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30 DE MARÇO DE 2009, SEGUNDA FEIRA
FONTE: Público de 30/03/09
POR: André Freire
Uma escolha acertada ou a melhor disponível?
"Vital Moreira tem estado sempre colado ao Governo e dificilmente evitará a penalização do executivo nas europeias". Leia aqui este interessante artigo que André Freire publicou hoje no Público (sem link) sobre o cabeça-de-lista do PS às eleições europeias.
Recentemente, foi apresentado o cabeça de lista do PS às europeias. As escolhas quanto a esta lista poderão ter especial relevo. Primeiro, porque sendo o partido incumbente, se houver uma significativa penalização do Governo, então o PS poderá ser bastante castigado. A composição da lista, sobretudo o nome de topo, poderia minimizar uma eventual penalização. Segundo, porque, nomeadamente devido à inflexão centrista do PS, o partido tem estado a sentir uma acérrima competição das forças à sua esquerda e a composição da lista poderia ajudar a minimizar as transferências. Adicionalmente, porque se os dois fenómenos se conjugarem e a débâcle for grande, poderá gerar uma dinâmica de refluxo que contagie as legislativas. Foi referido que Vital de Moreira seria uma escolha acertada porque é independente e vem da esquerda, podendo por isso aplacar as duas prováveis tendências de refluxo. A situação é mais problemática. Mas recordemos primeiro a evidência sobre os comportamentos eleitorais nas europeias.
As "eleições de primeira ordem", como as legislativas, são aquelas em que está em jogo algo determinante para o funcionamento do sistema político, o controlo do executivo. As "eleições de segunda ordem", como as europeias, são aquelas em que aquilo que está em jogo para o funcionamento do sistema político é relativamente menos importante. Nestas eleições, os eleitores têm menos constrangimentos e, por isso, podem mais facilmente votar no partido da sua preferência, independentemente de quaisquer considerações tácticas, ou votar em protesto. Pelo contrário, quer em legislativas, quer em europeias, mas substancialmente mais nas primeiras, as pessoas tomam em linha de conta as considerações tácticas, nomeadamente de forma a não desperdiçar votos em partidos que, provavelmente, não terão grande importância na formação do governo. Apesar da liderança do PS nas sondagens, sabemos que, segundo vários estudos, o Governo e o seu líder são impopulares. Logo, as europeias seriam sempre muito difíceis, até porque, pela proximidade, poderão servir como "marcador" para as legislativas. Do que se trata é de uma estratégia de contenção de danos.
Em abstracto, Vital Moreira é um bom candidato. Primeiro, porque é um intelectual prestigiado. Segundo, porque é um grande comunicador e muito duro no combate político. Terceiro, porque tem um pensamento estruturado sobre a Europa: elevará com certeza a qualidade do debate sobre o tema. Porém, apesar do seu estatuto formal de independente, tem estado sempre demasiado colado ao Governo e à sua "linha dura" e, por isso, dificilmente conseguirá aplacar a tendência para a penalização do Governo nas europeias; pelo contrário, deverá provavelmente potenciá-la. Recordemos alguns aspectos fundamentais em que Vital tem estado muitíssimo colado ao Governo. Na saúde, defendia não só a política de racionalização da rede (e bem) mas também que, tal como o Governo fazia antes de mudar de ministro... (inflexão a que Vital se opôs), se fechassem os centros de saúde do interior antes de se providenciarem as alternativas. Na reforma da Segurança Social, bastou-lhe, tal como ao Governo, que se mantivesse essencialmente como pública, sem dar nenhuma atenção à equidade na distribuição dos custos dos ajustamentos entre capital e trabalho. Na governação em geral, e na educação em particular, tem sido um dos mais ferozes adeptos da governação musculada e da ideia de que só é possível fazer reformas contra os funcionários (apelidados, na linguagem neoliberal que a terceira via adoptou para si, de "representantes de interesses corporativos"), além de alinhar na ideia do combate aos sindicatos que tem marcado a legislatura. Defendeu ainda o regime fundacional nas universidades: a porta aberta à privatização. Por tudo isto, um ilustre militante socialista, desde que menos colado ao Governo (como Alegre, Ferro, Cravinho), poderia contribuir melhor para estancar o eventual castigo por via da penalização do Governo. Não será por acaso que alguns destes nomes foram inicialmente ventilados...

Já quanto ao facto de, por vir do PCP, poder contribuir para aplacar uma eventual sangria para a esquerda, o valor acrescentado é apenas aparente. Vir desse partido não é garantia de pender para a esquerda, a não ser para eleitores mais desatentos (e será que estes votam nas europeias e/ou se preocupam com os cabeças de lista?): a ser só isso, se não estivesse com o PSD, Zita Seabra também poderia ser uma boa candidata para estancar a sangria à esquerda... Na verdade, exceptuando as questões da laicidade e dos costumes, onde o Governo também tem estado bem à esquerda, Vital tem sido um acérrimo defensor da terceira via, como evidenciam os exemplos acima. Mesmo nas questões europeias, o seu entusiasmo com o Tratado de Lisboa (ver, por exemplo, o seu artigo no PÚBLICO de 11/12/07) torna o seu pensamento deficitário do europeísmo crítico de que a esquerda hoje precisa para não só responder eficazmente à crise, mas também para se renovar, libertando-se da influência neoliberal que a terceira via tão profundamente absorveu. E, note-se, o europeísmo crítico vem hoje de ilustres socialistas. Mário Soares tem dito e escrito (veja-se o recente livro de crónicas) que, por causa da crise, o Tratado de Lisboa perdeu actualidade... E, no número 3 da revista OPS!, João Ferreira do Amaral discorre sobre as marcas neoliberais na arquitectura constitucional da UE. E Alegre escreve sobre a necessidade de se expurgar do Tratado de Lisboa a norma que obriga os serviços públicos às leis da concorrência. Numa altura de profunda crise do neoliberalismo, as respostas europeias, sobretudo as devedoras desse modelo, não podem continuar a ser as mesmas. Precisamos pois de dirigentes com uma visão europeísta crítica, por maioria de razão se forem candidatos a líder parlamentar no PE. Politólogo, ISCTE (andre.freire@meo.pt)



 

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