
20 DE SETEMBRO DE 2007, QUINTA FEIRA
FONTE: Público
POR: Cipriano Justo
Deus, Pátria, FamÃlia e Chinatown
Cipriano Justo saà à liça, hoje, no Público sobre as ideias peregrinas de Maria José Nogueira Pinto para a baixa de Lisboa
As declarações de Maria José Nogueira Pinto publicadas na edição de 15 de Setembro do Expresso, para quem alimentou ilusões de que a eleição para o governo de Lisboa não tinha nada ou quase nada de ideológico e de que quando se trata da cidade somos todos bons rapazes e boas raparigas, uma espécie de acampamento de escuteiros, vêm desmentir esse sonho interclassista das vantagens da sÃntese sem necessidade de passar pelo trabalho de a confrontar com a sua antÃtese. Mas como iria MJNG, subsecretária de Estado da Cultura, vice-presidente do Instituto Português de Cinema, provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em governos de direita, lÃder do grupo parlamentar do CDS e admiradora confessa de Salazar, justificar o voto em António Costa com este curriculum polÃtico? Simples, diz MJNG, a Câmara "é pouco ideológica, é um voto para tapar buracos nas ruas e tratar da situação financeira". E como os buracos não têm partido e quando nascem é para todos, e as finanças camarárias não passam de trocos e a sua função é criar as condições logÃsticas para manter as desigualdades de oportunidades, votar em António Costa, nestes pressupostos, não a obrigava a uma incómoda penitência politica nem tão pouco a um lifting ideológico e, sobretudo, era um preço bastante em conta para voltar novamente a mandar na coisa publica.
Que MJNG seja de direita, tenha eleito Salazar como o grande português dos últimos oito séculos, o lema da sua vida seja Deus, Pátria e FamÃlia e preferisse que o comércio chinês fosse acantonado num parque temático, só a ela diz respeito. Que António Costa, socialista, o actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa que derrotou a direita mantenha a ideia de convidar MJNG para Directora do Gabinete de Reabilitação da Baixa Chiado depois destas declarações, já é inaceitável. A sua concepção de cidade revela um espÃrito segregador totalmente alheio aos valores democráticos. Por isso, não se trata sequer de equacionar uma solução alternativa. Fazê-lo seria alimentar a argumentação de MJNG, dando-se por adquirido que o assunto era digno de escrutÃnio. Politicamente seria a legitimação de uma atitude explicitamente provocatória muito pouco diferente das concepções defendidas pelo PNR. Afinal de contas a defesa que MJNG faz do despejo dos chineses da Baixa Chiado não anda muito longe do célebre cartaz daquele partido sobre os imigrantes. É tudo uma questão de escala.
Que se saiba, seja português, brasileiro, indiano, chinês, italiano, caboverdeano ou tailandês, qualquer comércio tem as suas portas abertas porque é detentor de um alvará para o efeito. Não se trata de comércio ilegal ou clandestino. O que MJNG defende é o ordenamento da actividade comercial da cidade segundo uma hierarquia que teria na base a loja dos chineses e no vértice, o quê? Hermes, Patek, Gucci, Cartier? O que está em causa é uma visão fragmentada da actividade social, arrumada segundo critérios nobiliárquicos e protegida de culturas e de práticas que possam interferir com os interesses dominantes. A escolha será então entre contribuirmos para portugueses, brasileiros, indianos, chineses, italianos, caboverdeanos ou tailandeses se tornarem mais cosmopolitas sem deixarem de ser nacionais ou defendermos a criação de reservas de comércio étnico. Compreende-se que MJNG queira manter a visibilidade politica que o cargo lhe daria. Cabe às forças que em 15 de Julho derrotaram a direita decidirem se vão contribuir activamente para esse objectivo. Dirigente da Renovação Comunista