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18 DE OUTUBRO DE 2013, SEXTA FEIRA
Entrevista ao Dr. José Munhoz Frade
Hospital de Beja, os meandros de uma luta exemplar
O Dr. José Munhoz Frade é um especialista hospitalar em Medicina Interna a trabalhar há longos anos no Hospital Distrital de Beja, no qual, aliás, já exerceu funções de Director Clínico. É por isso um profissional especialmente habilitado para avaliar as mudanças em curso naquela unidade de saúde. Com efeito há preocupantes notícias de redução de oferta de cuidados à população, com redução do nº de camas e de prestações, como será o caso da Oncologia Médica.
RC: Podes descrever-nos exactamente o que está a ser posto em marcha pelo Ministério e ARS?

José Frade: Tem-nos sido impossível descortinar com suficiente definição o plano de “reengenharia†dos cuidados de saúde diferenciados que o Ministério pôs em marcha no Baixo Alentejo. Tal se deve ao facto de que o processo em curso se tem caracterizado pela opacidade, quer quanto aos impactos gestionários pretendidos, quer ainda quanto às lideranças operacionais. Quanto a objectivos político-ideológicos, tínhamos desde logo algumas desconfianças…
Datam de Abril deste ano os primeiros indícios suspeitos que nos chegaram aos ouvidos, rodeados de grande indefinição, como qual o número de camas a subtrair à lotação do Hospital de Beja, e a que nível de responsabilidade na orgânica do SNS se teria incumbido o comando do processo. Falava-se num total de cem camas hospitalares a reduzir no Alentejo, mas não tínhamos qualquer informação de movimentações com o mesmo sentido nos outros hospitais. Entendemos esse facto como indiciador de uma táctica de “começar pelo elo mais fracoâ€.
Conhecedores (e agentes…) da história do Hospital Distrital de Beja, cuja gradual diferenciação de cuidados foi arduamente conquistada, contra a oposição de lóbis centralizadores – designadamente médicos, tivemos desde logo consciência das previsíveis consequências negativas de um significativo “downsizingâ€. Entre essas, principalmente as resultantes da redução da oferta assistencial do hospital, mas também as resultantes de perda de capacidades e idoneidades formativas. A gravidade desses impactos levou-nos a tornar pública a questão.
Apenas nos últimos dias, conjugando o provável significado de alguns factos recentes, como a anunciada reformulação do Hospital de Portimão e a publicação dos contornos legais dos futuros processos de contratação das Misericórdias (PPP’s), julgamos ter começado a ter alguma definição do plano em curso, que a realizar-se descaracterizará o SNS, concretamente numa Região especialmente frágil do nosso País.

RC: Como vês o efeito da redução de garantias de acesso das populações no quadro da estratégia de favorecer a substituição de serviços públicos por empresas privadas? Há notícia de investimentos privados no Alentejo?

José Frade: Com efeito, apenas agora começa a tornar-se perceptível a estratégia em curso. Na verdade, a receita é velha: custos públicos, lucros privados.
Prepara-se a criação de condições favoráveis visando a contratualização da Misericórdia de Serpa, para a realização, na modernizada unidade hospitalar existente nessa Cidade, até agora integrante da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, de intervenções cirúrgicas programadas (incluindo de Ambulatório). Essa “Parceria Público-Privada†teria como base populacional os concelhos da margem esquerda do Guadiana.
Ao Hospital de Beja seria “deixada†a restante função de tratar os doentes crónicos e mais idosos, com múltiplas co-morbilidades, de maior exigência financeira. Os recursos actualmente alocados ao Hospital de Beja seriam redimensionados tendo em conta essa “nova missãoâ€: uma redução a um nível mais básico de diferenciação (menos Especialidades e menos camas), “desnatação†dos recursos humanos mais especializados. O Hospital de Beja teria de continuar a tratar os doentes de custos mais pesados, sendo-lhe retiradas fontes de receita resultantes de produção “transacionávelâ€. A necessidade de deslocação de doentes para centros mais diferenciados intensificar-se-ia. Acentuar-se-iam as dificuldades de acesso existentes no Distrito.
Tudo isso resultaria num “SNS a três velocidadesâ€â€¦

RC: As denúncias e a luta das populações pela defesa do seu hospital alcançaram grande visibilidade. Como foi isso possível? Que alianças foram alcançadas?

