18 DE JULHO DE 2024, QUINTA FEIRA
FONTE: RC
Guerra da Ucrânia: a luta contra a grande mentira!
Há quem atribua a Goebbels a tese de que, para ser credÃvel, tem uma mentira de ser grande. Só assim perdurará durante algum tempo até que as gentes tomem consciência da falsidade.
Isto vem a propósito das enormes mistificações sobre o conflito NATO/Rússia que inundam os média das democracias ditas liberais onde, em vez de cultivarem o pluralismo, todos reproduzem a mesma narrativa veiculada pelos centros polÃticos e os serviços secretos.
Poderemos acrescentar, é claro, que o fazem não pela bondade da sua versão, mas porque temem o desmascaramento da mentira.
A primeira grande mentira é defender que a NATO estava ela, coitada, muito sossegada no seu labor de admitir paÃses vizinhos da Rússia, a armá-los e a usá-los para projetar bases e armamento apontado à Rússia, na Europa oriental, no Cáucaso, e na Ãsia Central quando, de forma supostamente repentina, apareceu o grande URSO e desatou a agredir sem mais nem menos a sua vizinha Ucrânia.
O governo da Ucrânia saÃdo, entretanto, de um golpe de Estado inspirado e apoiado pelos EUA, e que destituiu um presidente eleito, começou a pedir também para entrar na NATO, pretensão imediatamente admitida pelos seus lÃderes.
A grande mentira aqui é, pois, esconder que a NATO, e sobretudo a sua tutela americana, têm, uma agenda de hegemonia mundial e que passa pela sujeição da Rússia e de outros polos de poder em todo o planeta. Ao mesmo tempo que escondem estes planos, a NATO e os EUA tentam defletir a responsabilidade para um reclamado expansionismo da Rússia.
Historicamente, aliás, as grandes guerras na Europa foram muitas vezes justificadas com o argumento da ameaça russa. Para a russofobia dominante, os russos são gente que não se quer ajustar à ordem internacional baseada nas regras americanas e da NATO.
Podemos acrescentar que outros paÃses, que em sentido lato compõem hoje a maioria mundial, bem como o seu núcleo mais dinâmico dos BRICs (Brasil, Rússia, Ãndia, China e Ãfrica do Sul), também se demarcam ou se opõem abertamente a essas ditas regras e aspiram a uma regulação global multipolar que respeite os direitos nacionais e onde se decida por consensos alargados.
É bom recordar as frases chave do comunicado da cimeira da NATO em Washington ocorrida neste mês de julho e que revelam cruamente qual é a sua agenda:
" ...estamos comprometidos em manter a ordem internacional baseada em regras"
" As ambições declaradas e as polÃticas coercitivas da República Popular da China (RPC) continuam a desafiar nossos interesses, segurança e valores. A parceria estratégica cada vez mais profunda entre a Rússia e a RPC e suas tentativas de reforço financeiro para minar e remodelar a ordem internacional baseada em regras são motivo de profunda preocupação .
"A Rússia busca reconfigurar fundamentalmente a arquitetura de segurança Euro-Atlântica. A ameaça de todos os domÃnios que a Rússia representa para a OTAN persistirá a longo prazo.
Este léxico mostra como as regras que a NATO quer forçar sobre o mundo, são as suas e não podem ser desafiadas sob pena de punições da NATO e dos EUA.
Na verdade, na base do conflito está uma questão de poder e hegemonia, mas está, para além disso, uma séria contradição de modo de produção. No lado da NATO predominam os interesses do capital financeirizado, do rentismo e da especulação bolsista, do outro, estão paÃses desejosos de se industrializarem, de vencer o seu subdesenvolvimento e que procuram construir um sistema produtivo ajustado à s mais prementes necessidades dos seus povos. Temos de reconhecer que a aposta na industrialização e na produção útil, é dinamizada sobretudo pelos BRICS e sobretudo pelo exemplo notável da China. Esta dualidade não explicará tudo, mas não podemos deixar de notar a correlação entre capital financeirizado e os interesses dos EUA associado à s elites conservados europeias e, em oposição, está o interesse da maioria mundial que aposta na industrialização e na produção de bens necessários ao progresso dos povos. Os democratas e a esquerda não podem deixar de favorecer o interesse da maioria mundial e combater a hegemonia do capital financeirizado obstáculo maior ao livre desenvolvimento dos paÃses.
A segunda grande mentira é atribuir à entrada de tropa russa na Ucrânia, em Fevereiro de 2022, o inÃcio do conflito, quando afinal, desde o golpe de Estado de Maidan em 2014, a liderança reacionária ucraniana se empenhou numa guerra, de baixa intensidade, mas sem quartel, para subjugar a população russófona do Donbass, em boa parte etnicamente cossaca, proibindo o uso da lÃngua russa e perseguindo e discriminando essa população (1). Esta gravÃssima conduta, originou uma revolta destas populações que decidiram pegar em armas e lutar pela autonomia desta parte da Ucrânia. O intenso conflito nas regiões do leste da Ucrânia ocasionou dezenas de milhares de mortos e, a certa altura, a guerra atingiu uma tal intensidade que não dava para ser mais silenciada e isso ocasionou um compromisso diplomático conhecido pelos acordos de MISNK (2) onde se concordou que o Donbass adquiriria autonomia num figurino de uma Ucrânia federal com respeito pelos direitos da sua minoria. Porém, soube-se depois que a liderança ucraniana subscreveu os acordos apenas para ter tempo de se armar e preparar um ataque mais esmagador contra as populações do Donbass e, quem sabe, atacar a própria Rússia. Esse compasso de espera foi preenchido por intenso rearmamento e apetrechamento bélico proporcionado pelos EUA e seus satélites e em boa parte com assistência no terreno de especialistas militares americanos e de outros paÃses da NATO. Nunca, mas nunca, deu o governo da Ucrânia um mÃnimo cumprimento aos acordos de Minsk. Não é verdade, portanto, que o conflito tenha começado em 2022. O conflito começa com a projeção da NATO para leste e agrava-se depois pelo alinhamento da liderança ucraniana com os planos expansionistas da NATO em frontal desafio à Rússia, desafio que a Rússia, aliás, passou a encarar como existencial.
