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27 DE OUTUBRO DE 2013, DOMINGO
A obediência ao culto da personalidade
A resposta de Carlos Brito ao Artigo de José Manuel Jara saído no "Militante"
José Manuel Jara, um idefectível prosélito da actual direção do PCP e seguidor da velha cultura do "culto da personalidade", fez sair um artigo na revista "o Militante" publicação do PCP sobre assuntos teóricos e ideológicos, para se insurgir com o livro de Carlos Brito sobre Álvaro Cunhal "Os sete fôlegos de um combatente". O Expresso deu notícia do escrito de José Manuel Jara e da resposta de Carlos Brito. Inserimos aqui o texto de resposta de Carlos Brito na íntegra. A questão que nos anima não é bem a mera polémica. É que, na sua resposta, Carlos Brito dá-nos conta de uma visão da história, preciosa para memória futura, e permite-nos entrever o seu pensamento e linha política. E, esse, parece-nos ser o valor inestimável desta resposta.
A obediência ao culto da personalidade

O PCP falou finalmente sobre o meu livro «Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos do Combatente», publicado em 2010, cinco anos após a morte do mais notável dirigente do PCP.

Falou na revista de organização, «O Militante», de Julho/Agosto, num artigo de oito páginas, com três subtítulos e vários destaques.

No auge da celebração do centenário de nascimento de Álvaro Cunhal, seria de esperar que «O Militante» reconhecesse a contribuição do meu livro e tomasse em consideração a opinião de destacados autores de esquerda e da generalidade da crítica, na altura em que foi publicado.

Lembro palavras do historiador António Borges Coelho

«Este livro é uma fonte preciosa pelas informações que transporta e pela serenidade com que manuseia os documentos e a memória. Toca-nos fundo. É denso, corajoso, vivo. Uma pedra para a História».

Do poeta Manuel Alegre :

«Direi que é a melhor homenagem que se podia prestar a Álvaro Cunhal. Porque não é um retrato de um líder enquanto Deus, nem de um líder enquanto diabo. É um retrato de um homem enquanto homem, um homem de qualidade excepcional».

Do escritor Baptista-Bastos:

«O livro de Carlos Brito restitui-nos a exacta dimensão do homem e a complexidade da sua formação. E discorre sobre o lado humano de um ser na aparência frio e distante, mas cheio de generosidade e de calor humano».

Afinal, «O Militante» foi buscar o meu livro não para o valorizar como ele valoriza Álvaro Cunhal, mas para o submeter a um julgamento inquisitorial em obediência ao culto da personalidade, que tem comandado os actos e os textos do PCP comemorativos do centenário.

Em obediência ao culto da personalidade, os grandes e indiscutíveis méritos de Álvaro Cunhal são, nas comemorações, exaltados religiosamente e os seus desacertos e erros, alguns humaníssimos, são à força silenciados, o mesmo acontecendo às críticas, até as mais ténues, enquanto quem ousa ou usou faze-las, é pura e simplesmente varrido da história do partido – e tanto a fotografia, como o próprio nome.

O supremo sectarismo, bem no estilo estalinista!

No caso concreto do meu livro, o articulista convocado para a operação – José Manuel Jara, meu antigo companheiro no Grupo Parlamentar – começa por anunciar «uma crítica de base ideológica» ao livro, para depois seguir o velho estratagema de atacar o autor para lhe desvalorizar a obra. Mais grave é que este ataque seja baseado em invenções, processos de intenção e na falsificação das minhas actuais posições de comunista.

Para o seu trabalhinho, Jara arvora-se em mestre do marxismo-leninismo, teórico da revolução e inquisidor-mor. É nesta última função que realmente se distingue.
A propósito do que conto no livro sobre as diferenças de opinião que surgiram na Direcção do Partido, nas vésperas do 25 de Abri, em relação à natureza do movimento dos capitães e ao seu papel no derrubamento do fascismo, Jara observa, com assumida pretensão policial:

«a divergência calada de Carlos Brito em relação a direcção do PCP e em relação ao papel de Álvaro Cunhal vem de longa data, embora como se sabe, tenha levado um longo tempo a eclodir como dissidência.»

Na cabeça de Jara, devotada ao culto da personalidade, a diferença de opinião e a divergência política em relação ao líder e à direcção têm sempre por trás a má fé, a conspiração «calada» e equivalem, mais dia, menos dia, à dissidência, ao oportunismo e ao derrotismo.

Sabe-se a que trágicas consequências históricas conduziu esta sanha incriminadora.

Vale a pena aprofundar esta questão pela sua importância no processo da Revolução de Abril e para mostrar como na intriga, contra mim, urdida por José Manuel Jara, ele é que revela a «ânsia de protagonismo» de que me acusa, pois se permite sentenciar em matéria que manifestamente desconhece.

A questão do papel dos militares e as teses de Álvaro Cunhal a respeito são largamente tratadas no meu livro, especialmente no capítulo intitulado «A Estratégia da Vitória e as suas Vicissitudes».

