 05 DE NOVEMBRO DE 2008, QUARTA-FEIRA Apontamentos sobre o Capitalismo Cognitivo Guilherme da Fonseca-Statter “Uma corrente de pensamento crítico que ganhou foros de cidadania desde há umas décadas a esta parte, é a do “capital cognitivo” ou a de uma “teoria crítica moderna” da teoria do valor. Estou a pensar mais especificamente em ideias de autores “pós modernos” como António Negri ou Michael Hardt”.
Guilherme da Fonseca-Sttater a propósito do Seminário Internacional: Autonomismo Italiano, Capitalismo Cognitivo e General Intellect, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, na sala Polivalente, no dia 13 de Novembro, com início ás 14h30, elaborou estes interessantes Apontamentos sobre o Capitalismo Cognitivo
Quando leio alguns dos ensaios, que proliferam na rede www, relativamente a novas e velhas interpretações da teoria laboral do valor, sou às vezes levado a pensar sobre os escritos de alguns críticos de arte e, em particular, os elaborados por críticos de música. Não há nada como ouvir mesmo os concertos ou as sinfonias...
Vem isto a propósito de algumas propostas de comunicações a alguns dos congressos e conferências que se vão realizando e/ou sendo anunciadas para discussão das ideias de Marx.
Uma corrente de pensamento crítico que ganhou foros de cidadania desde há umas décadas a esta parte, é a do “capital cognitivo” ou a de uma “teoria crítica moderna” da teoria do valor. Estou a pensar mais especificamente em ideias de autores “pós modernos” como António Negri ou Michael Hardt. Para estes autores, por exemplo, “a lei do valor laboral, a qual tentou dar sentido à nossa história em nome da centralidade do trabalho proletário e a sua redução quantitativa em linha com o desenvolvimento capitalista, está completamente falida”. Na bancarrota... “morta”... “deixou de ser operativa”... são algumas das expressões utilizadas (The Labors of Dionysius, 1994)
Entretanto, a emergência da tese do chamado “capitalismo cognitivo” parece sugerir que até aqui, nas fases anteriores do capitalismo, nos então chamados “capitalismo mercantil e “capitalismo industrial”, não teria havido conhecimento tecnológico e científico, socialmente repartido, o qual estivesse na origem da criação de riqueza. E que estivesse, por tabela e considerando o regime capitalista, na origem da criação de valor.
A difusão e confusão sobre estes conceitos pode ser avaliada se considerarmos que na literatura aparecem frequentes referências a um presumível texto de Marx, designado por “Fragmento sobre as Máquinas”, o qual seria como que um capítulo ou secção dos “Grundrisse”. Gostava que alguém me ajudasse, pois no meu exemplar (Pelican Books – The Pelican Marx Library – 1973) não há meio de encontrar. O que encontro, isso sim, são múltiplas referências – de um alcance quase “profético” – bastante dispersas ao longo de dezenas/centenas de páginas, relativamente às possibilidades futuras abertas com o então muito incipiente processo de automatização fabril. Por exemplo, a expressão “intelecto geral” (ou “general intellect”) com o significado muito claro, conciso e preciso, de conhecimento técnico e científico de utilidade para os processos de produção e como tal “apropriado” pela sociedade como um todo, aparece uma única vez (repito, uma única vez...).
Não quer isto dizer que não seja razoável – e até importante – que se discuta hoje a questão da apropriação do saber-fazer de caracter técnico e científico, assim como a sua concretização em maquinismos de toda a espécie. Tenho para mim que o exemplo acabado de “intelecto geral” é o da programação de robôs e máquinas computadoras, onde esses programas assumem a forma de “sistemas periciais”. Entretanto emergiu mesmo uma disciplina de “Engenharia do Conhecimento” através da qual se procuram desenvolver métodos de “captura de conhecimento” ou de “saber-fazer” a partir do conhecimento adquirido pelos trabalhadores humanos. Claro está que esse conhecimento passa a ser tão imaterial como já o era o conhecimento imaterial da noção de zero, infinito ou número negativo, há uns séculos atrás.
Tenho para mim que autores como Negri e Hardt, para além de parecerem ler os “Grundrisse” como se tratasse da obra final e completa de Marx (lembro, mais uma vez, que estes “fundamentos” foram escritos cerca de dez anos antes de “O Capital”), parecem confundir a análise de Marx sobre o capitalismo, tal como ele funciona, com as algumas referências que Marx ali faz às possibilidades futuras para a sociedade humana, a partir das ilações das tendências necessárias do Capital.
Por exemplo, no “Caderno de Apontamentos VII”, a certa altura, diz-nos Marx algo que só pode ser qualificado como um esboço de hipótese de uma possível futura “utopia”:
“O livre desenvolvimento das individualidades, e portanto não a redução do tempo de trabalho socialmente necessário, o qual postule trabalho excedente, mas antes a redução geral do trabalho necessário da sociedade para um mínimo, o qual então corresponde ao desenvolvimento artístico, científico, etc., dos indivíduos, no tempo libertado e com os meios criados para todos eles” (tradução literal...)
Que deste tipo de excertos ou dos seus equivalente e derivados que se encontram nos vários “fragmentos” sobre maquinaria (no tal Caderno VII), se venha a concluir que já estamos nessa fase e que a teoria do valor deixou de ser “operativa” (coisa que Marx postulava apenas para uma fase da evolução posterior ao capitalismo), acho que é exagerar um pouco... Para mal dos nossos pecados, ainda aí não chegámos.
Por outro lado, e para concluir, da leitura destes autores fica-me também a sensação de que consideram o capitalismo europeu (ou dos países da Tríade) como se constituíssem a totalidade do sistema. Como se não houvesse uns 2.000 milhões de desempregados por esse mundo fora.
Novembro de 2008
Negri e Hardt Enviado por Guilherme da Fonseca-Statter, em 12-11-2008 Ã s 10:53:17 O José Neves tem razão quanto ao carácter "filológico" do meu apontamento... Em todo o caso, eu não diria "acusar" na medida em que não acho correcto que se "acuse alguém de ser comunista", como acontece tantas vezes nos media convencionais. Como se fosse crime "ser-se- comunista" ou "ser-se infiel ao pensamento de Marx".
O que me parece é que não será correcto (no sentido de curial, sensato...) da parte daqueles autores "pegarem" nos Gundrisse para "desvalorizarem" o Capital.
Até porque no primeiro caso estamos perante "Cadernos de Apontamentos" (de preparação para um trabalho mais estruturado) e no segundo caso estamos perante a obra "definitiva" (aliás inacabada...).
Quanto à sugestão da discussão, "estou nessa" e confesso que também não vou muito em cânones... filolofia e pós-modernismo Enviado por josé neves, em 07-11-2008 Ã s 17:09:09 se a ideia é acusar Negri e Hardt de infedilidade ao pensamento de Marx, creio que eles próprios se apressariam a se dar como culpados. O mesmo em relação à desvalorização do Capital por relação aos Grundrisse. Esta desvalorização é, aliás, parte crucial de parte da tradição teórica autonomista dos anos 70. Mas será que queremos mesmo ficar, no quadro de um site chamado renovação comunista, por uma discussão filológica deste tipo? Parece-me, por exemplo, que o último parágrafo do texto do Guilherme Slatter deveria ser sim o início de uma discussão interessante. mas isto sou eu que sou pós-moderno e já não ligo a coisas como canones e outras doxas.
abç e até dia 13 de nov |