"Não estou a dizer que vai acontecer. Não estou a dizer que deva acontecer. Mas a minha impressão é a de que — se vier a acontecer — tudo mudou." Leia aqui esta interessante crónica que Rui Tavares escreveu para o Público na sequência do encontro da Aula Magna.
Não estou a dizer que vai acontecer. Não estou a dizer que deva acontecer. Mas a minha impressão é a de que — se vier a acontecer — tudo mudou.
As análises de como é impossÃvel, cansativamente impossÃvel, haver convergência de esquerda já estão todas feitas. Poupemos tempo ao leitor.
O que até agora ninguém fez foi sentar-se para pensar em quanto poderia valer um futuro partido de Manuel Alegre, se coligado ao Bloco de Esquerda. Contas por baixo, eu diria que para lá de quinze por cento, com vinte a trinta deputados no parlamento. Isto significa o dobro do PCP, três vezes mais do que o CDS, e talvez metade do PSD. Significa ser o terceiro partido, destacado, provavelmente impossibilitar a maioria absoluta do PS, e retirar-lhe sequer a possibilidade de fazer governo com o CDS (mesmo que matematicamente possÃvel, seria suicidário juntar-se ao provável último partido nas eleições, escancarando assim as portas à s crÃticas da esquerda em crescendo). Numa situação dessas restariam duas hipóteses a Sócrates. A primeira seria ter um governo minoritário num parlamento em que a nova coligação de esquerda seria uma força fundamental. A outra seria aliar-se a um PSD em cacos num governo de Bloco Central que, em anos de crise, seria visto pela população como o aliado natural dos grandes interesses. A segunda opção seria má para o PS, muito má para o PSD, e pior para a República.
Surpreende-me por isso que haja um coro instantâneo garantindo que não há aqui nada de novo. Do meu lado, ainda me encontro a digerir a ideia. Não estou a dizer que vai acontecer. Não estou a dizer que deva acontecer. Mas a minha impressão é a de que — se vier a acontecer — tudo mudou.
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A ideia de que o diálogo à esquerda é uma coisa supostamente muito difÃcil parte de uma distorção de perspectiva. Entre o povo de esquerda as diferenças são hoje muito mais superáveis (sempre foram, aliás) do que entre os lÃderes partidários obrigados à competição eleitoral. Consideremos este diálogo entre bloquistas e alegristas. O primeiro acto foi um comÃcio; o segundo acto já foi uma série de debates entre especialistas e polÃticos com uma componente prática. E agora, depois da notável aceleração que se deu este Domingo, há uma tendência natural para pôr alguma água na fervura. A começar pelos lÃderes, que não sabem o que sairá dali.
A minha sugestão é: perguntem. A opacidade dos partidos polÃticos em Portugal e os nossos fracos Ãndices de participação polÃtica — combinada com uma tendência dos lÃderes de esquerda para o controleirismo — sempre foram um problema. A consequência é um desperdÃcio de potencial polÃtico da nossa sociedade civil. Quem não quiser contrariar isto não poderá realmente mudar o paÃs.
Façam um fim de semana de debates em sistema semi-aberto, com uma parte de convites e outra de inscrições voluntárias. Criem uma estrutura na internet, ainda antes do evento, para receber inscrições e para divulgar as sugestões concretas que saÃram dos debates já realizados, do direito do trabalho à economia. Aceitem que alguns desses inscritos participem na organização. E façam a coisa sem compromisso — ninguém tem de ser de um partido ou sequer defender a fundação de um partido — mas centrada nos temas da esquerda, da democracia e da cidadania. Pelo caminho compreenderão se vale a pena alterar o mosaico de partidos existente ou deixá-lo como está, aumentando apenas os canais de diálogo. Isso talvez nem seja o mais importante. Mas perguntem. As pessoas vos dirão o que pensam.
do
Público transcrito do
blog Ruitavares.net/blog