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25 DE FEVEREIRO DE 2012, SÃBADO
Paulo Fidalgo
O Governo é Pior do que a Troika
Empreender na reversão da profunda crise em que nos encontramos é a tarefa mais urgente. Não se pode continuar num protesto apenas genérico enquanto a crise social atinge o clímax ao mesmo tempo que falham as receitas da orientação ultra-liberal do governo que ultrapassam em gravidade às políticas da Troika e das forças hegemónicas na União Europeia. A dívida não deixa de aumentar, a economia não cessa de regredir, o desemprego cresce e encolhem os mecanismos de solidariedade que a nossa sociedade construiu ao longo de décadas sem qualquer compensação aceitável. Pior, porventura do que tudo isto, é a assimetria social com que as dores da crise estão a ser repartidas, com a oligarquia a escapar e o mundo do trabalho a penar.
As forças de esquerda, incluindo o Partido Socialista, estão nesta altura substancialmente fragmentadas pela derrota eleitoral e incapazes de forjar a resposta política que o movimento social de protesto exige, por forma a rasgarem a perspectiva de uma reversão do presente estado de coisas.

Vêem de trás as razões para essas divisões, e a sua discussão arrasta-se numa lógica de recriminações que paralisam a acção. São porém pontuadas, igualmente, pela confusão de atitudes e dos alvos da acção que se estabelecem em relação aquilo que consideramos serem os quatro pontos críticos da situação para se construir uma linha de ofensiva.

Temos de lidar, a saber, como o problema do governo de direita, o mais ultra-liberal da história da democracia portuguesa.

Temos de lidar com a dívida acumulada ao longo de anos mas recentemente agigantada pela crise económica internacional. Fruto de um modelo de desenvolvimento pressionado pelos interesses do capitalismo dentro e fora de portas, onde avulta uma burguesia nacional muito mais interessada na apropriação de fundos públicos para fins privados especulativos do que para projectar um desenvolvimento para o bem comum, a crise tem de ser atalhada por uma resposta credível que minimamente possibilite a convergência à esquerda.

Temos de lidar com o memorando da troika, uma imposição dos credores que se arrogam a ditar as condições para a “assistência†financeira, um documento com traços desiguais de peso e pertinência, que carece da parte portuguesa de uma intensa e firme negociação de prazos e formas de aplicação, algo que o actual governo não quer fazer. A esquerda deve convergir na reclamação de melhores condições para a superação da crise da dívida.

E temos finalmente de lidar com o problema de uma União Europeia hegemonizada por forças conservadoras que recusa teimosamente a evolução para um modelo de efectiva solidariedade entre os países.

Sobre estes quatro pontos é muito desigual o posicionamento das forças à esquerda. Nota-se da parte do Partido Socialista uma paralisia no lançamento de uma oposição actuante. As dificuldades do PS são fruto da necessidade de preservar uma linha de cumprimento dos compromissos da dívida e dos acordos com as instâncias internacionais, se bem que se lhe note uma disponibilidade para encarar mais favoráveis ritmos e formas de aplicação das condições constantes no memorando da troika, em clara divergência com os planos do governo, desejoso não só de se submeter ao memorando mas inclusive de ultrapassá-lo na senda da sua utopia radical liberal.

Se são estes os dados do problema, temos de conceber uma tática que não disperse forças oposicionistas nas diversas frentes e permita concentrar a energia no elo mais fraco do problema que a nosso ver é aquele cuja superação poderá gerar as condições para depois confrontar os outros três.

Por comparação ao problema da dívida, do memorando e da politica dominante na UE, é na questão da oposição ao governo que mais força se poderá reunir para alcançar uma mudança na correlação de forças, susceptível de gerar melhores condições para lidar com os três primeiros.

É pois de realçar a questão de se hierarquizar e agir com sentido de oportunidade nos alvos em presença para que o sucesso de uma nova ofensiva no plano político seja minimamente alcançável. Mesmo que as divergências se mantenham noutros planos, é na questão do governo que mais assertivamente se poderá constituir uma frente para a mudança. É portanto em torno deste objectivo que a convergência deverá ser procurada, com um grande esforço para separar aquilo que diferencia as partes não escondendo contudo toda a diversidade de pontos de vistam que hoje avultam na esquerda.

Sem hierarquizar os problemas paralisamos a reaproximação e dispersamos as forças. Exigir, como o fazem certos sectores, que o PS se demarque do memorando ou que se aceite a saída da Zona Euro para que a convergência seja possível, não consegue mais de que fazer desaguar a energia do protesto social na areia do deserto das alternativas politicas à esquerda. A batalha de ideias que hoje se trava na esquerda sobre a forma de lidar com a dívida, o memorando e a politica dominante da UE deverá prosseguir sem dúvida, mas sem perder de vista o que é essencial: trabalhar para a reversão de forças no parlamento e no governo.

Sabendo mesmo assim das profundas clivagens que hoje existem à esquerda, das enormes dificuldades em passar de um clima de confrontação para uma táctica de cooperação e convergência, há que potenciar as oportunidades mínimas para relançar a reaproximação. É por demais oportuno a este título que se aproveitem as possibilidades decorrentes das eleições autárquicas para laboratorialmente possibilitar o diálogo. Conseguir entendimentos estratégicos em cidades como Lisboa, Porto, Coimbra e Faro, daria a todos os títulos um sinal aos portugueses de que se poderá desenhar uma possibilidade real de entendimento para mudar o rumo do país mais à frente.