, devemos dizer que o ponto estará em comprometer as forças populares em soluções que representem efectiva mudança e de modo algum se pode aceitar qualquer acomodação ao status quo.
Mas será que houve pouca energia no programa comum e acomodação por parte dos camaradas do PCF que foram para o governo na altura do programa comum?
Houve nacionalizações de importantes sectores económicos do capital, houve avanços na reforma do sistema de saúde e houve algum avanço social nos direitos dos trabalhadores. Não sendo possível portanto falar em oportunismo dos comunistas (naquele significado que Lenine lhe dava de alguém que troca vantagens de poder em detrimento dos interesses estratégicos do socialismo) quando aceitaram participar com os seus ministros no governo da França, temos então de admitir que as apostas não continham porventura suficiente poder de remodelação.
Talvez seja oportuno recordar que o programa comum reflectia a visão comunista do processo de transformador à época, em França e noutros países como Portugal,onde a nacionalização ocupava um passo fulcral.
A nacionalização, na esteira das teses de Marx e Engels apontadas à “expropriação dos expropriadores†continua a ser uma arma para pilotar uma transformação, é certo. Ela foi porém tão absolutizada pelos comunistas, tão messianicamente considerada com o piparote inicial de transformação na sequência do qual todo o resto automaticamente se desencadearia que deixou o movimento sem condições para pressionar as mudanças subsequentes.
De facto, o programa de nacionalizações representou, no essencial, uma mera estatização, mantendo de pé todos os mecanismos alienantes da relação assalariada. E onde os trabalhadores não acederam ao controlo laboral das empresas nem partilharam do sobreproduto do seu trabalho, continuando este a ser-lhes arrancado embora sob a égide de novas direcções de fábrica.
O problema portanto pode ter resultado do facto de o programa comum conter já no seu seio bastantes características de crise e insuficiência enquanto modelo de transição.

As relações de produção no fulcro da transformação
A questão foi algum tempo antes do programa comum discutida, digamos academicamente, fora portanto do terreno popular e partidário, por Luis Althusser, momento que importa recordar e homenagear.
Luis Althusser tinha afirmado em tese, anos antes, que o principal factor de afirmação histórica de vantagem de um dado modelo social e de produção, está na força das suas relações de produção e não tanto nas forças produtivas (Acerca da Reprodução).
Se as relações de produção não mudam, diremos nós, se não se rompe com o sistema assalariado, corre-se o risco de não conquistar a consciência dos trabalhadores para darem gás ao desenvolvimento do processo transformador.
A crítica de Althusser, coincidindo com as notícias do XXº Congresso do Partido Comunista da União Soviética, dirigia-se a Estaline e ao seu fetiche pelo desenvolvimento das forças produtivas de forma extensiva jogando tudo na captura dos índices de produção agregada das potências capitalistas sem alterar, minimamente, as relações de produção assalariadas, e sem cuidar de envolver os trabalhadores nas empresas e na direcção económica por via de uma democratização geral. De certa maneira, o programa comum da França, continuava marcado pelo arcaísmo da visão que Estaline e o PCUS tinham elaborado. As ideias de Althusser não surtiram na política prática e isso foi deveras funesto para a esquerda, depois.
O segundo problema prende-se com a própria reforma do Estado, de certa maneira encarado como categoria perene e não objecto de uma política transformadora dedicada, virada para democratização, ignorando o legado dos clássicos como é o documento inspirador de “O Estado e a Revolução†de Lenine.
Na realidade das categorias económicas marxistas, o programa comum não passou de uma linha de capitalismo de Estado com todos os seus problemas e limites. Valerá a pena talvez recordar aqui que a crítica do Capitalismo de Estado sob a égide das categorias económicas do capital, tem sido incansavelmente desenvolvida por Istvan Meszaros, uma figura tutelar do marxismo na actualidade (Beyond Capital).
Em resumo, o que pode ter corrido mal não foi o avançar-se para o governo em abstracto, mas sim o avançar-se com um programa bastante insuficiente. É esse programa que deve ser discutido outra vez, tanto mais que evoluiu a teoria marxista depois dos acontecimentos a leste.

Aprender, Aprender sempre
Em resultado das eleições francesas, um novo ciclo se inicia que pode, quem sabe, recolocar na ordem do dia a questão de forças comunistas e progressistas se aproximarem outra vez da área do governo.
Importa discutir os termos dessa nova possibilidade que pode estar a abrir-se, como importa de resto discutir o problema no contexto português igualmente, pois a direita acabará por ser derrotada e uma alternativa é necessária. Uma alternativa que conjugue as questões da propriedade dos meios de produção com uma efectiva remodelação das relações de produção em sentido desassalariador e que adopte uma linha geral de reforma do Estado em sentido democratizador, no plano nacional e supranacional, e que aposte na construção de um espaço solidário supranacional.
Em caso algum se pode voltar à governação sem superar os limites que o antigo programa comum continha. Entremos pois com entusiasmo na discussão do que poderá ser a nova fase política na Europa.


 

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