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29 DE DEZEMBRO DE 2008, SEGUNDA FEIRA
POR: Mário Jorge Neves
Fórum Democracia e Serviços Públicos
O SERVIÇO NACIONAL de SAÚDE: a propaganda e a realidade
"Apesar de todas as limitações, de todas as razões de queixa e de todas as incapacidades de resposta, o SNS constitui a maior realização social e humana do regime democrático iniciado a 25 de Abril de 1974." Leia esta interessante comunicação, repleta de informação numérica, sobre o Serviço Nacional de Saúde, e que foi apresentada pelo Presidente da Federação Nacional dos Médicos, Mário Jorge Neves, no Fórum Democracia e Serviços Públicos, no painel dedicado à Saúde.
O SERVIÇO NACIONAL de SAÚDE: a propaganda e a realidade

Apesar de todas as limitações, de todas as razões de queixa e de todas as incapacidades de resposta, o SNS constitui a maior realização social e humana do regime democrático iniciado a 25 de Abril de 1974.

Apesar da sistemática campanha ideológica contra o SNS e dos contínuos constrangimentos orçamentais, este é o único serviço público que já colocou o nosso país nos primeiros lugares a nível mundial quanto à capacidade de desempenho e aos resultados obtidos.

Todos os indicadores de saúde revelaram uma notável melhoria em pouco mais de 20
anos e demonstraram as claras potencialidades da existência de um serviço de saúde geral e universal.

Por exemplo:
* a taxa de mortalidade infantil era em 1970 de 58,6 por mil e em 2006 de cerca de 4 por mil.

* os partos hospitalares eram em 1970 de 37,5% e em 2000 de 99%.

* a taxa de mortalidade neonatal ( entre os 0 e os 27 dias de vida) era de 38,9 por mil e em 2002 de 3,4 por mil.

* a taxa de mortalidade perinatal ( nº de crianças que nascem mortas) era em 1960 de 41,1 por mil e em 2000 de 5,5 por mil.

O Relatório Mundial relativo à mortalidade materna, com dados de 2000, elaborado conjuntamente pela Organização Mundial de Saúde (OMS), UNICEF e pelos Fundos da ONU para a População (FNUAP) veio demonstrar, mais uma vez, a enorme capacidade de desempenho do SNS.

Dos mais de 180 países analisados nesse relatório, Portugal ocupava a 8ª posição mais baixa quanto ao número de mortes de mães por 100.000 nascimentos: 4 mortes.

O Relatório Mundial da OMS sobre os sistemas de saúde divulgado no início de 2001 veio confirmar a evolução positiva das realizações do SNS.

Quanto ao desempenho global dos sistemas de saúde, Portugal estava em 12º lugar.

No total das despesas de saúde em percentagem do PIB, Portugal estava em 23º lugar, com 8,2%.

Relativamente às despesas públicas de saúde em percentagem do total de despesas nacionais de saúde, Portugal estava em 105º lugar, com 57,5 % de despesas públicas e, consequentemente, com 42,5% de despesas privadas.

Em termos comparativos, a percentagem de despesas públicas noutros países era:

Luxemburgo-91,4%

Dinamarca-84,3%

Bélgica-83,2%

Noruega-82%

Suécia-78%

Alemanha-77,5%

França-76,9%

Espanha-70,6%


No que se refere aos pagamentos directos dos cidadãos, estes representavam 40,9% do total das suas despesas de saúde.

Esta percentagem colocava o nosso país em 115º lugar.

Em termos comparativos, noutros países era a seguinte:

Luxemburgo-7,2%

Alemanha-11,3%

Dinamrca-15,7%

Canadá-17%

Finlândia-19,3%

Espanha-20,4%

França-20,4%

Suécia-22%

Grécia-31,7%

De acordo com um relatório da OCDE divulgado em 2003, as despesas de saúde por habitante em Portugal eram de 758 euros, quando a média da União Europeia, com os então 15 membros, era de 1458 euros.

Por exemplo, na Alemanha eram de 1569 euros, na França de 2730, na Finlândia de
1539, na Suécia de 1653, na Espanha de 888 e na Itália de 1229.

Na base de todos estes números é possível avaliar a desonestidade política e a mistificação que têm presidido às sucessivas campanhas anti-SNS que têm sido desenvolvidas nos últimos 25 anos, utilizando chavões sem qualquer fundamento e cujos objectivos têm sido de denegrir este serviço público fundamental e de facilitar o posterior desenvolvimento da privatização dos seus mais importantes segmentos assistenciais.

A primeira campanha assentou na suposta estatização da saúde que era própria de uma sociedade colectivizada.

Um país como o nosso que tem somente 57,5% de despesas públicas na saúde e que, neste aspecto, está em 105º lugar tem a saúde estatizada e colectivizada?

E países como Luxemburgo, Dinamarca, Suécia e França com as percentagens referidas são exemplos de países estatizados e colectivizados?

Outra campanha surgida é que o SNS é gratuito para todos e que este facto era imoral e economicamente insustentável.

