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15 DE AGOSTO DE 2008, SEXTA FEIRA
FONTE: O Público
POR: Jorge Almeida
Uma perspectiva médico-sindical sobre o SNS
"O recente desafio da dr.ª Ana Jorge no reforço do trabalho médico em dedicação exclusiva nos serviços públicos veio relançar a discussão, estando a polémica instalada. Tal medida só fará sentido numa perspectiva de progressiva separação de sectores, objectivo considerado desejável pela senhora ministra, tendo estabelecido o espaço temporal de 10-15 anos para a sua concretização."
15.08.2008, Jorge Almeida
A cultura do trabalho em part-time não é compatível com o exercício de uma medicina de qualidade
A instituição em 1976 de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) universal e gratuito, financiado pelo orçamento do Estado, constituiu um enorme avanço civilizacional tendo em conta a incipiente organização e a baixa cobertura em cuidados de saúde do país. Assegurado o direito constitucional à saúde, todos os portugueses passaram a ter acesso a cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, tendo como único limite a capacidade de resposta do SNS.
Movidos pelo espírito altruísta e solidário de Abril, os médicos mais novos envolveram-se com entusiasmo no processo de mudança, disponibilizando-se para trabalhar onde fosse necessário. Foi o tempo do Serviço Médico à Periferia, com a cobertura médico-sanitária a ser assegurada, em grande parte, por levas de médicos internos recém-saídos das universidades. Com a criação da carreira de Medicina Familiar, a reorganização da Hospitalar e de Saúde Pública, a estrutura organizativa dos cuidados de Saúde definiu-se, o SNS ganhou forma e adquiriu maturidade.

Dito desta forma, tudo parece ter sido fácil. Mas não, o processo decorre no contexto de grandes lutas políticas e sindicais, com constantes mudanças de orientação da política de saúde, por vezes durante o mesmo ciclo governativo, frequentemente sem obedecer a previsíveis opções ideológicas do partido no poder. Lembro, a propósito, que foi com Leonor Beleza que se negociou o ainda em vigor decreto das carreiras médicas (DL 73/90), que, entre outras medidas estruturantes, instituiu o regime de dedicação exclusiva. Embora opcional para os médicos especialistas, era obrigatória para os médicos em formação (internos) e para aqueles que desempenhavam funções de direcção de unidades de saúde ou serviços de acção médica, podendo ainda ser condição de admissão a novos lugares a concurso.

A contestação dos interesses instalados e a fragilidade do poder político levaram a que Arlindo de Carvalho, novo ministro da Saúde do mesmo Governo, tivesse revogado o essencial das medidas. O desinvestimento político no trabalho em exclusividade teve como consequência a sua descaracterização. Com a cumplicidade das administrações, a dedicação exclusiva passa a ser a forma encontrada por muitos para majorarem as suas reformas, ao permitir-se optar por este regime em final de carreira. O objectivo inicial de introduzir uma nova cultura de trabalho foi traído com a conivência do poder político e a desejada mudança na relação de emprego público bloqueada. Porém, o regime em dedicação exclusiva sobreviveu a todos os atropelos, sendo ainda considerado no decreto das carreiras o regime de trabalho normal.

A recente modificação dos regimes de trabalho na função pública, com a instituição do contrato individual, sem o correspondente processo de negociação no âmbito da contratação colectiva, com total indefinição quanto ao futuro das carreiras profissionais, colocou milhares de médicos numa situação de indefinição e instabilidade. Esta mudança agravou o flirt profissional, em nada favorecendo a desejada melhoria da produtividade e da qualidade do exercício médico.

A ausência de uma política de captação de quadros, com a consequente desresponsabilização hierárquica e agravamento dos conflitos de interesses, é por muitos apontada como uma das principais causas das dificuldades que atravessa o SNS. É, pois, tempo de fazer opções: a cultura do trabalho em part-time não é compatível com o exercício de uma medicina de qualidade nem com as exigências de gestão clínica numa actividade complexa de necessidades de saúde crescentes e recursos financeiros limitados. Há, pois, que mudar rapidamente o paradigma organizativo e adequar as carreiras e vínculos laborais às novas realidades. A contratualização da produção interna e externa tem de ser aprofundada; os regimes de trabalho precisam de ser revistos e os vencimentos actualizados; a remuneração pelo desempenho de cargos de direcção e chefia tem de ser transparente e compensadora, para que sejam os melhores a ocupar os lugares cimeiros.

O recente desafio da dr.ª Ana Jorge no reforço do trabalho médico em dedicação exclusiva nos serviços públicos veio relançar a discussão, estando a polémica instalada. Tal medida só fará sentido numa perspectiva de progressiva separação de sectores, objectivo considerado desejável pela senhora ministra, tendo estabelecido o espaço temporal de 10-15 anos para a sua concretização. Aproxima-se um período de negociação em torno da revisão das carreiras médicas e da contratação colectiva em emprego público, os sindicatos médicos, como parte interessada, estão abertos à discussão, aguardando o início das conversações para conhecerem propostas mais concretas sobre as novas orientações da política de Saúde do Governo.

Sindicato dos Médicos do Norte, membro do Conselho Nacional Executivo da FNAM.


 

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