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04 DE JANEIRO DE 2009, DOMINGO
POR: João Semedo
Depois de Correia de Campos, mudou alguma coisa para tudo ficar na mesma
"O ano de 2008 fica marcado pela demissão de Correia de Campos, esgotado e derrotado politicamente quer pela ampla movimentação popular contra a política de encerramento de serviços do SNS, quer pela contestação conduzida pelas forças de esquerda à estratégia privatizadora do ministro e do governo, na qual se envolveram destacados membros do PS." Leia o o balanço de João Semedo da actividade desenvolvida pelo Ministério da Saúde durante o ano de 2008.
Depois de Correia de Campos, mudou alguma coisa para tudo ficar na mesma

O ano de 2008 fica marcado pela demissão de Correia de Campos, esgotado e derrotado politicamente quer pela ampla movimentação popular contra a política de encerramento de serviços do SNS, quer pela contestação conduzida pelas forças de esquerda à estratégia privatizadora do ministro e do governo, na qual se envolveram destacados membros do PS.
A petição “Em defesa do SNS†lançada pelo Bloco de Esquerda, duas semanas antes de Sócrates demitir o ministro da saúde, e de que António Arnaut – fundador do SNS, aceitou ser o primeiro signatário, deu visibilidade e acentuou o isolamento político de Correia de Campos, nomeadamente junto dos socialistas, e a inevitabilidade da sua substituição.
Mais do que mudar e corrigir a política em curso, o que José Sócrates verdadeiramente pretendeu ao libertar-se de Correia de Campos foi retirar da agenda dos media a sua política de saúde e os casos/problema que diariamente se multiplicavam e produziam um enorme desgaste na imagem do governo. Sócrates precisava de uma borracha para apagar o desastre que foi a segunda passagem de Correia de Campos pela pasta da saúde.
O perfil da sucessora de Correia de Campos é parte essencial dessa estratégia de controlo e redução de danos. A escolhida, Ana Jorge, era à data uma desconhecida da opinião pública, uma cidadã sem “história†política mas conhecida e reconhecida pelos profissionais do SNS – onde sempre trabalhou, como uma pediatra de elevada craveira e uma defensora dos serviços públicos de saúde. Ana Jorge projectava uma imagem exactamente inversa do que tinha sido o exercício de Correia de Campos enquanto ministro. O consenso versus o conflito, o diálogo versus a arrogância, os serviços versus os resultados financeiros, a médica versus o gestor.
Entretanto, passou o tempo suficiente para confirmarmos que alguma coisa mudou para que o essencial se mantivesse na mesma. Mais no estilo do que na essência da política. Com Correia de Campos havia ministro a mais, hoje temos ministra a menos. Antes, era um frenesim de medidas e catadupas de decisões, agora sobram as preocupações da ministra mas, também, uma inegável paralisia do ministério.
A linha privatizadora não se alterou. É certo que Ana Jorge acabou com a gestão privada do Amadora Sintra. A situação era escandalosa e incontrolável, o governo não tinha alternativa. Não resultou de qualquer reviravolta nas concepções neo-liberais do governo: logo de seguida, a construção e gestão dos novos hospitais públicos (!) de Cascais e Braga foram entregues a dois grandes grupos privados.
O orçamento para 2009 – já da responsabilidade da nova ministra, não se distingue dos anteriores: redução do financiamento do SNS, cuja dotação cresce abaixo da inflação prevista, asfixiando hospitais e centros de saúde e impedindo investimentos inadiáveis para fazer face ao envelhecimento da rede de serviços públicos, instalar efectivamente a nova rede de urgências que continua no papel e ultrapassar o atraso tecnológico do SNS em diversas áreas da medicina.
Com Ana Jorge, permanece o sub-financiamento do SNS, velha praga dos governos do PS e do PSD, que uma descomunal dívida não permite nem negar nem esconder: mais de mil milhões de euros, a medida exacta dos cortes que o governo PS tem feito nos orçamentos do SNS e do dinheiro que falta no SNS. Compreende-se que, até por vergonha, a ministra diga que não conhece estes números….
E, no mais, tudo continuou como estava. Os profissionais continuam sem carreiras nem contratação colectiva, impera a precariedade, a instabilidade e o recurso ao aluguer de profissionais à hora, sobretudo nas urgências. Os medicamentos continuam a sobrecarregar o bolso dos portugueses, agora obrigados a suportar a poupança que o governo resolveu fazer nas comparticipações. A instalação da tão propagandeada rede de urgências mal saiu do papel e a reforma dos cuidados primários prossegue a passo de caracol: 150 USFs das 200 prometidas até final de 2007 (!), centenas de milhar de cidadãos continuam sem médicos de família. As listas de espera continuam a crescer, principalmente para primeiras consultas hospitalares. As urgências, como bem ficou demonstrado no recente surto de gripe, não respondem à crescente procura de que são alvo. Os hospitais empresa conduzem-se por ganhos financeiros e não por ganhos em saúde. A PMA, apesar da aprovação da lei e das sucessivas promessas do governo, não beneficiou ainda um só casal. O PNS (plano nacional de saúde) não se desenvolve, não se impõe como elemento estruturante da política de saúde.
Correia de Campos achava tudo isto natural e necessário. Era a limpeza das gorduras a mais do SNS. Ana Jorge declara-se preocupada e promete soluções. Que tardam em surgir. O SNS está cada vez mais no osso. Assim o deixou a governação do PS.
Dois últimos registos sobre o ano que agora acaba.
Um, para recordar os projectos de lei que o Bloco de Esquerda fez aprovar no Parlamento na área da saúde: o direito de acompanhamento dos utentes nos serviços de urgência e as medidas de apoio aos doentes com Alzheimer e Parkinson.
Um outro, para sublinhar a importância da entrada em vigor da Carta de Direitos de Acesso dos Utentes do SNS e dos tempos máximos de espera (e de resposta) que ela consagra e agora o governo fez publicar, regulamentando a lei aprovada pela Assembleia da República, por proposta do Bloco de Esquerda.
Respeitar e fazer baixar estes tempos de espera é o passo seguinte na aplicação de uma lei que pode contribuir para uma profunda mudança no modelo organizativo e funcional quer dos hospitais quer dos centros de saúde: colocar o doente e a satisfação das suas necessidades e direitos no centro da sua actividade.


Artigo publicado inicialmente no Esquerda.net


 

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