20 DE MARÇO DE 2010, SÁBADO FONTE: O Pùblico POR: Cipriano Justo A boa decisão como uma das belas-artes Um dos últimos actos da carreira política de Mário Soares pode vir a ser a sua contribuição para a vitória de Cavaco Silva
Um dos últimos actos da carreira política de Mário Soares pode bem vir a ser a sua contribuição para a vitória de Cavaco Silva nas eleições presidenciais de 2011. E com ela a promoção do regresso da direita à área do governo.
Digamos que à falta de entendimento interno quanto ao melhor candidato para disputar com Cavaco Silva a eleição em 2006, os resultados de 22 de Janeiro desse ano serviram para decidir quem, de facto, o PS devia ter dado o seu apoio, podendo ser tomados como uma espécie de primárias post facto. A diferença que separou os dois militantes do PS não foram uns escassos milhares de votos, foram 350 mill os votos que separaram Mário Soares de Manuel Alegre. A partir dessa data era legítimo esperar que, pelo menos no plano político, Mário Soares reconhecesse que tinha sido um erro ter tentado regressar ao Palácio de Belém. Há que lembrar que Maria de Lurdes Pintasilgo, Salgado Zenha e Manuel Alegre, para não ir mais longe, quando concorreram às eleições presidenciais, fizeram-no distanciados das organizações partidárias. Porém, o que os distinguia da candidatura patrocinada por Mário Soares eram os respectivos percursos políticos e as provas dadas nesse campo.
Mandava a racionalidade republicana, tantas vezes por ele invocada, que agisse no sentido da convergência de esforços para derrotar o candidato da direita. Porém, ao patrocinar uma candidatura improvável, Mário Soares ensaia mais do que um desagravo pessoal. Investe na manutenção de Cavaco Silva na Presidência da República na expectativa de que se mantenha um equilíbrio de forças que abra espaço não a uma alternativa mas à já gasta alternância. Na prática o resultado almejado por Mário Soares não passa de uma actualização da velha e envelhecida receita do príncipe de Salina: é preciso que nada mude para que tudo fique na mesma. Este gato-pardismo tardio até poderia ser olhado com benevolência, não fosse o que está em jogo ir muito para além do que um ajuste de contas.
Bem pode Mário Soares querer fazer-nos acreditar que para efeitos eleitorais o país é uma imensa Calcutá, de maneira a justificar o patrocínio de uma candidatura presidencial condizente com o seu diagnóstico. É que patrocinar uma candidatura que não é de direita, nem de esquerda, nem do centro, é patrocinar uma incógnita política. Sabemos quem é politicamente Cavaco Silva, como sabíamos quem era Jorge Sampaio, Mário Soares ou Ramalho Eanes. Cavaco Silva basculou o país para a direita enquanto primeiro-ministro e mantém-se nesse registo, Jorge Sampaio fez uma aliança à esquerda para ganhar a autarquia de Lisboa. E, embora Mário Soares nunca se tenha distanciado da direita no combate aos comunistas e Ramalho Eanes seja indissociável do 25 de Novembro, a ambos não lhe faltaram as indicações de voto da esquerda para vencerem os seus adversários. Os eleitores sabiam em que quadrante político-ideológico se encaixava cada uma destas personalidades, estando-se ou não de acordo com elas. Com eles esteve sempre presente um elevado grau de previsibilidade quanto ao que se podia esperar dos seus desempenhos. E, nos tempos que correm, a previsibilidade é um valor particularmente importante numa conjuntura caracterizada por um elevado grau de contingência. Sobretudo nos mais altos cargos do Estado. Mau grado o silêncio de Mário Soares e dos seus indefectíveis começar a ser comprometedor, há duas perguntas a que em breve terá de responder: quer derrotar o candidato da direita? E o que está disposto a fazer por isso?
Dirigente da Renovação Comunista
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