31 DE OUTUBRO DE 2011, SEGUNDA FEIRA Cipriano Justo Votamos contra Em nome da maioria absoluta dos portugueses, em nome dos seus eleitores, em nome dos seus militantes, em nome da sua designação, está vedado ao Partido Socialista sequer abster-se no Orçamento de Estado para 2012. O único voto admissÃvel, exigÃvel, é votar contra. A própria abstenção, sem substanciais alterações nas medidas de austeridade, seria o equivalente a um conúbio com este governo, com esta polÃtica e com este orçamento. A possibilidade de voltar a tornar-se num actor partidário com o qual se passa a contar para outros voos teria o seu epÃlogo nesse dia. Esta é a oportunidade para o PS demonstrar que está genuinamente decidido a rever a sua orientação programática e reconhecer que as polÃticas seguidas nos últimos anos representaram um fracasso que não se deve revisitar. E este voto deve ser contra não só porque exorbita os termos do memorando de entendimento que assinou com o FMI/BCE, mas porque a situação europeia é de tal forma volátil e as respostas polÃtica estão ainda tão aquém do que é necessário que não podem ser os povos a ter de regressar a um passado do qual saÃram travando muitas batalhas para chegarem a um patamar de vida com alguma decência.
Do que se trata não é exclusivamente do conjunto de medidas que constam do Orçamento de Estado deste governo. Trata-se de uma polÃtica urdida por uma direita que tem em vista fazer retroceder em vários anos o ponto de partida a partir do qual os combates por melhores condições de vida têm de ser travados. É, por isso, uma visão classista que justifica e enquadra o processo de engenharia social que este orçamento quer começar a materializar. Ao aumentar a distância entre o topo e a base da pirâmide social o sentido da acumulação de riqueza torna-se unÃvoco, a mobilidade social sofre um retrocesso e com ele diminuem também os riscos de contaminação pelos valores de uma democracia mais igualitária. E são muitos os valores que estão em jogo e que nestes trinta e sete anos de democracia a direita viu fugir-lhe: o direito ao trabalho, o direito ao ensino e aos cuidados de saúde públicos, o direito a uma remuneração condigna, o direito à segurança social na doença e na velhice, o direito à segurança nos ambientes de trabalho, o direito à sindicalização de profissões a quem tradicionalmente isso lhes estava vedado, a liberalização dos costumes. Está à vista que os anti-iluministas do século XXI espalhados por essa Europa e bem representados em Portugal têm presente as lições de uma corrente de pensamento que começou no século XVIII com Vico e teve em Spengler o seu expoente no século XX.
No dia 29 de Novembro vai saber-se se a direcção do PS tem no seu programa contemporizar com esta corrente do pensamento europeu. Para a democracia e para a construção de uma alternativa torna-se imperioso que a social-democracia europeia se reinvente, entre outras coisas começando por fazer um exercÃcio de memória sobre as suas origens. Agora, e mais do que nunca, importa não ceder à chantagem da alternância. Fraquejar no momento em que por muitos anos irá ser lembrado o dia em que para milhares de portugueses o sentido da história se inverteu seria uma afronta ao imenso protesto que começou a ecoar por todo o paÃs e que os eleitores não deixariam de registar, agora e quando este governo for chamado a prestar contas.
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