Na base destes pressupostos, era defendida a proposta de que os cidadãos com maiores rendimentos deveriam pagar uma importante percentagem dos cuidados de saúde, de
modo a garantir que os mais desfavorecidos continuassem a usufruir da gratuitidade.

Mas esta apregoada gratuitidade constitui uma flagrante deturpação da realidade.

O SNS nada tem de gratuito, sendo suportado pelo pagamento prévio dos impostos pelos cidadãos .

Ele é teoricamente gratuito no acto da prestação dos cuidados.

Com todos sabemos, as verbas destinadas aos serviços públicos de saúde são provenientes do Orçamento de Estado e esta deriva dos impostos e da carga fiscal sobre os rendimentos dos cidadãos. Ou seja, se não forem efectuadas fugas fraudulentas aos impostos, quem mais ganha, mais paga de impostos.

Assim, está assegurado o esforço solidário na garantia da universalidade de acesso aos cuidados de saúde.

Foram igualmente desenvolvidos argumentos que no nosso país existiam custos crescentes e excessivos com a saúde que derivavam da existência do SNS.

Mais uma vez, os factos mostram que um país que em 2003 gastava 758 euros por habitante não pode ser considerado como tendo custos excessivos.

O crescimento dos custos com a saúde é um dado comum à generalidade dos países mais desenvolvidos e deve-se a causas como: aumento considerável da esperança de vida e envelhecimento da estrutura etária da sociedade; emergência de novas doenças com terapêuticas prolongadas e caras; o desenvolvimento e difusão de novas e mais sofisticadas tecnologias médicas; e o aparecimento de novos e mais eficazes medicamentos, com custos muito superiores.

Nos últimos anos, a campanha anti-SNS passou a estar centralizada na suposta e incontestável superioridade natural da gestão privada.

Segundo os ideólogos desta campanha, a gestão pública seria sempre ruinosa, conduzia a graves desperdícios e traduzia-se por baixos níveis de eficiência.

Além disso, o Estado era sempre um mau gestor, não demonstrando capacidade para rentabilizar os recursos existentes e conduzindo a uma permanente insatisfação dos cidadãos.

Em oposição, a gestão privada pela sua própria natureza seria, desde logo, uma garantia de êxito e possibilitaria a obtenção de resultados muito superiores a nível do funcionamento dos serviços de saúde e da própria satisfação dos utentes.

Uma das operações teóricas e políticas mais bem sucedidas do neoliberalismo foi a de instalar os debates em torno da oposição público/privado.

Se esta campanha correspondesse à realidade, não havia empresa privada que fosse à falência, nem estávamos hoje confrontados com uma crise generalizada de consequências ainda imprevisíveis, em que grandes gigantes multinacionais têm
implodido e até os bancos são, em número crescente, nacionalizados pelo tal Estado que não consegue gerir nada com qualidade.


Os Instrumentos contra o SNS

Podemos considerar que, para além de múltiplas medidas que diversos governos foram tomando na perspectiva de desarticulação e esvaziamento do SNS, a entrega da gestão do então recém construído Hospital Amadora/Sintra a um consórcio privado foi a primeira experiência de vulto para iniciar a escalada de desmantelamento da gestão pública e da progressiva alienação dos serviços públicos de saúde.

Mas ao fim de pouco tempo, tornou-se claro que esta experiência privada na saúde, afinal, não conseguia fazer mais e melhor do que os hospitais públicos, apesar de beneficiar de um conjunto de facilidades financeiras que a nível público se encontram mais emperradas num emaranhado burocrático.

Ao fim de 12 anos, o Estado viu-se obrigado a não renovar a concessão dessa gestão.

Há cerca de 6 anos atrás, e quando esses modelos neoliberais e privatizadores da gestão, inspirados pelo Banco Mundial, se encontravam já em clara falência noutros países, surgiu o modelo SA e depois o modelo EPE.

O modelo da chamada empresarialização foi abundantemente justificado perante a opinião pública como sendo a única solução para resolver os delicados problemas existentes nos hospitais, a garantia de introduzir acentuadas poupanças nas despesas públicas e uma forma de aumentar substancialmente a capacidade de resposta destas unidades.

Perante este empenhamento do governo de então, o frenesim de vários grupos privados em ser contemplado com a entrega de serviços públicos de saúde era já tão incontrolado que um dos grupos económicos com estruturas de saúde chegou ao extremo de propor publicamente em Outubro de 2004 que até 2010 metade do SNS devia estar mãos dos privados.

Os 31 Hospitais SA, criados no final de 2002, cedo começaram a demonstrar as lógicas do seu modelo conceptual.

No início de 2004, as notícias deram conta que o próprio Tribunal de Contas considerou que os hospitais-empresa colocavam múltiplas questões quanto ao descontrolo das contas na saúde.

