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06 DE JANEIRO DE 2007, SÁBADO
O enforcamento e a "democracia" de George Bush
O renovador comunista João Semedo, deputado independente da bancada do BE intervem na Assembleia da República sobre a execução video filmada de Saddam Hussein. E denuncia a «democracia» iraquiana made in George Bush
O vídeo do enforcamento de Saddam Hussein, gravado por um telemóvel e distribuído massivamente a partir da internet, não captou apenas as humilhantes condições em que o ex-ditador foi executado. Mostrou, para todos quantos ainda tinham dúvidas, a natureza da “democracia” que George Bush prometeu implementar neste país.

Trata-se de uma execução ao pior estilo colonial, de um linchamento vingativo, depois de um processo que foi uma farsa lamentável, criticada por todas as organizações dos direitos humanos e de defesa da justiça, bem como pelos responsáveis de direitos humanos nas Nações Unidas e pela União Europeia.

A execução de Saddam Hussein constitui um crime jurídico e político. Jurídico, porque a pena de morte não é uma forma civilizada de punir qualquer crime e ainda porque o processo foi irregular, sem respeitar os direitos da defesa e sem a mais leve semelhança com um processo em que o direito predomine sobre a vingança política. A pena de morte é o testemunho da barbárie.

Ainda por cima, tudo estava decidido à partida. Um dos juízes, acusado de ser demasiado brando para com Saddam, foi substituído por ordens superiores, alguns advogados de defesa foram assassinados, a execução processou-se num prazo recorde e, para insultar a maioria da população, o enforcamento teve lugar num importante feriado religioso muçulmano em que são ritualmente sacrificados animais. Este julgamento não seria aceite em nenhum país que respeite os princípios do direito e é uma vergonha para os aliados de Bush.

Mas é também um crime político porque acentua a guerra civil no Iraque. As consequências deste linchamento vão marcar profundamente o futuro do Iraque, agudizando o já problemático relacionamento entre as suas comunidades e a violência sectária que marca o dia-a-dia deste país.

Como bem destaca o editorial do Financial Times de há dois dias, a execução de Saddam representa o abandono por parte do Governo de maioria chiita das pretensões a governar para todos os iraquianos e foi um acto de vingança deliberado para celebrar a nova hegemonia.

É certo que Saddam foi uma das personagens mais repugnantes da história mundial das últimas décadas. E o que é que isso justifica?

Saddam foi condenado por crime cometido em 1982, altura em que era um dos principais aliados dos EUA. Até 1991 e à invasão do Kuweit, diversos governos apoiavam a sua acção e forneceram-lhe armas de destruição massiva ou munições – esse foi o caso do Governo dos EUA, intermediado por Donald Rumsfeld - mas também do Governo Português então dirigido por Cavaco Silva e que tinha Durão Barroso na pasta dos Negócios Estrangeiros.

Mesmo o principal massacre contra a população curda, em 1988, ocorreu três anos antes do embargo internacional ao regime iraquiano. Muito antes de Portugal parar de fazer negócio com o torcionário que agora foi executado, o que só aconteceu em 1991, data até à qual o governo português vendeu armas e munições a este regime, que era um dos seus bons clientes.

Foi, como o próprio Saddam admitiu numa das sessões do julgamento, com a aprovação de Washington e com gás venenoso fornecido pela Alemanha Ocidental, que arrasou Halabja com armas químicas em plena guerra entre o Irão e o Iraque.

Mas o que é certo é que nenhuma justiça baterá à porta dos que criaram o desastre no Iraque de hoje. Os mandantes dos torturadores de Abu Ghraib, os genocidas de Fallujah, os executores de limpezas étnicas de Bagdad, os chefes de Guantánamo. Bush e Blair nunca serão julgados pelos seus crimes de guerra nem nunca responderão pelos milhares de mortos que provocaram com a invasão e ocupação do Iraque.

Senhoras e senhores deputados:

Só mesmo George Bush é que poderia saudar esta execução. O presidente norte-americano e as forças ocupantes do Iraque são directamente responsáveis por este crime. Aliás, a declaração de Bush sobre esta decisão - considerando-a um “marco para a democracia iraquiana” - ilustra perfeitamente o seu apoio e compromisso com a aplicação da pena de morte.

E compreende-se a vontade e a pressa de George Bush em apagar Saddam. Como se já não bastasse a crescente oposição à guerra pela sociedade americana, é a própria Casa Branca que se confronta com um número crescente da altas patentes militares que defendem a retirada das tropas de um cenário de uma guerra já perdida.

A democracia prometida por Bush, e os seus companheiros nesta louca aventura, tornou-se nisto. A substituição da ditadura liderada pela minoria sunita, pelo totalitarismo da opressão da maioria xiita sobre as outras comunidades. Pelo meio, morreram milhares e milhares de iraquianos e três mil soldados americanos: o Iraque vive há três anos uma guerra civil que tem destruído o país e minado todo o Médio Oriente.

A pronta condenação pela União Europeia da execução merece ser sublinhada. Mas convém não esquecer, no entanto, que alguns dos seus membros apoiaram ou participaram na invasão do Iraque. Foi este o caso do Governo de Inglaterra sob Tony Blair ou do Governo de Portugal sob Durão Barroso, e que participaram na criação deste mesmo regime fantoche que conduziu à execução de Saddam.

Não nos esquecemos que foi na Cimeira das Lajes, em território português, com o aval do governo PSD/PP, que foi dada a ordem de partida para a invasão do Iraque, iniciando uma guerra à revelia do direito internacional e suportada pela mentira grosseira das armas de destruição massiva.

Também não nos esquecemos das comovidas palavras, proferidas por alguns editorialistas mais excitáveis, que não hesitaram mesmo em comparar a queda da estátua de Saddam com a libertação do 25 de Abril em Portugal. Se, já na altura tais comparações representavam uma desfaçatez absoluta, hoje, pelo ridículo de que se cobrem, são o melhor exemplo do quadro mental que permitiu esta invasão.

E registamos o embaraço e vergonha dos políticos de direita, cujos mandantes apoiaram a ditadura de Saddam desde sempre e lhe venderam armas, para depois decidirem a ocupação do Iraque na base de uma mentira pela qual nunca pediram desculpa ao povos. Dizia Durão Barroso aqui no parlamento que havia provas da existência de armas químicas, biológicas e mesmo nucleares no Iraque, para justificar o seu apoio à invasão. Os deputados do PSD e do PP, apoiaram o Eixo da Mentira. Têm agora uma oportunidade e até o dever de corrigirem a sua posição, de rejeitarem a pena de morte e de recusarem a estratégia bushista. Mas é mais do que certo que não o farão e que continuarão a apoiar o colonialismo no Iraque – afinal, o que esta execução demonstra é que o colonialismo não desistiu.



 

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