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21 DE FEVEREIRO DE 2010, DOMINGO
FONTE: Público
POR: Cipriano Justo
As Duas Tácticas da Direita
As segundas e as terceiras linhas do círculo de influência de Cavaco Silva iniciaram a limpeza do terreno
Não lhe sendo conveniente formalizar nesta altura a sua recandidatura à Presidência da República por invocadas razões de Estado, as segundas e as terceiras linhas do círculo de influência de Cavaco Silva iniciaram a limpeza do terreno até à data em que ele considere estarem reunidas as condições para se apresentar como aquele que é capaz de pôr ordem na conturbada situação em que o país estaria supostamente mergulhado. Não deve, por isso, causar estranheza que se vá continuar a assistir, ainda por alguns meses, a um processo de condicionamento do eleitorado no sentido de reconduzir o incontestado líder da direita ao lugar que actualmente ocupa. E, por junto, dar uma lição às forças de esquerda e de centro-esquerda, aconselhar a sua família política a deixar-se de excentricidades paroquiais, apaziguar as agências de rating e, logo que as disposições da Constituição o permitam, apear o Governo e livrar-se do actual primeiro-ministro. Não é necessário contratar um think tank nem perscrutar o céu para se perceber que os seus propósitos são estes. Basta juntar as pontas do que parece não ter nexo para que o quadro ganhe perspectiva, sentido e significado.

Mais do que em qualquer outra ocasião, está a assistir-se à aplicação da doutrina do pau e da cenoura. As segundas e terceiras linhas do cavaquismo sovam o Governo até lhe provocarem nódoas negras sempre que a oportunidade, real ou fabricada, se oferece, ao mesmo tempo que a equipa principal dá sinais de querer negociar tudo o que de relevante possa ser apresentado ao eleitorado como fruto do seu elevado sentido de Estado. Contudo, se fosse outro o momento político, estaríamos perante o mesmo padrão de conflitualidade? Se 2010 não estivesse já transformado num imenso palco de disputa eleitoral para o lugar de Presidente da República, as segundas e terceiras linhas do cavaquismo estariam agora a dar o seu melhor? Se a vida política das últimas semanas não se tivesse transformado numa espécie de sopa de pedra, teria havido lugar para Paulo Rangel produzir aquele discurso de candidatura à liderança do PSD, na noite de 10 de Fevereiro? Nem as cúpulas do sistema judicial escapam à voracidade das segundas e terceiras linhas do cavaquismo, abrindo as portas a todas as suspeições e pondo em causa o pilar mais sensível do sistema democrático, aquele a quem, por razões constitucionais, está vedado o recurso ao contraditório político.

Ao ter escolhido para início da sua campanha eleitoral o momento em que se impôs aos seus, exigindo-lhes que negociassem e viabilizassem o Orçamento do Estado, Cavaco Silva expressa dessa maneira a consciência que tem da fragilidade do principal partido político que o irá apoiar, reconhece que a disputa vai ser acesa e que o resultado irá estar intimamente associado à situação económica em que os portugueses se encontrarem na altura. E sabe que, em caso de insucesso, há um extenso deserto político a aguardá-lo e à sua família política, a nuclear e a alargada, porque seria a primeira vez que, em 35 anos de eleições democráticas para a Presidência da República, não se cumpria a tradição. E tanto no plano da razão prática como no plano simbólico esse desfecho seria desastroso tanto para as suas ambições como para quem o apoia. É por isso, pelo que está em jogo, que há quem esteja disposto a apostar as fichas todas, as boas e as más, na perspectiva de um jackpot milionário lá para Janeiro de 2011. E quando é assim, quando as paradas atingem montantes dessa escala, o vale-tudo, de excepção passa a regra.

Dirigente da Renovação Comunista


 

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