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12 DE DEZEMBRO DE 2008, SEXTA FEIRA
POR: Guilherme da Fonseca-Statter
A Propósito de um ‘Capitalismo Mais Regulado’…
A propósito de uma expressão que surgiu num comunicado que nos convoca para um debate que terá que terá lugar no dia 15, no Hotel Zurique, Crise, oportunidade de viragem. Para onde queremos ir?, em que participarão Jorge Sampaio, António José Seguro, Florival Lança e Ricardo Pais Mamede, houve um renovador que perguntou o que é isso de capitalismo regulado? Guilherme da Fonseca-Statter achou por bem responder. Podem ler aqui a sua resposta A Propósito de um ‘Capitalismo Mais Regulado’…
Um dos primeiros revisionistas do movimento marxista terá certamente sido o Bernstein o qual, com o abandono dos fundamentos teóricos do comportamento intrínseco do sistema capitalista, nomeadamente a queda tendencial da taxa de lucro e a tendência para a recorrência de crises, assim como as suas ideias de um reformismo progressivo e a sua consigna de ‘o movimento é tudo’ contribuiu certamente para lançar a confusão entre muitos dos activistas do socialismo ou da social-democracia em fins do século XIX. Este abandono dos fundamentos teóricos da analise marxista de O Capital, por parte de Eduard Bernstein, vem a acontecer, pelo menos em termos de cronologia, na sequência do lançamento do Volume 3, por parte de Engels (de quem Bernstein foi secretário…), assim como pela refutação, em 1896, do conteúdo substantivo do referido Volume 3, por parte do economista marginalista Bohm-Bawerk, na sua obra ‘Marx e a Conclusão do seu Sistema’.

Independentemente do abandono dos referidos fundamentos teóricos por parte de Bernstein, aquela sua consigna de ‘o movimento é tudo’ tem muito que se lhe diga… Desde logo porque tem algo de equivalente a uma outra consigna amplamente referida por muitos militantes do projecto socialista, designadamente a ideia de que ‘o caminho faz-se caminhando’.
Entretanto importa assinalar que a ideia, muito difundida, de uma pretensa ou postulada dicotomia entre os conceitos e praticas de ‘reforma’ e ‘revolução’ é uma ideia muito pouco dialéctica… Como muitas outras dicotomias, também esta parece ignorar, ou passar de lado, em relação a transformação permanente das circunstancias históricas, transformação essa engendrada pela própria natureza das coisas sociais.

Por outro lado, aquilo porque se batem todos os defensores do capitalismo, e parafraseando Marx, são basicamente quatro coisas : a liberdade, a igualdade, a propriedade e Bentham. Para o caso, é a liberdade de movimentação de capitais, que é como quem diz, a possibilidade de em qualquer momento deslocalizar actividades, sempre em busca de uma maior taxa de exploração. Os defensores do capitalismo defendem também, e fazem-no acirradamente, a liberdade individual de contratação, a qual só se poderá verificar se cada uma das partes se apresentar em pé de igualdade e, sobretudo, a título individual. No caso especifico da contratação de força de trabalho, isso da igualdade e da liberdade contratual individual então é das batalhas fundamentais dos defensores do capitalismo, os quais procuram por todos os meios evitar sindicatos, contratações colectivas e interferências por parte do Estado.

Por outro lado, os defensores do capitalismo defendem com unhas e dentes a não interferência por parte dos poderes públicos em tudo quanto possa tocar, mesmo ao de leve, no sacrossanto direito da propriedade privada, muito em particular dos meios de produção. E por fim Bentham, no sentido de que para os defensores do capitalismo, o sistema só funcionara a cem por cento, no melhor dos mundos possíveis, se tivermos, de modo profundamente egoísta, ‘cada um por si e o Mercado por todos’. Nada de regulação ou de interferências. Nas escolas de economia continua-se a explicar, como há duzentos anos atrás, como é que a mão invisível do mercado, se encarrega da maior felicidade terrena para cada um dos intervenientes nesse jogo das forças cegas da economia mercantil não regulada. A concorrência, dizem eles, é suposta ser sempre mais eficaz do que a cooperação. E no entanto, já um brilhante economista matemático norte-americano, John Nash de seu nome, demonstrou em 1950 que a lei da selva da concorrência não é necessariamente mais eficaz do que a cooperação entre os actores sociais.

Neste contexto, ao falar-se de ‘capitalismo mais regulado’, devemos também e naturalmente ter presente o movimento histórico e a tensão permanente, ao longo dos séculos, entre o chamado poder do ‘príncipes (‘O Estado sou eu’, dizia o Luis XIV…) e o poder dos ‘mercadores’. Na medida em que não temos ainda um qualquer ‘governo mundial’, aquilo que a globalização conseguiu para os defensores do capitalismo, foi justamente a liberdade de actuação sem controlos, nem interferências por parte de qualquer poder politico efectivo. O mais que temos é uma espécie de ‘câmara de comércio’ de âmbito mundial a que pomposamente se chama de ‘Organização Mundial de Comércio’, enquanto que as Nações Unidas se contentam (…) com uma unidade de observação das actividades das empresas transnacionais. Neste sentido, tudo quanto seja regular o funcionamento do sistema capitalista é considerado, pelos seus defensores, como sendo contra natura. E também nesse sentido, tudo quanto seja regular, supervisionar ou controlar a actividade das empresas capitalistas, são necessariamente passos no sentido do caminho, que se faz caminhando, rumo a algo que se possa eventualmente vir a designer, e a ser, socialismo. Desde a imposição, em todos os países do mundo, das normas da Organização Internacional do Trabalho (carga horária de trabalho seminal, férias, trabalho infantil…), até ao controle rigoroso e eficaz das múltiplas normas internacionais de saúde pública, escolaridade e direitos das mulheres, passando pelas normas de poluição e transparência de procedimentos em todas as actividades de impacto económico.

Voltando então a ‘o movimento é tudo’ do sr. Eduard Bernstein, o erro fundamental do primeiro dos revisionistas (e da social-democracia que veio com ele…) terá sido então a confusão dos meios com os fins a alcançar. O caminho a percorrer com o cenário da paisagem de chegada. Isto não impede que, pela sua natureza, quaisquer movimentos de regulação do sistema capitalista, sempre acabam por empurrar o sistema para uma situação em que, mais tarde ou mais cedo, se torna necessário superar, de uma vez por todas ( ?...) as contradições intrínsecas da lógica de funcionamento do sistema.
‘Eles’ sabem disso e por isso mesmo combatem toda e qualquer tentativa de regulação, por todos os meios ao seu dispor, designadamente através da hegemonia nos susbsistemas produtores da ideologia (os media, as escolas, universidades e institutos de investigação…). Por vezes, e até para serem mais eficazes (com papas e bolos…) fingem até alguma espécie de regulação, como quando os Srs., Bush e Sarkozy falam em acabar com os paraísos fiscais e controlar com um mínimo de eficácia as movimentações de capitais por esse mundo fora.

Guilherme da Fonseca-Statter
Paris, Dezembro de 2008


 

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