Eu sou o amor é porventura o mais viscontiano filme dos últimos anos tanto pela sua estética como pela sua matéria, que em Visconti foram sempre inseparávei e neste filme são representados como causa e consequência uma do outra. De alguma maneira, o último filme de Luca Guadadigno é um dos possíveis epílogos de O Leopardo. Se neste tudo se resumia à necessidade de que alguma coisa mudasse para que tudo continuasse na mesma, em Eu sou o amor, a tese de Tommaso de Lampedusa mantém-se mas aplicada a uma outra aliança, a planetária. No filme de Visconti é casa do príncipe de Salina que acaba sacrificada à ascenção da burguesia italiana. Na produção de Guadadigno são as fábricas texteis de uma rica família milanesa que acabam nas mãos de Mr. Kubelkian, representante da burguesia revolucionária da globalização, mais propriamente da que agora está a emergir no mundo dos negócios, oriunda dos bric.

Construída à base da exploração da mão de obra de operários judeus, ainda mais mal pagos do que os seus camaradas italianos, a venda dos texteis Recchi representa o fim de uma certa ordem social e de uma visão do mundo dividido em Estados-nação, em que a metáfora do cozinheiro tentado pela nouvelle cuisine à base de produtos autóctones representa a aliança impossível num mundo em que sujeitos e objectos já não se distinguem, pelo menos tal como ainda eram descritos por Visconti à meio século. Agora é mais um factor de desgraça do que uma promessa de regresso a uma ordem nostálgica das coisas. O pessimismo de Guardadigno vai ao ponto de reservar para a burguesia europeia a manutenção dos seus patronímicos, mas no caso de conseguirem ser cotados na Bolsa.