29 DE SETEMBRO DE 2011, QUINTA FEIRA
Carlos Brito
O imperativo da convergência à esquerda
Aà está instalada no poder a direita mais reaccionária que chegou à governação do paÃs depois de 25 de Abril.
ConstituÃda como coligação PSD/CDS, maioritária na Assembleia e em conivência com o Presidente da República, esta direita procura pôr em prática, de forma implacável, um programa neo-liberal extremo, através de uma equipa governativa onde preponderam tecnocratas de ideologia neo-conservadora, educados de modos, mas desprovidos de sensibilidade social.
O memorando da «troika, que promoveu e subscreveu, gravemente atentatório da soberania do paÃs, das conquistas democráticas e das condições de vida do nosso povo, é para ela uma mera plataforma justificativa e de arranque, que quer ultrapassar largamente na ofensiva para pôr fim ao «Estado Social» e provocar a profunda alteração do regime constitucional, não só no domÃnio das orientações económicas e sociais, mas em relação ao próprio sistema polÃtico.
Tamanha ambição, aliada a alguma inexperiência e a muita incompetência polÃtica, não deixa, no entanto, de provocar contradições e rivalidades no seu interior, originando zonas de fragilidade e de prováveis grandes tropeções.
Entretanto, à esquerda perdura a divisão e as principais formações partidárias ainda não se recompuseram da pesada derrota sofrida em 5 de Junho.
O PS, sem querer fazer uma revisão dilacerante das desastrosas polÃticas adoptadas pelos últimos governos da sua responsabilidade, vai tentando arrumar a casa. Elegeu um novo lÃder pouco comprometido com o passado, deu destaque a algumas figuras prestigiada da sua esquerda, aprovou em Congresso uma nova estratégia com sinais positivos, que podem facilitar o diálogo à esquerda, mas mantém também zonas de preocupante indefinição, como a admissão de «compromissos com a direita», que a experiência ensina a ver com a maior desconfiança.
O PCP e o BE, talvez por algum sentimento de culpa não confessado, parecem não se dar conta da profunda mudança verificada na situação do paÃs. Nem reconhecem que a sofreguidão com que embarcaram e colaboraram no derrubamento do desacreditado governo de José Sócrates, sem olharem a consequências, tendo-o feito, para mais, nos termos e nos prazos escolhidos pela direita, acabou por favorecer, pelo menos objectivamente, a chegada desta ao poder.
O discurso que fazem pouco difere do que faziam antes de 5 de Junho.
Ainda agora, quando os pesados agravamentos dos impostos e os cortes sociais desabam sobre os portugueses, as direcções do PCP e do BE fogem a isolar o governo de direita como responsável destas medidas e por isso apontado ao descontentamento popular, procurando sempre puxar pelas culpas do PS, com metáforas populistas do género «é tudo farinha do mesmo saco».
As responsabilidades do PS no memorando da «troika» não podem ser branqueadas, mas há que valorizar a anunciada oposição do PS à s medidas de austeridade que vão para além do memorando da «troika» e as reservas crÃticas que manifesta em relação a forma como este está a ser aplicado.
Em vez de puxarem o PS para a esquerda numa oposição comum para barrar a ofensiva reaccionária e enfraquecer a base polÃtica do próprio memorando da troika, as direcções do PCP e do BE empurram-no para direita, enfraquecendo a resistência e a oposição.
É sempre a velha táctica de «bater» no PS para desculpar os próprios erros, incapacidades e insuficiências, sonhando «comer à tripa forra»» no eleitorado socialista.
Não tem havido argumentos, nem factos, capazes de afastar esta esquerda, em tantos aspectos consequente, de tão continuada como perniciosa ilusão. O recente desaire eleitoral do BE, que proclamava como objectivo «cindir o PS», foi mais uma prova esclarecedora deste continuado erro, como já eram as sucessivas derrotas da mesma linha seguida pelo PCP, ao longo de décadas, até se tornar impotente para ultrapassar a fasquia dos 8 por cento, como tem acontecido em todas as eleições legislativas do presente século, realizadas nos mais diversos enquadramentos polÃticos.
Na actual situação do paÃs, da Europa e do mundo, a permanência desta divisão à esquerda, em Portugal, é absolutamente intolerável.
Nada desculpa que perante a ofensiva violenta da direita, que está a provocar o brutal agravamento das condições de vida dos trabalhadores e de todo o povo, a esquerda permaneça dividida. Nenhuma das grandes formações polÃticas desta área pode ser desculpada.
Não há justificação de espécie alguma para que PS, PCP, BE e todas as outras formações esquerda, não sejam capazes de convergir numa plataforma de oposição que recuse, como única resposta à crise da dÃvida soberana, o empobrecimento brutal e forçado do povo e do paÃs, o aumento dos impostos, o corte no direitos sociais, a destruição do «Estado Social», a privatização de sectores estratégicos e de bens essenciais, como a electricidade e água, e a vocação para o autoritarismo repressivo, que o Governo já revela.
A convergência à esquerda tornou-se um imperativo popular, constitucional e nacional.
A convergência não pode reduzir-se, porém, a uma plataforma meramente defensiva. Só será eficaz se combinar a resistência com a ofensiva. Isto quer dizer que a convergência implica a alternativa.
Não apresentando como alternativa uma qualquer palavra de ordem de bonito efeito retórico, no entanto vazia de consistência e de inviabilidade mais que evidente.
Mas tratando de construir uma proposta polÃtica consistente, que envolva uma combinação de forças capaz de derrotar a direita e de levar ao poder um governo democrático, que rompa com as governações neo-liberais que tem afundado a economia nacional, que aposte na mobilização das capacidades produtivas do paÃs e retome a linha da democracia polÃtica, económica social e cultural, que a Constituição consagra.
Uma proposta de alternativa que envolva todas as formações que militam á esquerda, desde logo o PS, o PCP e o BE.
Uma alternativa com viabilidade, em que o povo acredite e tenha pés para a andar.
A alternativa de um governo democrático de coligação de toda a esquerda, não é uma impossibilidade.
Foi uma alternativa deste tipo que triunfou nas recentes eleições legislativas da Dinamarca.
Trabalhar por uma convergência que seja capaz de parir uma tal proposta de alternativa, é o desafio que, nas presentes condições do paÃs, nenhuma força que se diga de esquerda pode recusar. Quem o fizer será inevitavelmente ultrapassado por outras forças que entretanto surgirão.
As movimentações populares de massas, já anunciadas e outras que seguramente as irão continuar e desenvolver, serão muito mais do que grandes jornadas de protesto se forem acompanhadas de sérios esforços de toda a esquerda no sentido da convergência e da alternativa.
Essas mesmas movimentações de massas farão destas ideias o inÃcio da caminhada para uma nova viragem democrática na polÃtica do paÃs.
É esta caminhada que porá a direita em respeito, mesmo antes de ser derrotada.
Gostei muito do que acabei de ler. Obrigada por isso.Estamos num perÃodo em que já ninguém, ou quase ninguém fala assim. É preocupante! Não sei se é o autor do texto quem vai ler este comentário...Carlos Brito. Gostaria de o poder contactar por mail.Tinha umas questões a por-lhe, mas aqui não é possivel fazê-lo.
Maria Helena Moraes