A terceira grande mentira é a de que os membros da NATO e, em particular os que são membros da União Europeia, não têm alternativa a não ser sujeitar-se à orientação americana, para que a Rússia seja vencida nem que seja até ao último ucraniano. Mais recentemente, lÃderes da UE e da NATO, começaram a falar em enviar tropa para combater no terreno, numa escalada da retórica belicista. Numa altura em que seria essencial que a UE exercesse a sua autonomia de interesses, e se afirmasse como força moderadora na arena mundial, os EUA conseguiram amarrar a elite dominante na UE a embarcar numa estratégica suicida dos interesses do continente, conduzindo uma polÃtica de sanções económicas que se têm revelado catastróficas para os povos europeus, diretamente ligados à perda da fonte proveitosa e acessÃvel da energia russa e com quebras maciças de trocas comerciais mutuamente vantajosas. Por outro lado, os partidos conservadores europeus alinharam nos encargos colossais de financiamento da guerra e da transferência de enormes quantidades de material militar. Aqui, a mentira é dizer que os paÃses da UE não podem fazer outra coisa senão ser parte da linha da frente para derrotar a Rússia. É importante compreender que nesta orientação da direita europeia, e há que dizê-lo com frontalidade, com o apoio praticamente indistinguÃvel da social-democracia, está a sabotar o desenvolvimento económico necessário à melhoria do bem-estar comum, e a levar ao empobrecimento e ao retrocesso. Pior, esta orientação repõe a hegemonia americana à custa da economia europeia, na medida em que os paÃses da UE estão a ser forçados a fazer negócio com o sistema energético americano muito mais caro, e a servir de bandeja o complexo militar-industrial americano por via das cada vez maiores encomendas de material bélico. Na verdade, este alinhamento estrito das direitas europeias, e da social-democracia, com a tutela americana está a conduzir a UE à irrelevância polÃtica, à decadência económica e é isso que explica o aproveitamento que a extrema-direita está a fazer da situação por via da sua demagogia que finge opor-se a esta orientação.
A grande mentira aqui é querer fazer crer que a UE tem de fazer o que os americanos mandam, pois se optasse porventura por ser uma voz autónoma na cena internacional com uma orientação que promovesse a paz e uma regulação internacional mais democrática, arriscaria sucumbir ao diktat russo. Contudo, é cada vez mais evidente para a opinião pública que o prolongamento da guerra não leva a lado nenhum e só agrava a perspetiva de um desastre anunciado. Situação que ainda pode sofrer mais dificuldades se os americanos, por via do seu interesse prioritário no oriente, deixarem cair o seu suporte à Ucrânia, como já fizeram em tantos outros teatros de intervenção militar.
A Renovação Comunista nada tem de ver com a orientação das forças que hoje governam a Rússia e é alias muito crÃtica do que sente ser a abdicação pela liderança russa do património de uma correta polÃtica das nacionalidades, iniciada pela Revolução Russa e por Lenine. De resto, a Renovação Comunista condenou a invasão e a violação inerente que ela representou da carta das Nações Unidas e considerou que esse ato veio complicar muito a resolução do conflito. Para além disso, a Renovação Comunista valoriza a existência de uma Ucrânia independente, e que seja parte de uma solução de segurança regional que garanta a paz e a convivência entre estados. Os comunistas são naturalmente favoráveis a uma Ucrânia democrática, respeitadora da diversidade étnica e cultural e linguÃstica da sua população, livre de qualquer opressão étnica ou cultural. Não aceitamos a calúnia de que por sermos a favor do interesse geral dos povos, serÃamos pró-russos ou pró outra coisa qualquer. Essa é aliás a quarta grande mentira veiculada pela comunicação alinhada com os serviços de informações dos EUA e do UK.
Os comunistas como defensores do internacionalismo, são leais em primeiro lugar ao interesse de toda a humanidade. Esse interesse é desde já o de parar a guerra, e avançar-se para uma regulação internacional democrática, multipolar, livre das coerções das forças militares da NATO e dos EUA exercidas por via das suas 750 bases militares espalhadas por todo o planeta.
Está mais próxima a crise da orientação da NATO e das lideranças conservadoras europeias e a grande mentira vai acabar por ceder terreno à verdade. A luta pela paz deve unir todos os democratas e pessoas de esquerda.
REF.
1 José Catarino Soares. DISSIPANDO A NÉVOA ARTIFICIAL DA GUERRA: um roteiro para o fim das guerras na Ucrânia, a paz na Europa e o desarmamento nuclear universal (Portuguese Edition) Kindle Edition, Editor Primeiro CapÃtulo, 2023.
2 O acordo de MINSK envolveu representantes da Rússia, Ucrânia, república Popular de Lugansk, República Popular de Donetsk e representantes da Organização para a Segurança na Europa (OSCE). O acordo foi assinado em 5 de Setembro de 2014.