José Frade: Logo que sentimos a necessidade de tornar pública a intenção destrutiva apontada ao nosso Hospital, tomámos a iniciativa de começar a utilizar (em Abril) os blogues mais frequentados da “nossa praçaâ€. Recorremos também à imprensa regional, conseguindo publicar artigos de opinião alertando para o problema. O debate resultante foi-se alargando progressivamente, levando às primeiras reacções institucionais (Grupos Parlamentares, Câmara Municipal de Beja, Assembleia Distrital).
Essa acção de informação veio a ter um dramático incremento a partir da concretização dos primeiros encerramentos de camas no Hospital, efectuados em Agosto. Em 3 de Setembro, foi feita uma denúncia pública, efectuada em rede social e dirigida aos Grupos Parlamentares da oposição, ao Sindicato dos Médicos da Zona Sul e à Ordem dos Médicos. Tal denúncia teve repercussão nos media (p. ex. no ‘Público’ e em rádio local), o que forçou o próprio Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde a realizar, seis dias depois, uma conferência de imprensa onde assumiu o projecto de encerramento de 26 camas (menos 11,3% da actual lotação).
Como corolário desse amplo processo de sensibilização e consciencialização (públicas e pessoais), interessando transversalmente a “sociedade civilâ€, foi possível aprovar na Assembleia Municipal de Beja uma moção repudiando o encerramento de camas, por unanimidade (incluindo os deputados municipais do PSD!...).

RC: Pensas que há condições para, a partir daqui, não só travar os propósitos de restrição do SNS mas igualmente de avançar para a elaboração de uma linha de reforma e requalificação dos serviços no Baixo Alentejo?

José Frade: Quanto às condições de luta, pensamos que a principal frente continua a ser a central – a luta política contra a destruição do Serviço Nacional de Saúde.
Ao contrário do que seria expectável, o contexto local para a resistência às consequências gravosas da política de Saúde do Governo PSD/CDS nesta região apresenta dificuldades sérias.
Um dos factores desfavoráveis a essa luta resulta das expectativas dúbias que médicos que não estão em exclusividade alimentam, designadamente quanto a eventuais ganhos materiais com as mudanças. Esse factor subjectivo confere fragilidade à congregação e unidade dos médicos na luta pelo seu Hospital.
Por outro lado, perante um “Conselho de Administração†irregular (sem Director Clínico hospitalar), cuja incompetência entregou a elaboração do Plano de Negócios à Administração Regional de Saúde, cujo estilo gestionário se pontua por arbitrariedades e irracionalidades várias, seria de esperar que a força partidária localmente dominante (PCP) se opusesse de forma bem viva à presente grave ameaça ao Direito à Saúde no Baixo Alentejo.
Apesar da recente conjuntura eleitoral decorrida ter contribuído para um fraco empenho da Federação do Baixo Alentejo do PS nesta luta, o papel político que reconhecidamente foi exercido de forma mais actuante e determinante neste processo foi da responsabilidade pessoal do deputado do PS pelo Distrito.
Surpreendentemente (ou não…), o PCP tem andado a reboque, apenas tomando posições formais após outras forças políticas o terem mais activamente feito. Embora lamentando, há que referir que a nível local o reiterado comportamento de destacados membros do PCP tem sido de passividade, aparentando conivência, perante os interesses de personalidades locais ligadas ao PSD.
É caso para mais uma vez dizer que a luta de classes fractura onde menos seria suposto…


 

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