A sucessão de notícias na comunicação social foi divulgando questões sobre este
tipo de modelo, nomeadamente:
- poupanças à custa de partos;
- discriminação de utentes em função das respectivas capacidades económicas;
- tentativas de privatização integral de várias áreas em diversos hospitais;
- aumentos sucessivos dos custos de funcionamento;
- “apagamentos” de dívidas para tentar mostrar melhores resultados;
- agravamento sistemático dos prejuízos;
- somente no ano de 2003, um prejuízo de 125 milhões de euros;
- uso do capital social em despesas correntes;
- acumulação de vultuosas dívidas aos fornecedores;
- agravamento da qualidade assistencial.
- centenas de contratações de pessoas sem serem profissionais de saúde.

A crescente demonstração prática da falência deste modelo, levou a que a mudança de governo no início de 2005 tenha determinado a substituição do modelo SA pelo modelo
EPE.

Nestes 4 anos, o modelo EPE foi estendido a quase todos os hospitais públicos e até às
Unidades Locais de Saúde que envolvem também os Centros de Saúde.

Estas unidades já abrangem cerca de 30% do território nacional.

Nenhum dos pressupostos da criação deste modelo foi assegurado.

Perante a evidência do descalabro das contas destes hospitais, vai ser criado um fundo de 800 milhões de euros para o Estado, que é o tal mau gestor, pagar as respectivas dívidas.

Embora muitos analistas e intervenientes na política do sector tenham focalizado as suas denúncias no objectivo subjacente a este modelo de desorçamentar as contas públicas e mistificar o défice, importa ter presente que outros dos seus objectivos são proceder ao gradual desmantelamento do SNS e à total desregulação laboral que tornou caótica a gestão dos recursos humanos.

Vive-se hoje uma profunda crise nos hospitais públicos que não cessa de se agravar: o recurso a contratos individuais que não possibilita a garantia de diferenciação contínua no plano técnico-científico; extrema precariedade laboral; reestruturações sucessivas de serviços com amputações significativas na sua capacidade de resposta; criação de um clima de afrontamento e de agressividade para com os profissionais de saúde que têm determinado o recurso crescente a exonerações e a reformas antecipadas, deixando os serviços cada vez mais desertos dos seus profissionais mais diferenciados e experientes; a contratação indiscriminada de assessores e de consultores.

Simultaneamente, as medidas de esvaziamento e de eliminação de serviços públicos de saúde têm levado, por exemplo, ao crescimento do número de partos em ambulâncias, o que constitui um facto que durante largos anos tinha uma ocorrência excepcional.

Independentemente de todas as tentativas para justificar este modelo, os dados objectivos mostram que a introdução destas medidas e o aprofundamento deste tipo de política de saúde apresenta já resultados desastrosos que ninguém pode esconder.

Ainda recentemente, foi divulgado um estudo em Bruxelas que colocou o nosso país em 26º lugar na classificação dos sistemas de saúde prestados em 31 países europeus.

Em menos de 8 anos, as políticas que têm vindo a ser conduzidas no sector da saúde produziram já um enorme trambolhão do 12º lugar a nível mundial para o 26º num conjunto de 31 países europeus.

Este é um dado que não possibilita qualquer margem de contra-argumentação séria a quem tem defendido a implementação destas medidas inspiradas nos manuais neoliberais do Banco Mundial.

Como é evidente desde há longo tempo, o nosso país não possui nível médio de vida que permita viabilizar grandes estruturas privadas.

As que se têm constituído ao longo dos anos só têm conseguido assegurar, nalguns casos, a sua sobrevivência à custa dos dinheiros públicos, por via de convenções e de contratos com subsistemas públicos.

Por um lado, os sectores económicos privados defendem as maravilhas da livre competição e do respeito pela livre iniciativa, mas por outro, exigem o dinheiro do Estado para conseguirem implementar as suas estruturas.

No actual contexto de inequívoca falência do modelo neoliberal, os mesmos que clamaram tanto tempo por “menos Estado” e pela generalização da privatização, são os mesmos que agora deixam as empresas e bancos na falência e suplicam pela intervenção desse mesmo Estado que tantos defeitos lhe apontavam.

Está demonstrada uma estreita ligação entre a saúde e a economia.

Os países onde as condições de saúde são mais uniformes no seio da população são os que apresentam melhores condições para um adequado crescimento económico.

Diversos estudos internacionais sobre a equidade no financiamento dos serviços de saúde geraram evidência suficiente para se poder afirmar que o gasto público em saúde, concretamente nos cuidados primários, regista um levado impacto redistributivo, permitindo corrigir algumas desigualdades geradas pelo funcionamento da economia.

A saúde deve ser concebida como um investimento de alto valor estratégico.

Que soluções?

Em termos de grandes medidas de fundo necessárias a uma política alternativa podem enumerar-se as seguintes:

- A implementação de uma gestão pública participada e com objectivos definidos e quantificáveis.

- Contratualização dos objectivos.

- Aplicação de programas de melhoria da qualidade em todos os serviços como um instrumento contínuo de gestão.

- Responsabilização e avaliação de todos os níveis de gestão e de chefias.

- Fim das nomeações clientelares e aparelhísticas.

- Em alternativa, promoção da competência e do mérito.

- Colocação dos Cuidados de Saúde Primários no centro do SNS.

14/12/2008

Mário Jorge Neves


 

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