13 DE OUTUBRO DE 2007, SÁBADO FONTE: Público POR: por Cipriano Justo Recuar, recuar, recuar sempre "Em vez de criar condições de trabalho e remuneração para atrair e fixar os médicos nos serviços públicos, o governo opta pelo que lhe é mais fácil: um
parte time nos hospitais. Os bancos e as seguradoras agradecem e aplaudem mas dificilmente os portugueses poderão concordar com esta medida."
Como este governo não tem por hábito jogar aos dados -percebe-se que as decisoes são preparadas, enquadradas e criteriosamente divulgadas,
obedecendo a uma intenção reflectida e procurando influenciar os acontecimentos para além dos efeitos imediatos -, a possibilidade agora dada
aos médicos dos serviços públicos de saúde de exercerem a sua actividade a tempo parcial é a outra face do controlo electrónico da assiduidade, já
iniciado em varios hospitais. No seu conjunto, os dois lados desta moeda representam mais um recuo do Serviço Nacional de Saúde, a par de outros que
este governo vem dando mostras, concomitantes com a progressão do sector privado hospitalar. O sinal político desta medida é tão simples como isto -
por vontade do governo o SNS só fica obrigado a cumprir, vá lá, metade das suas obrigações para com os portugueses, e os bancos e as seguradoras que
façam o resto.
Se no plano dos valores o controlo electrónico da assiduidade representa uma usurpação, por parte do Estado, da capacidade de auto-regulacao dos médicos,
na perspectiva da organização da produção de cuidados de saúde é o reconhecimento de que se abandonou a estratégia da contratualização, nomeadamente da contratualizaçãoo interna, substituindo-a por mecanismos que visam formatar pela via do comando e controlo centralizado o funcionamento dos hospitais e centros de saúde. Atrofiam-se os instrumentos de
responsabilização individual e retira-se competência e capacidade de negociação à gestão intermédia em nome do espírito e da disciplina de caserna. O controlo electrónico da assiduidade é o indicador do que vai no pensamento deste governo sobre politica de saúde - recuar, recuar, recuar sempre, mas cronometrado ao segundo.
Alguns indicadores de actividade do que se faz no sector público hospitalar e no sector privado hospitalar são particularmente elucidativos para se
perceber melhor o alcance desta medida e os efeitos que ela vai ter no ordenamento do sistema de saúde português. Em cinco anos, por exemplo, e de
acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, enquanto os efectivos médicos dos hospitais públicos cresceram 8%, os efectivos do
sector privado hospitalar cresceram 20%; o volume de consultas externas aumentou 25% nos hospitais públicos e 20% nos hospitaiss privados, os
internamentos aumentaram 4% nos hospitais públicos e 7% nos hospitais privados, as cirurgias tiveram um crescimento de 17% nos hospitais publicos
e 19% nos hospitais privados, as análises clínicas viram o seu volume aumentar 21% no público e 128% no privado, a imagiologia cresceu 21% no
público e 47% no privado, a fisioterapia diminuiu 5% no público e aumentou 18% no privado e, finalmente, as endoscopias cresceram 40% no público e 182%
no privado.
Estes valores dizem-nos que estamos perante um sistema de saúde a duas velocidades: o SNS a desacelarar e o sector privado hospitalar em franco
crescimento. Financeiramente esta desigualdade é dada pelo crescimentos de 20% na despesa do SNS nos últimos cinco anos e pelo aumento de 42% ns
despesa com a aquisição de produção de cuidados ao sector privado, no mesmo período. Significando que muita produção deixou de ser realizada no sector
público para ser adquirida ao sector privado com o dinheiro do orçamento do SNS. O parente pobre do SNS continua a ser as despesas com pessoal que,
comparativamente, no mesmo período cresceram 18%.
Em vez de criar condições de trabalho e remuneração para atrair e fixar os médicos nos serviços públicos, o governo opta pelo que lhe é mais fácil: um
parte time nos hospitais. Os bancos e as seguradoras agradecem e aplaudem mas dificilmente os portugueses poderão concordar com esta medida.
Dirigente da Renovação Comunista
Controlo da assiduidade Enviado por Fernando Baptista, em 29-10-2007 às 15:38:37 Concordo na generalidade, mas acho que não devemos estar preocupados com o controlo da assiduidade (desde que não tenha um carácter rígido e possa ser flexível e controlado por períodos de tempo). Até pode ser bem-vinda.
Mas claro, frontalmente, contra contratos a tempo parcial. O caminho certo, penso que seria a profissionalização no sector público e a extensão da exclusividade de funções. |