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26 DE OUTUBRO DE 2009, SEGUNDA FEIRA
FONTE: esquerda.net
POR: João Semedo
Lisboa: o que nos ensinam os números
"Três eleições, um ciclo eleitoral. Resultados, nuns casos, esperados, noutros, imprevistos. Não admira, pois, a multiplicidade de comentários e análises que ocupam muitas e muitas páginas de jornais."
Três eleições, um ciclo eleitoral. Resultados, nuns casos, esperados, noutros, imprevistos. Não admira, pois, a multiplicidade de comentários e análises que ocupam muitas e muitas páginas de jornais. Entre elas, algumas pretendem a todo o custo que os números confirmem as opiniões e juízos previamente elaborados pelos seus autores. Ou seja, que os números consagrem as suas apostas políticas e opções de voto.

Sucede que, não raras vezes, isso é um exercício difícil e até condenado ao insucesso. Por mais que se forcem os números, eles não dizem o que se quer ouvir. É o que acontece com alguns comentários sobre a votação para a autarquia de Lisboa.

À esquerda concorreram três partidos: o PS, o BE e o PCP. O PS ganhou com maioria absoluta, o BE e o PCP ficaram longe dos objectivos a que se propunham. Mais longe o Bloco que o PCP: os bloquistas não elegeram qualquer vereador e o PCP, apesar de perder um vereador, conseguiu eleger Ruben de Carvalho.

Com base nestes resultados, há quem compare a vitória de António Costa à candidatura e resultado de Manuel Alegre. Deixando de lado o exagero desta tese – como se pode comparar uma disputa local, apesar do seu simbolismo político, com a dimensão de uma eleição presidencial - são evidentes as diferenças políticas entre uma e outra: António Costa uniu o PS (se quiserem, a área do PS) e hostilizou os partidos à sua esquerda (quem não se recorda das palavras de A. Costa no último congresso do PS?), a candidatura de Manuel Alegre dividiu o PS e não hostilizou as outras esquerdas (para além das inevitáveis picardias de campanha). Como se pode afirmar que A. Costa repetiu Manuel Alegre?

Há mesmo quem afirme – é o caso de Cipriano Justo - que “Lisboa é uma liçãoâ€. De quê? Da existência, à esquerda, de um bloco social que adere e se mobiliza pela convergência, em contraponto com outras forças que se dedicam à fragmentação da esquerda, entre as quais o BE. Os primeiros ganharam, os segundos perderam. Mas, para lá das aparências, terá sido mesmo assim?

O que dividiu a esquerda em Lisboa não foi o maior ou menor impulso ou contributo para a convergência. Foi, sim, entre os que se batem por uma convergência com programa e aqueles cujo programa se esgota na própria convergência. Os primeiros não sacrificam o programa à convergência, os segundos não condicionam a convergência ao programa. O Bloco esteve entre os primeiros e escolheu bem.

Por agora, tudo está cor de rosa. O ambiente ainda é de festa entre os vencedores e, também, nos que neles votaram. Mas, mais cedo ou mais tarde, quando a maioria de António Costa começar a tomar decisões e a fazer as suas opções, esquecendo os cidadãos e cedendo aos grandes interesses, a política da convergência pela convergência não deixará de revelar os seus riscos, limites e contradições. Julgo, ser apenas uma questão de tempo.

Há sim, e entre outras, uma lição nestas eleições mas não é apenas a de Lisboa. Verificou-se em todo o país, passou pela maior parte dos municípios e tocou todos os partidos, no poder ou na oposição. Todos, sem excepção. Para as câmaras, o voto de muitos eleitores “liberta-se†da simpatia partidária, da convicção ideológica, da afinidade política. No dia 11 de Outubro, muitos eleitores mudaram o seu voto, votaram num partido diferente daquele em que tinham votado nas legislativas de 27 de Setembro. O voto nas autárquicas é cada vez mais um voto “libertinoâ€, mais solto e independente dos posicionamentos partidários, políticos e ideológicos. Vota-se em quem disputa de facto a presidência, vota-se em quem pode ganhar, seja o próprio presidente em exercício ou seja um candidato com grandes possibilidades de vitória. Assim se explica que raros tenham sido os presidentes de câmara derrotados e, também, a grande polarização de votos no PS e no PSD.

Em Lisboa, apesar da diferente densidade política das eleições realizadas na capital do país, também se verificou esta tendência, tanto à esquerda como à direita. À esquerda, em benefício de António Costa e em prejuízo do BE e do PCP. À direita, o próprio Santana Lopes viu fugirem-lhe muitos votos dos partidos que o apoiavam. Vejamos os números.
Cerca de 300 mil lisboetas votaram em 27 de Setembro num dos cinco maiores partidos (PS,BE,PCP,PSD e CDS). Destes, houve 35 mil que não votaram nas eleições autárquicas, abstiveram-se: 22 mil eleitores dos partidos de direita não votaram Pedro Santana Lopes e 13 mil votantes do BE ou do PCP não votaram nesses partidos nem no PS.

Por outro lado, comparando os resultados para a câmara e assembleia municipais, o Bloco perde para o PS 6000 votos e o PCP 5500. Esta deslocação, um pouco superior a 11 mil votos, corresponde ao ganho de votos de António Costa face à votação obtida pelo PS no concelho de Lisboa para as legislativas.

Em resumo, o que os números dizem é que a esquerda à esquerda do PS deixou fugir para a abstenção 13 mil votos e para o PS/António Costa cerca de 11 mil.
Estes números dão a medida exacta da transferência de votos registada em Lisboa no universo dos eleitores de esquerda (170 mil nas legislativas). Dois movimentos em sentidos diferentes – para a abstenção e para o PS, quase em partes iguais mas, certamente, com significados muito diferentes.

Os números não permitem sustentar a tese de um grande bloco que se deslocou em direcção à candidatura do PS e muito menos que o tenha feito para premiar seja o que for, o programa da candidatura ou a convergência que a sustentou, num caso e noutro praticamente confinados ao PS.

Estes 11 mil lisboetas apenas fizeram o que milhões de outros portugueses fizeram no dia 11 de Outubro: votaram em quem podia ganhar. O que não altera o essencial dos resultados: em Lisboa, o PS ganhou e os outros perderam. Mas, também, não permite leituras superficiais ou precipitadas sobre as motivações dos eleitores, nem tão pouco juízos tendenciosos sobre o comportamento das forças políticas envolvidas nas recentes eleições, em particular sobre a sua vocação para o compromisso e a convergência à esquerda. As eleições de Lisboa não são o “fim da históriaâ€, não encerraram coisa alguma. O futuro inclui novos desafios para a esquerda. Perante eles, veremos o que cada um dirá e fará. Mas, desde já, é desejável que, de lição em lição, não se comece a fechar algumas portas.

João Semedo








 

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