Aí faço a demonstração do papel fundamental de Cunhal para definição e a concretização dessa estratégia vitoriosa, que compreendia, é claro, a atracção de uma parte das Forças Armadas. Procuro também mostrar como o processo revolucionário é complexo e trás consigo situações inesperadas ou situações esperadas, com aspectos absolutamente inesperados. Foi o que aconteceu com o movimento dos capitães. Os membros do Secretariado do Partido, por razões de segurança fixados no estrangeiro, especialmente Cunhal, com uma larga experiência de luta contra o «putchismo» e o «reviralho» nos anos 30 e 40, tiveram grande dificuldade em perceber a natureza originalíssima deste movimento militar, a sua independência, a rápida definição do inimigo, o amadurecimento de linhas de acção, a audácia, a estruturação e amplas forças envolvidas, que nada tinham a ver com os experiência militares oposicionistas do passado. Esta dificuldade era agravada pela distância física do país e, se calhar, pela insuficiência de informação enviada pelos que estávamos no interior com a mão na massa (como admito no livro). Sustentavam, então, que acreditar que o movimento dos capitães estava em condições, tinha força e vontade de «sair» para derrubar o fascismo a curto prazo, era uma pura ilusão que prejudicava gravemente o desenvolvimento da luta de massas, então em ascenso, com a propagação das greves operárias.

E lá vinham os alertas, como no manifesto da Comissão Executiva sobre a «Coluna das Caldas»: «Todas as vias putchistas ou oportunistas (de direita ou de esquerda) que não vêem nas massas populares o papel decisivo, todas as ilusões quanto a um fácil derrubamento da ditadura fascista não apressam, mas retardam o seu derrubamento.»

Conservo comigo cópia de uma carta que escrevi, em finais de Março de 1974, a Joaquim Gomes, membro da Comissão Executiva, que ia partir para Paris para uma reunião com o Secretariado. (Aqui tem Jara a resposta à «divergência calada»). Nessa carta, desenvolvo, como responsável do sector militar, as orientações que defendíamos em relação ao «movimento dos capitães» Aí reconheço o perigo das ilusões, mas sustento que havia outro perigo não menor - a miopia. E argumento: «A miopia, advogando que não há nada de novo debaixo do Sol, impedirá o aproveitamento das condições que se criam com a existência de um amplo movimento de oficiais do QP que poderá em boa parte ser colocado ao lado do povo.»

Ao contrário dos alertas, saber-se da existência de um forte movimento militar antifascista provocava no país um grande encorajamento à luta popular em todas as frentes, nomeadamente na frente operária. Era mais que evidente que os dois processos se interinfluenciavam positivamente. E é curioso que alguns militares percebiam isto e até enviavam recados ao partido para que não deixássemos cair o movimento grevista.

Quanto ao papel do movimento dos capitães no derrubamento do fascismo, o 25 de Abril diz tudo.
Assim, Álvaro Cunhal escreveu, em «A Revolução Portuguesa, o Passado e o Futuro»:

«A Revolução trouxe surpresas e originalidades. Na ponta final, o factor militar adquiriu um papel decisivo para o derrubamento da ditadura.»

Pela minha parte, remato a questão no «Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos do Combatente, dizendo:

«As observações e as vicissitudes que aqui registo têm em vista contribuir para um melhor conhecimento dos acontecimentos, do líder e do homem, das relações e das contradições entre as definições teóricas e a prática revolucionária, mas em nada diminuem a meu ver, a importância da estratégia delineada por Álvaro Cunhal e o seu papel decisivo na luta contra a ditadura fascista e pelo seu derrubamento.»

Esta é a história vivida nas duras condições de então. Nada tem ver com as fantasias argumentativas de Jara, em cega obediência ao culto da personalidade. É esta cegueira que o leva a ver o líder sempre perfeito, impecável e irrepreensível, como «o rapaz» num filme da «cow-boys», já disse alguém. Mas o pior ainda é que não hesite em atacar quem não vê como ele, usando para o efeito os terríveis palavrões herdados do estalinismo para fustigar a heresia. Tem mesmo uma especial predilecção pela palavra oportunismo. Mas haverá maior oportunismo do que o seu, sempre louvaminheiro em relação à direcção, a todas as direcções, actuais, antigas e futuras?

Às vezes dá a impressão que não leu o livro ou que o leu em diagonal. Não percebeu os «sete fôlegos», só leu um bocadinho no resumo final. Julga que é para bater em Cunhal, quando é para levantar o combatente. Corrija-se: a reunião a que fui com o Raimundo Narciso, não era da FUP, era uma reunião convocada e presidida pelo MFA, ala Gonçalvista, como está escrito. Enfim, na pressa de deitar a baixo tudo que lhe cheire a crítica, perde-se pelo caminho. Insisto, no entanto, que a sua maior perdição é a obediência cega ao culto da personalidade.

Termino, por isso, lembrando que foi Álvaro Cunhal que escreveu, premonitório:

«Se se é contra a deificação dos vivos, também se justifica ser contra a deificação dos mortos.»

E mais à frente:

«A deificação dos mortos ou é uma desencorajadora subestimação do papel dos vivos ou uma tentação à sua igual deificação.»

Boa matéria para reflectiram, a direcção do PCP, «O Militante» e Jara, claro.

Carlos Brito



 

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